Enseada estratégica para caçadores de baleias até o começo da década de 1960, atual reduto de surfistas e turistas que preferem o contato direto com a natureza intocada, o Matadeiro, no Sul da Ilha de Santa Catarina, é exemplo emblemático das dúvidas deixadas pelo Plano Diretor de Florianópolis.
Mesmo na reta final dos debates comunitários que antecedem a tramitação na Câmara de Vereadores, o excesso de letras – APP, APL, APC – e a falta de informações concretas sobre as mudanças propostas pela Prefeitura, deixam moradores e comerciantes desconfiados. Tanto que, ontem, uma manifestação ocorreu no Centro de Florianópolis, pedindo por mais tempo para debate. Ainda assim, a prefeitura está irredutível e vai enviar o documento sexta-feira para a Câmara.
“O pessoal está com a pulga atrás da orelha”, disse Andréia Vieira, 43, dona do primeiro restaurante da praia. Desinformada sobre as mudanças de zoneamento em discussão, ela teme a construção de estrada e ponte para acesso de carros e abertura da praia a outros empreendimentos.
As amigas Marlete Oliveira, 22, e Camila Gomes, 24, estudantes de terapia ocupacional na UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), concordaram com Andréia. “Escolhemos o Matadeiro exatamente por causa da natureza preservada”, completou Marlete.
Segundo o presidente da Associação dos Moradores da praia do Matadeiro, Ezinar Rodrigues, o Plano Diretor transforma a atual APL (Área de Preservação Limitada) em APP (Área de Preservação Permanente), com ameaça de despejo dos atuais 40 proprietários. A entidade denuncia que parte da encosta foi excluída do novo zoneamento proposto pela prefeitura, para viabilizar empreendimento turístico de grande porte. O mapa do Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) classifica a gleba em questão como APC (Área de Proteção Cultural).
Natureza é o que atrai na região Sul
A trilha é de lajotas e concreto em trechos intercalados. Mesmo com a farta sinalização em português, espanhol e inglês, a proibição a ciclistas e cães não é seguida à risca. A rampa pavimentada foi obstáculo para Kellen Ferreira, 20, estudante de terapia ocupacional na UFSM “se fosse escadaria eu conseguiria”, lamentou. Mesmo com a mobilidade limitada, ela não concorda com abertura de estrada. “A beleza está na natureza”, disse.
Bem conservada, a ponte com base e piso de concreto e madeira de lei nas proteções laterais, é o único acesso para quem não quer correr o risco de atravessar a foz do rio sangradouro, poluída por ligações clandestinas de esgoto na armação, no Pântano do Sul e Costa de Dentro e de Cima.
Manifestação reúne moradores de 13 distritos
As dúvidas sobre o destino do plano diretor levaram representantes de associações comunitárias e moradores dos 13 distritos do núcleo Gestor Municipal do plano diretor participativo à frente da prefeitura de Florianópolis. Eles se manifestaram contra a intenção do governo em acelerar a aprovação do novo plano na câmara. Além da questão do Matadeiro, outros questionamentos apareceram durante o protesto na tarde de ontem.
A comunidade do Pântano do Sul alegou que havia deliberado ainda em 2007, quando começou o debate do Plano Diretor, a construção do parque natural, aprovado pela Floram (Fundação Municipal do Meio ambiente de Florianópolis). “No documento, a área aparece como de proteção limitada, e permite edificação”, declarou o representante da região, Gert Schink. A comunidade da Lagoa da Conceição reclama da construção de loteamentos habitacionais em dois pontos de área verde, no ponto sul e no retiro da lagoa.
A assessoria de imprensa da secretaria de Meio ambiente e desenvolvimento urbano não falou sobre o protesto, alegando que a discussão sobre o plano aconteceu nas comunidades e será aprofundada na audiência pública, marcada para quinta-feira, às 19h na assembleia legislativa.
(ND, 16/10/2013)