Foram 14 anos de espera até a elaboração do plano de manejo para uma das duas únicas reservas biológicas marinhas do país e mais 20 meses de discussão para concluí-lo. Aprovado em 2004, apenas 10% das políticas de preservação e desenvolvimento sustentável previstas puderam ser implantadas até agora. No ritmo atual, com falta de recursos humanos e financeiros, a estimativa é de que durante os cinco anos de vigência, somente 20% do plano de manejo da Reserva Biológica Marinha do Arvoredo seja colocado em prática.
A constatação é do chefe da Rebio do Arvoredo, Mário Luiz Martins Pereira. Ele fez um levantamento sobre a implantação do plano de manejo em julho do ano passado e concluiu que apenas de “7% a 10%” já foram postos em ação. “Ainda estamos longe. Infelizmente, a preocupação ambiental é só um discurso neste país”, critica.
A lista de precariedades é extensa. Para proteger os 17,6 mil hectares da reserva faltam verbas, pessoal, barcos adequados e, segundo Pereira, compromisso político. A Rebio do Arvoredo tem apenas um funcionário do Ibama – o próprio chefe da reserva. “Pra fiscalizar, cuidar de documentos, licenças, encher o tanque, lavar o barco, tirar fotos, pra tudo”, ironiza Pereira. A “sede” da Rebio fica em uma sala da Estação Ecológica Carijós, o que proporciona infra-estrutura básica. Pereira faz questão de mostrar os equipamentos do Ibama enferrujando no pátio da sede. Além de entulhos e alguns carros velhos, dois barcos que poderiam ser utilizados na fiscalização estão abandonados. Um deles já está condenado, o outro espera há mais de dois anos pela troca do motor. “O casco é dos melhores”, diz. O único barco disponível passou seis meses parado para trocar o óleo. Para completar, o portal da Rebio do Arvoredo na internet (www.arvoredo.org.br) está fora do ar, segundo Pereira, por falta de dinheiro.
Para implantar plenamente o plano de manejo, segundo o chefe da Rebio, seriam necessários R$ 1,5 milhão. Em 2005, o Ibama aprovou a liberação de R$ 50 mil. Para 2006, são esperados R$ 500 mil. “Mas a gente sabe que não vai vir”, diz Pereira. A assessoria do Ibama em Brasília não quis comentar oficialmente o assunto porque o responsável está em férias, mas revelou que R$1,5 milhão seria uma verba muito alta, e que é o Ibama libera “até onde dá”.
A Rebio do Arvoredo, junto com Atol das Rocas (RN) é uma das duas únicas unidades de conservação marinhas no Brasil, em nível federal, com o status de reserva biológica. Esta categoria é a mais restritiva dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Dentro dos limites da Rebio do Arvoredo, localizada a 11 km ao norte de Florianópolis, é proibida a pesca, a recreação ou o turismo. Essas atividades podem ser desenvolvidas na parte leste da Ilha do Arvoredo, entre a Ponta Sul e o Saco do Capim, zona de propriedade da Marinha e excluída dos limites da reserva.
A unidade protege espécies em extinção como o mero, um dos maiores peixes do mundo – chega a pesar 400 kg – além de espécies vegetais como a canela e a mata insular. De acordo com Pereira, existem espécies na Rebio do Arvoredo que ainda não foram descritas pela Ciência. A reserva foi criada em 1990 e, no próximo dia 12 de março, completará 15 anos sem ter muito para comemorar.
“Ainda há muita pesca predatória, tanto artesanal quanto subaquática”, diz Pereira. A fiscalização é feita em parceria com a Polícia Ambiental e a capitania dos Portos. A Rebio é formada por três ilhas (Ilha do Arvoredo, Galé e Ilha Deserta) e dois aglomerados rochosos chamados de Calhau de São Pedro. A zona de amortecimento da reserva compreende uma área total de 850 mil hectares, sendo 99,3% de área marinha e apenas 0,7% de área terrestre, correspondentes às ilhas do Amendoim, João da Cunha, do Francês, de Moleques do Norte, do Badejo, das Aranhas, do Xavier e do Campeche. A região do entorno da unidade corresponde a uma faixa de 50 km e abrange os municípios de Florianópolis, Governador Celso Ramos, Tijucas, Bombinhas, Porto Belo e Itapema.
Para administrar os recursos disponíveis, será preciso escolher os 80% do Plano de Manejo que não sairão do papel. Segundo Pereira, as prioridades são fiscalização e estudos científicos – já foram concluídas mais de 110 pesquisas na reserva. Atualmente estão em andamento estudos sobre o comportamento de peixes, hábitos das tartarugas, interações entre espécies, caracterização de habitats marinhos, reprodução das gaivotas e biodiversidade.
“Se conseguirmos por em ação 20% do todo, será muito, e a fiscalização é nossa maior necessidade”, diz.
Vão ficar de fora as atividades de educação ambiental, monitoramento e articulação com a sociedade. A execução parcial do plano de manejo, segundo o chefe da Rebio, trará prejuízos consideráveis ao meio ambiente.
Participação da sociedade pode ajudar a alavancar plano de manejo
Pereira aposta no envolvimento de ONGs, escolas, universidades e do setor governamental para mudar as previsões pessimistas em relação à reserva. “Se trouxerem bons projetos, estamos de braços abertos”, diz. A participação das entidades precisa acontecer logo – o plano de manejo tem vigência de cinco anos, quando deverá ser avaliado e refeito.
O plano atual foi aprovado pela Portaria do Ibama nº 81, de 10/09/2004. Foi desenvolvido pela empresa Socioambiental Consultores Associados, com colaboração da equipe da reserva e a supervisão da Diretoria de Ecossistemas (Direc) do Ibama. A parte financeira ficou a cargo da ONG Aprender (Ações para Preservação dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Econômico Racional), responsável pela gestão dos recursos, contatos institucionais, promoção e organização dos eventos.
A Aprender conta com o apoio da Petrobrás, do Ibama e do Fundo Nacional do Meio Ambiente, além das entidades internacionais The Environmental Law Alliance (E-Law) e do Global Greengrants Fund (GGF) e já tem um projeto – em fase de aprovação – para educação ambiental na Rebio. De acordo com o presidente da entidade, Rafael Goidanich, o projeto Barco Escola pretende organizar saídas de campo com mergulho durante o período letivo, a partir de março, para escolas da região de entorno da reserva. Durante o verão, o Barco-Escola vai atender ao ecoturismo. A expectativa é que, ainda em janeiro, escunas saiam de Canasvieiras para a reserva três vezes por semana. Contatos e informações podem ser obtidos através do e-mail: rafael@aprender.org.br.
A ONG também pretende inaugurar, ainda em janeiro, um centro temático sobre a Reserva Biológica Marinha do Arvoredo na sede da Aprender. Serão distribuídas cartilhas sobre a unidade e realizadas exposição fotográficas e palestras.
Outro projeto já em andamento é desenvolvido pela ONG Macaco Prego e financiado pelo Ibama. São realizadas atividades de educação ambiental e capacitação de lideranças entre os pescadores da comunidade de Santa Luzia, em governador Celso Ramos. O objetivo é fazer com que as comunidades do entorno da reserva tenham maior representatividade nas discussões do Conselho Consultivo da Rebio do Arvoredo.
Francis França – Ambiente Já, 10/01
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