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Eu não coloco pessoas sob suspeita, apuro fatos com base documental

A jornalista e acadêmica de Direito da Unisul, Maria Aparecida da Silva Nery, de 57 anos, foi uma das fundadoras do jornal Ilha Capital, que trata de assuntos voltados ao Norte de Florianópolis. Nas suas últimas edições, a publicação tocou em temas polêmicos: a CPI das Ongs e o suposto uso indevido de celulares por integrantes de órgãos públicos. Nesta edição, a Revista Líder Capital traz uma entrevista exclusiva com Maria Aparecida, mostrando a versão da jornalista sobre os fatos.
Revista Lider Capital: O jornal Ilha Capital tem se revelado uma alternativa de jornalismo investigativo. Como ele nasceu e vive?
Maria Aparecida da Silva Nery: O Ilha Capital nasceu em outubro de 2004, como um jornal de bairro do Rio Vermelho – o Jornal Bairro -, numa parceria de trabalho entre moradores locais e a Associação de Moradores (Amov). O objetivo foi criar um espaço de repercussão para as demandas comunitárias desta pequena aldeia rural em processo de crescente favelização pelo crescimento desordenado. Já nas primeiras edições fomos defrontados com graves tentativas de desvio na idéia original, por parte do então presidente da Associação – que tinha cargo em comissão no gabinete de vereador petista. Ele pretendeu conduzir o periódico por uma linha política, partidária e ideológica incompatível com nossas convicções em relação às necessidades do Distrito. O jornal sobrevive com a venda de anúncios, com patrocínios e apoios. Temos anunciantes que estão conosco desde a primeira edição.
LC: A senhora produz os textos do jornal. Que tipo de pesquisas a senhora faz e que tipo de fonte utiliza?
MA: Pesquiso jornal, freqüento sites e blogs, cartórios e fóruns. Hoje me dia, o jornal recebe muitas indicações e informações de dentro das comunidades. A edição número 5 do então Jornal Bairro foi um marco neste aspecto. Publiquei um artigo assinado, com posição favorável à implantação do Costão Golfe, na contramão da idéia que vinha sendo disseminada por ONGs através da grande imprensa da cidade, de que existia uma ‘unanimidade’ no Norte da ilha contraum residencial de luxo com campo de golfe. A partir daí, passamos a receber denúncias sobre a atuação de supostas lideranças comunitárias, que se apropriavam da representatividade da população para exercer política partidária e professar luta de classes de pobres contra ricos dentro das entidades. Era a massa da população, silenciada dentro de um cenário desencorajador para a participação não-militante, buscando formas de furar o bloqueio ideológico dos donos dos destinos da cidade.
LC: No mês de maio, o jornal publicou texto sobre as ONGs, fazendo referência ao senador Raimundo Colombo, presidente da CPI das ONGs. O que a senhora sabe sobre as ONGs da Capital? Elas estão regulares?
MA: Regularização e regularidade são coisas muito difíceis de encontrar, tanto em forma quanto em conteúdo. Há centenas de ONGs em Floripa – são centenas de milhares no Brasil todo – além de um razoável número de siglas vazias de qualquer componente formal, como “Movimento Disso” e “Fórum Daquilo”. Boa parte das entidades possui apenas o registro do primeiro estatuto e a ata de fundação. Fundar uma entidade é muito fácil e rápido. Torná-la conhecida e criar uma aura de atuação em torno dela também é, pois as redações engajadas abrem espaço e dão notoriedade para qualquer um que chegue com discurso politicamente correto, ainda que vazio de ações concretas. Além disso, praticamente inexiste fiscalização. É difícil, sim, encontrar ONGs que atendam os requisitos de regularidade documental. Significativa parcela pode ser enquadrada como entidade fantasma ou ONG de fachada.
LC: Os jornais vêm divulgando que muitas ONGs são constituídas só para tomar dinheiro das empresas e do governo. Isso tem procedência? A senhora poderia citar exemplos aqui da Região?
MA: Sim, é lícito dizer que boa parte dessas entidades é constituída com este objetivo de tomar dinheiro alheio. E o alarmante é que conseguem, mesmo com tantas fragilidades formais. É obvio: é politicamente incorreto resistir à cantilena politicamente correta. Quem ousa duvidar das falácias românticas sobre a necessidade urgente de salvação da humanidade? Estas entidades obtêm títulos de “utilidade pública” com grande facilidade, isenção de impostos e a parcela do governo em projetos que trazem em sua essência uma condição fundamental: dificuldade de acompanhamento e fiscalização. Fortalecidas institucionalmente, muitas delas tornam-se profissionais em achacação oficial da iniciativa privada. Estão aí os incontáveis casos de iniciativas importantes para a cidade, que depois são trocadas por simpatias e concessões as mais diversas. E, é claro, dinheiro.
