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Tropicália 68, Zuenir Ventura

Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 29/05/08)
Noite de 31 de dezembro de 1968 – o Ano que não Terminou, segundo Zuenir Ventura.
Faltam ainda duas horas para o romper de 1969 e posso enxergar a Lua, sensualíssima, através da clarabóia do modesto hotel em que me hospedo, em Florianópolis mesmo. Tenho 20 anos e na caixinha de música da memória o som que invade o cubículo é o de Alegria, Alegria, o primeiro manifesto tropicalista de Caetano Veloso.
– Por entre fotos e nomes/ Os olhos cheios de cores,/ Sem lenço, sem documento – eu vou!
No alto, uma bandeirola concede alguma liberdade à retina do confinado – um céu estrelado. onde espocam os fogos do Réveillon. Lá fora, há uma nuvem de felicidade levitando, naquela alegria um pouco real, um pouco etílica, própria dos ritos de passagem. Os jovens se confraternizam, os namorados se beijam, a liberdade parece um bem coletivo – e não individual.
Quem está sozinho, está nu. E sente a dor da liberdade usurpada, compreendendo cada letra do verso de Cecília Meirelles:
– Liberdade, palavra que o sonho humano alimenta/ Que não há ninguém que explique/ E ninguém que não entenda…
Àquela hora da noite, todo mundo já deveria ter compensado a chamada “defasagem de Humphrey Bogart” e adiantado o relógio em pelo menos três doses.
Lá fora, o Réveillon promete. O problema é que não posso “ir lá fora”. Meu hotel é um quartinho do Corpo da Guarda da PM, Rua Nereu Ramos, com direito a uma janelinha para o pátio interno. Hospedagem grátis, gentileza do general Jaime Portella, chefe da Casa Militar do presidente Costa e Silva. Estou “enquadrado” nas leis draconianas da soit-disant “Redentora”, sem direito a habeas-corpus, tragado 18 dias antes pela sinistra garganta do ministro (não menos sinistro) Gaminha e Silva. O AI-5 era a lei dos fora-da-lei.
Solidariedade, se existia, pulsava apenas “in pectore”. A “Durindana” prendia e jogava a chave fora. Tempos de “serviço secreto”, CGI, caça às bruxas e aos “subversivos”. Tempos de obscurantismo e pusilanimidade em alta.
De repente, três toques na porta do cárcere, “código” repetido, talvez, por quem já tivesse assistido mais de uma vez a Fugindo do Inferno (The Great Escape), com Steve McQueen. As batidas são acompanhadas do característico som metálico que revira ferrolhos. Quem seria, àquela hora?
Surpresa: o oficial-de-dia abre a porta e produzem-se, mansamente, o esportista Hugo Stockler de Souza, coronel em trajes paisanos, e seu fiel escudeiro, o boêmio Tulinho Carpes – ambos em “missão misericordiosa”. Com toda a taxa de risco embutida na operação, o coronel providencia a “baldeação” de uma embalagem metálica de Johnny Walker, o cantil dos sedentos e dos desamparados, como era o caso.
O homem abriu o “scotch” de bolso, torceu-lhe o gargalo, como se fosse um peru líquido. Levou-o à boca, virando a cabeça , num gesto brusco e num sorvo estalado. Em seguida, estendeu-a ao preso:
– Tome aí, garoto! Feliz 1969!
Quando as visitas saíram, com a mesma e meteórica agilidade, o “interno” teve consciência de que aquele 1968 seria longo – e não terminaria tão cedo.
Evolavam-se pelo ar as últimas reminiscências das premonitórias canções de protesto, porejando da epiderme poética de Chico Buarque de Holanda. Quem te viu, Quem te vê e Roda-Viva são de 1967:
– Faz tempo que a gente cultiva/ A mais linda roseira que há/ Mas eis que chega a roda-viva/ E carrega a roseira pra lá….
Caetano Veloso inaugurava o símbolo sonoro de uma época de tropical febre criativa, o renascimento da “antropofagia” osvaldiana:
– Eu organizo o movimento/ Eu oriento o Carnaval/ Eu inauguro o monumento no Planalto Central do país/ Viva a bossa-sa-sa/ Viva a palhoça-çá-çá-çá…

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