Lugar de lendas e bruxas, a Lagoa da Conceição paga caro pela fama internacional que, a partir da década de 1980, substituiu a rotina pacata da vila de pescadores pelo ritmo acelerado do turismo sem planejamento. Favorecida pela omissão do poder público, a mesma especulação imobiliária que deu vida própria ao bairro cosmopolita é responsável, também, pela deterioração acentuada da mais importante bacia hidrográfica de Florianópolis.
O cheiro forte que causa náuseas em quem passeia pela avenida Osni Ortiga ou no centrinho ainda não inviabiliza atividades de lazer náutico, nem parece incomodar quem gosta da pesca. Mas afasta clientela dos restaurantes da orla, confirma a seccional local da Acif (Associação Comercial e Industrial de Florianópolis), resultado das ligações clandestinas e do funcionamento inadequado do sistema de coleta e tratamento de esgoto, da Casan (Companhia Catarinense de Água e Saneamento).
Antiga e ineficiente, a ETE construída em área de preservação permanente, no meio das dunas entre a Lagoa e a praia da Joaquina, frequentemente não trata toda a carga de esgoto coletada. E contamina o manancial subterrâneo do aquífero Joaquina. “Isso é o que mais preocupa”, diz Roberto Silveira Fleischmann, diretor de atividades especiais do TCE (Tribunal de Contas do Estado). Segundo ele, vistoria feita em abril constatou aumento dos pontos do lençol freático afetados por excesso de fósforo, nitrito, nitrato, além de coliformes fecais e totais.
“Os índices aceitáveis em três locais analisados estavam acima dos valores máximos permitidos pela legislação”, confirma Fleischmann. O mesmo diagnóstico foi reiterado em junho por técnicos da Fatma (Fundação Estadual do Meio Ambiente), apesar de a Casan afirmar que fez os reparos mais urgentes para manter o sistema sob controle.
TCE identifica para multar responsáveis
Praticamente as mesmas irregularidades apontadas em abril deste ano já haviam sido constatadas em 2006 por técnicos da DAE (Diretoria de Atividades Especiais) do Tribunal de Contas do Estado. Como as determinações feitas em 2008 para implementação de medidas corretivas foram ignoradas, o que agravou a situação do lençol freático nas dunas, novo processo foi aberto pelo TCE. A meta é atingir o bolso de atuais e antigos diretores da Casan, que se omitiram diante da degradação ambiental recorrente e cada vez mais acentuada num dos mais importantes ecossistemas da Ilha.
Neste novo processo, os responsáveis terão amplo direito à defesa, mas devem ser multados caso não consigam justificar o descumprimento das determinações do TCE. “Neste caso, trata-se de multa personalíssima, ou seja, direcionada aos gestores, não à empresa”, explicou Roberto Vieira Fleischmann, diretor de atividades especiais do Tribunal de Contas. As principais determinações não cumpridas pela Casan são o correto tratamento do esgoto da ETE; o monitoramento da qualidade da água do lençol freático das dunas; e a retirada do lodo excedente na periodicidade adequada.
Em dezembro de 2008, o TCE exigiu da Casan a elaboração de plano de ação para correção das irregularidades apuradas. No ano seguinte, a Casan encaminhou o plano de ação solicitado, que passou a ser monitorado em processo específico, para verificação das ações com vistas à resolução das irregularidades.
Além de reiterar as determinações já feitas no processo anterior, o Tribunal determinou que a Casan enviasse periodicamente relatórios parciais. Foram enviados quatro relatórios parciais, entre 2009 e 2011. Além disso, a equipe técnica do TCE fez novas vistorias no local: em 26 de maio de 2009, oito de novembro de 2011, 15 de fevereiro de 2012 e 24 de abril de 2012.
Estação funciona sem análise laboratoria
A Casan, segundo os técnicos do TCE, cumpriu apenas 40% das determinações, e implementou 66,67% das recomendações. No caso das condições do efluente da Lagoa da Conceição, foi constatada a falta de análise laboratorial quinzenal, conforme estipulado no manual da ETE. Além disso, o Laboratório de Análises não vinha procedendo a análise do parâmetro “detergente”.
Também não eram respeitados o VPM (Valor Máximo Permitido) de nitrogênio amoniacal, demanda bioquímica de oxigênio, fósforo total, sólidos sedimentáveis, óleos e graxas e coliformes fecais e totais. A consequência, segundo Fleischmann, é a piora no tratamento do esgoto desde a auditoria operacional de 2006. A Casan deixou de coletar e fazer a análise laboratorial da qualidade da água do lençol freático em setembro e dezembro de 2010, ignorando o manual da ETE.
O período máximo para retirada do lodo produzido pela estação, estabelecido em 76 dias, não foi respeitado. Em determinado período, entre agosto de 2009 e junho de 2010, por exemplo, a Casan levou 300 dias para fazer a operação. Segundo destaca o relatório do TCE, a permanência por muito tempo do lodo na estação potencializa um possível extravasamento para a lagoa de evapo-infiltração, comprometendo assim todo o lençol freático do entorno e a eficácia do tratamento de esgoto.
Estatal tenta se readequar
Apesar da degradação ambiental acelerada, a Casan garante que a ETE atende cerca de 60% da população da Lagoa, em torno de 7.000 pessoas. O sistema, segundo a empresa, é considerado eficiente por laudos ambientais, com efluentes em nível secundário encaminhados para uma lagoa artificial nas dunas, onde ocorre os processos de vaporização e infiltração.
Acusada de agravar a degradação ambiental, a empresa se defende. Garante que a poluição das águas é resultado das ligações irregulares à rede pluvial.Para 2013, investimentos programados e já contratados junto a Jica (Agência Japonesa de Cooperação Internacional), prevêem mais de R$ 22 milhões para obras de ampliação da ETE da Lagoa. Segundo a direção da empresa, desde a última vistoria técnica realizada pelo TCE, em abril deste ano, algumas melhorias exigidas já foram atendidas. Garante, também que parte das irregularidades apontadas no relatório foram solucionadas, como a retirada do excesso de lodo da lagoa de evapo infiltração, o que não se confirmou, de acordo com relatório elaborado por técnicos da Fatma em junho.
Outras adequações e recomendações exigidas pelo TCE, segundo a empresa, estão em fase de atualização, de forma gradativa. Como muitos casos dependem de licitação, licenciamentos e acompanhamento ambiental para os devidos reparos e manutenção, não há previsão de solução imediata.
Segundo a Casan, ligações irregulares do sistema de águas da residência tem sido outro problema detectado pela fiscalização. Exemplo são as calhas ligadas a rede de esgoto sanitário, quando deveriam ser conectadas ao sistema de drenagem pluvial.
(ND, 10/12/2012)
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