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O gerenciamento costeiro no Brasil não é possível sem a ação firme dos municípios e a integração de planos diretores municipais ao planejamento do uso dos recursos de áreas litorâneas. Contudo, nem mesmo em nível federal e estadual essas políticas estão amadurecidas.
A constatação é da bióloga, pesquisadora e diretora técnica da Oscip Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro, Marinez Eymael Garcia Scherer. Ela apresentou propostas alternativas para esta problemática no penúltimo dia da Conferência Mundial sobre Desenvolvimento das Cidades, em Porto Alegre.
“O Brasil tem 17 Estados costeiros, mas nenhum deles possui os instrumentos necessários ao gerenciamento de suas áreas litorâneas. Falta planejamento municipal costeiro em mais ou menos 400 municípios da faixa litorânea. E falta articulação entre políticas nacionais e estaduais de gerenciamento costeiro, sendo que a articulação entre políticas estaduais e municipais, nesta área, praticamente não existe”, aponta Marinez.
A Lei Nacional de Gerenciamento Costeiro (Lei 7661/1988), que instituiu o respectivo plano, mais conhecido como Gerco, foi regulamentada apenas 16 anos depois de criada, por meio do Decreto 5300, de dezembro de 2004. Isto é uma mostra da demora dos governos em implementar ações de proteção a áreas litorâneas. E a última revisão do Gerco ocorreu há mais de uma década. “Mesmo com este atraso, o Brasil é considerado referência em gerenciamento costeiro na América Latina”, afirma a pesquisadora.
Precariedade
Apesar disto, é difícil imaginar algo pior que a situação brasileira em gestão de costas litorâneas. Basta ver os dados: pelo menos 30% das praias brasileiras apresentam má qualidade de balenabilidade, e água potável está disponível em aproximadamente 35% delas; nas áreas distantes menos de 200 quilômetros do litoral, o déficit de moradia atinge 9% da população da região Sul contra 46% da população nordestina; a ocupação irregular é constantemente alvo de ações do Ministério Público.
Ainda nas áreas costeiras são registrados problemas como pesca predatória, acúmulo de resíduos, contaminação das águas e degradação da paisagem natural. “A sobre-exploração dos recursos marítimos é uma realidade que afeta diversos municípios do litoral nordestino, onde são cada vez maiores as áreas de manguezais transformadas em criatórios de camarão. Também em Santa Catarina, na região de Laguna, a criação de ostras e mexilhões para exportação fica atrás apenas do Chile quanto à produção”, exemplifica a Marinez.
Ao mesmo tempo em que a degradação ambiental avança, a geração de valor econômico é maior nas faixas a menos de 200 quilômetros do mar – onde são produzidos 70% do Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB) e onde ficam os grandes pólos industriais e redes portuárias. “A legislação ambiental brasileira é muito restritiva, e isto leva à clandestinidade de certas atividades econômicas”, aponta Marinez.
Ausência da sociedade
Como fazer a articulação entre instrumentos como o Código Florestal, a Lei da Mata Atlântica e outras leis referentes ao planejamento urbano com o gerenciamento costeiro? Este é um desafio que se impõe porque o próprio Gerco é fruto da Política Nacional do Meio Ambiente e, portanto, deveria estar interligado operacionalmente a todas as práticas exigidas pelas leis ambientais.
O grande entrave é a ausência geral de comprometimento com o Gerco: salvo em algumas entidades governamentais estaduais de meio ambiente, o gerenciamento costeiro é vítima da ausência de ações do poder público e da própria sociedade.
Conforme Marinez, desde 2000 o Ministério do Meio Ambiente não realiza mais encontros para discutir o plano, apesar de esta ser uma atribuição sua. Isto levou a Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro (www.agenciacosteira.org.br), com sede operacional em Santos (SP), a assumir a realização desses encontros, que, de acordo com a Lei do Gerco, deve contar com a participação da sociedade.
Há uma meta de serem realizados dez eventos sobre gerenciamento costeiro dentro da idéia de cidades costeiras sustentáveis. “A agência foi criada para conectar poder público, empresários, universidade e sociedade. Nos encontros, são realizados painéis e debates, são compiladas sugestões e feitas plenárias. São buscadas parcerias locais e, ao final, feitas publicações com os resultados dos encontros”, explica Marinez.
O primeiro evento Cidades Costeiras Sustentáveis aconteceu em outubro de 2004. Em agosto do ano passado, foi realizado na Baixada Santista evento análogo com o tema “Desenvolvimento Sustentável e Proteção Ambiental das Praias”, contando com um público de aproximadamente 300 pessoas, das quais 151 responderam a um questionário sobre gerenciamento costeiro – o que sabem e o que esperam, que conhecimentos querem ter a este respeito.
“Essas pessoas, em sua maioria, diziam conhecer o gerenciamento costeiro, mas, na verdade, não o conhecem e não participam de atividades a ele relativas. Também a maioria afirmou não saber da existência de um Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, apesar de saber da existência da lei, informa a pesquisadora.
Debate inacabado
Há mais perguntas do que respostas no debate inacabado sobre gestão costeira. Desde o primeiro evento a cargo da Agência, em 2004, vem sendo proposta a elaboração de uma metodologia para se dizer quanto da orla deve ser deixada livre para construção. “Questiona-se se deveria haver um número fixo para isto ou se dependeria do tipo de área que se tem, se é área que sofreu ou não erosão”, exemplifica Marinez. Segundo ela, “a recuperação ambiental da linha da costa também é outra proposta, mas isto deve ser realizado com os municípios”.
Outra proposta lançada em encontros diz respeito à criação de subprogramas de estuários e programas de monitoramento da região costeira. “Deve-se trabalhar a gestão portuária e industrial nessas regiões”, sugere Marinez. Ela acredita que são necessárias abordagens diferenciadas para áreas urbanizadas e não urbanizadas, além de integração entre o gerenciamento costeiro com planos de bacias hidrográficas, e elaboração de planos de avaliação ambiental estratégica, considerando cenários futuros.
A discussão sobre avaliação ambiental estratégica problematiza o status atual dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), que é por muitos considerado complexo como instrumento de licenciamento. Estas questões deverão estar na pauta do “Cidades Sustentáveis Costeiras da Região Sul”, evento que a Agência realizará entre 18 e 20 de março, na sede da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), em Florianópolis.

(Por Cláudia Viegas, Ambiente JÁ, 22/02/2008)

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