LC: Em junho, o Ilha Capital trouxe uma notícia de conteúdo explosivo, a condenação de uma líder comunitária do Campeche por ter construído em área de preservação. Segundo se sabe, esta senhora participa inclusive das ações do Plano Diretor.
MA: Tereza Cristina Pereira Barbosa é bióloga e oceanógrafa, professora de Ecologia da UFSC. Ela é prestigiada liderança comunitária do Distrito do Campeche e uma das mais conhecidas militantes ambientalistas de Floripa, reconhecida por sua combatividade contra empresários da construção civil. Foi membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente; é membro segmento ambiental do Núcleo Gestor do Plano Diretor; integrou o comitê e foi palestrante destacada no Seminário FloripaReal; é vice-presidente da Federação das Entidades Ecologistas Catarinense. No final de maio ela foi condenada pelo juiz Hélio do Valle Pereira, em ação movida pela Floram que tramita desde 2004, a demolir edificações – inclusive uma piscina – e executar a recuperação ambiental em uma área de preservação ambiental de 3.663 m2 no Mato de Dentro, junto ao morro do Lampião, no Campeche. Sobre esse caso, o professor de Jornalismo da UFSC, Orlando Tambosi, comentou em seu blog: “Só me ocorre o infame dito popular: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.” Mas o caso de Terezinha não é único. Em minhas pesquisas sobre a campanha perpetrada por um grupo de ONGs contra a implantação do residencial Costão Golf, no Norte da Ilha, constatei a atuação de vários donos de pousadas clandestinas da região, cujos negócios sobrevivem da lotação dos eventos realizados no Costão do Santinho Resort. Muitos desses dirigentes de ONGs urbanistas e ambientalistas da cidade residem em áreas irregulares e servidões oficializadas em loteamentos clandestinos. A própria ONG fundada por Terezinha tem sede na área que foi objeto da ação civil.
LC: Muitas destas pessoas que a senhora coloca sob suspeita participam do Plano Diretor. Como se deu a farra do celular?
MA: Escusas: eu não coloco pessoas sob suspeita. Eu apuro fatos com base documantal e produzo matérias jornalísticas alertando sobre as minhas constatações. A farra do celular: o Ipuf alugou salas, equipou-as e entregou-as com um aparelho celular para cada um dos representantes distritais no Núcleo Gestor. Sabe-se que existe legislação que veda a entrega de bem público a terceiros. Aparentemente, o Ipuf não fiscaliza os gastos com os celulares, já que a farra das ligações só apareceu quando membros do Núcleo Distrital do Rio Vermelho descobriram que o seu representante em exercício, César Ismar Schenini, havia viajado para um tur pelo Nordeste, por motivos pessoais, ficou quase um mês fora, não passou a representação distrital para o suplente e ainda levou o celular consigo, que utilizou como se fosse particular. A tabela de gastos de todos os Núcleos Distritais, para efeito de comparação, acabou acusando mais distorções: alguns representantes distritais haviam feito uma verdadeira gastança em telefonemas. Schenini foi apenas o terceiro colocado. Um exemplo: nos dias 25 e 31 de dezembro ele expeliu 218 torpedos com código de área 51. Ele estava em Porto Alegre.
LC: Há outras irregularidades dentro dos encaminhamentos do Plano Diretor?
MA: Em minha opinião há elementos, sim, que eventualmente podem permitir o surgimento de questionamentos que coloquem sob judice o que foi feito nesta fase de, para usar a expressão do próprio Ipuf, “exercício de democracia direta” do Plano Diretor. De qualquer forma, vivemos em uma democracia representativa e, tanto o corpo técnico do Executivo quanto a Câmara detêm as prerrogativas constitucionais sobre o planejamento da cidade. O fato é que o que espelha a realidade das comunidades e que pontua a participação do povo, a rigor, é o fato d que 90% dos itens daquilo que se chama de resultado da leitura comunitária não tem nada a ver com Plano Diretor e vai acabar no lixo.
(Lider Capital, julho 2008)

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