Se real, geral e irrestrita é a determinação da Polícia Federal (PF) de investigar crimes de desvio de dinheiro público, o superintendente da PF, o delegado Paulo Lacerda, e sua equipe precisam começar a mirar rapidamente dois setores com tradição (reforçada no governo Lula) de receber verbas do governo e não prestar contas a ninguém: as organizações não-governamentais (ONGs) e as associações de sindicatos de trabalhadores e empregadores.
Sob a denominação Terceiro Setor, as ONGs nasceram como propósito de suprir carências sociais não atendidas pelo Estado. Nos últimos anos, porém, elas proliferaram pela inventividade de políticos e aproveitadores, que criam organizações com o único objetivo de se apropriar do dinheiro público. Seguindo o mesmo rumo e não bastassem as verbas que recebem do Ministério do Trabalho para suposto treinamento profissional, de patrocínio de empresas estatais, de receitas do Imposto Sindical e do Sistema “S” (Sesi, Senai, Sesc, Senac,etc.), os sindicatos e as centrais sindicais passaram as e abastecer também no Ministério da Educação (MEC), que nada tem que ver com atividades trabalhistas.
Como os políticos, os sindicatos perceberam que criar ONGs é um bom negócio para adicionar mais dinheiro público ao seu vasto portfólio, atuando em áreas do governo fora do Ministério do Trabalho. Foi assim que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) criou a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), flagrada nos últimos dias pela reportagem do Estado e do Jornal da Tarde ao receber do MEC R$ 8 milhões e não cumprir a contrapartida de alfabetizar adultos no Programa Brasil Alfabetizado. Com R$ 315 milhões para gastar com o programa este ano, o MEC distribuiu dinheiro a 59 ONGs conveniadas, nunca as fiscalizou e só depois da denúncia dos dois jornais prometeu investigá-las.
Por que será, caro leitor, que uma central sindical como a CUT se propõe a alfabetizar adultos, se é igual a zero sua experiência na área? E porque premiar as ONGs, se elas ainda terão de criar escolas, contratar professores, começar do zero? E ainda: por que o MEC decidiu reduzir a participação das ONGs para 20% das verbas do programa? Certamente, porque a “farra” estava exagerada. Não seria mais natural repassar o dinheiro a escolas públicas ou privadas que já possuem experiência, estrutura,salas de aula e professores? Como reconheceu a representante do MEC em São Paulo, Iara Bernardini, ao Estado, “alfabetização é um assunto para profissionais e o ideal é que seja feita nas escolas.”
Tem aí a PF um campo fértil para as suas investigações. Se já desvendou quadrilhas que atuavam em bingos, caça-níqueis, vendas de sentenças judiciais e sonegação de impostos, vai encontrar um prato cheio e ainda virgem na combinação ONGs sindicatos, juntos ou separados.
Pode começar investigando ONGs que mantêm contratos de prestação de serviços com governos – federal, estaduais e municipais. Quase sempre estão vinculadas a políticos ou ao próprio governador. Como no caso do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, que recebeu do ações em dinheiro para campanha eleitoral de proprietários de ONGs que mantinham contratos milionários com o Estado, governado, na época, por Rosinha Matheus, mulher de Garotinho. Ou seja, a suspeita era de que o dinheiro saía do governo direto para a campanha frustrada de Garotinho à Presidência.
Quanto aos sindicatos,trabalhadores e contribuintes brasileiros agradecerão à PF se ela conseguir entrar no fechado e nunca explicado mundo financeiro dos sindicatos. Além do Imposto Sindical, federações e confederações de empresários se sustentam com receita de tributos do Sistema “S”, que deveria ser aplicada em formação e treinamento de mão-de-obra. Centrais sindicais e sindicatos de trabalhadores também vivem de dinheiro público e nunca são fiscalizados,para “não ferira autonomia sindical”. Que autonomia, se só serve para esconder a aplicação do dinheiro, mas depende de impostos pagos pelos trabalhadores?
Que esse episódio de ONGs sindicatos- Programa Brasil Alfabetizado sirva, pelo menos, para a PF começar a agir e a investigar as relações suspeitas entre o Estado e essas organizações.
(Suely Caldas, O Estado de S. Paulo, 08/07/2007)
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