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Aplicativo propõe passeio por focos de arte urbana em Florianópolis

Em julho de 2019, a inauguração do mural Cisne Negro, em homenagem ao poeta catarinense Cruz e Sousa, movimentou o Centro de Florianópolis: com cerca de 900 metros quadrados, a obra levou 30 dias para ficar pronta, e hoje decora o paredão do Edifício João Moritz, ao lado do Museu Histórico de Santa Catarina, na Praça XV de Novembro. Todo em preto e branco, o mural, assinado pelo artista Rodrigo Rizo, representa visualmente características marcantes dos escritos do poeta, precursor da poesia simbolista no Brasil.

Em agosto, outra pintura de grandes dimensões, em tributo a outro grande nome da história de Santa Catarina, passou a adornar mais um espaço no Centro da capital catarinense: o desenho homenageia Maria Antonieta de Barros, filha de escrava e órfã de pai que foi a primeira mulher, e negra, a ser eleita deputada estadual no Brasil. Com 32 metros de altura e nove de comprimento, o mural fica no Edifício Atlas, na esquina das ruas Tenente Silveira e Deodoro. Os artistas responsáveis pela obra foram Thiago Valdi, Monique Cavalcante (conhecida como Gugie) e Tuane Ferreira.

O que nem todo mundo sabe é que ambas as obras fazem parte do Street Art Tour, que desenvolve um trabalho de valorização e fomento da arte de rua em Florianópolis. O projeto é fruto da parceria entre o artista Rodrigo Rizo – que é bastante conhecido como autor dos camaleões coloridos espalhados por toda a ilha – e os produtores culturais Marina Tavares e Arturo Valle Junior, da Studio de Ideias. Uma das primeiras ações do projeto foi o lançamento de um aplicativo, disponível para iOS e Android, por meio do qual é possível mapear e seguir um roteiro para conhecer desenhos e pinturas espalhados pela cidade – que, desse ponto de vista, transforma-se em um enorme museu a céu aberto. E o melhor: com “entrada” gratuita.

— Em Florianópolis nós temos uma produção forte de arte urbana, uma produção expressiva, ainda mais considerando o tamanho da cidade, que nem é grande. Queríamos estudar e entender melhor de onde vem essa vocação local para a arte de rua — fala Marina Tavares, explicando como nasceu o Street Art Tour.

— Conversávamos muito sobre a evolução do grafiti no município, e sobre que tipo de relação a população tinha com essas obras. Essa relação já existia? Os moradores conheciam os artistas que executavam essas obras? Então começamos a pensar em formas de aproximar a arte urbana do público — completa Marina.

Uma das primeiras ideias foi uma grande exposição de arte urbana em algum museu da cidade, mas a opção logo foi descartada.

— Não queríamos uma coisa pontual, momentânea, em um espaço fechado, expositivo. Queríamos que as obras estivessem na rua, mas que ficasse claro para o público que elas são assinadas por artistas profissionais, às vezes artistas daqui, às vezes artistas de fora que só estiveram de passagem, mas deixaram seu registro. Queríamos que essa relação com o público surgisse de modo natural — explica Marina.

No mapa interativo do aplicativo, os desenhos estão marcados por pins que indicam suas localizações. Para conhecer detalhes do trabalho e de seus criadores, o usuário só precisa clicar no pin, para então acessar informações técnicas e conceituais. “Em um primeiro momento, nós fizemos a catalogação de 109 pinturas: sentamos com um grupo de artistas e dividimos a cidade em regiões onde havia mais obras de arte de rua, e registramos uma por uma”, conta Marina. “Em 2020, com o projeto consolidado, vamos trabalhar em melhoramentos do aplicativo, incluindo atualizações mensais para adicionar novas artes.” A meta é que os próprios artistas possam cadastrar seus trabalhos no aplicativo: feito o cadastro, uma equipe vai fazer o registro fotográfico e a catalogação das informações.

O aplicativo também funciona associado ao site do Street Art Tour, onde haverá informações e conteúdos multimídia relacionados ao universo da arte de rua no Brasil e no mundo; e se propõe a conectar curadores e artistas a pessoas que possam oferecer espaços para servir de tela para novas criações. Outra novidade prevista para 2020 é incluir no aplicativo áudios gravados por cada artista contando qual foi a inspiração para a criação de cada mural, ou por que escolheram cada espaço específico para sua realização: além de agregar informações, a disponibilização dos áudios também é uma importante ferramenta de acessibilidade.

Arturo Valle Junior destaca que todo o projeto, inclusive o aplicativo, só é possível a partir de esforços combinados entre artistas, poder público e iniciativa privada: o Street Art Tour é aprovado pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura, por meio da qual empresas podem usar seus impostos para apoiar o projeto. “Hoje temos quatro apoiadores, e por isso vamos conseguir tirar do papel ideias que não concretizamos no ano passado”, afirma Arturo. “Mas muitas empresas, e grande parte da própria população, ainda não sabem que essa ferramenta existe.”

Além de estimular que moradores e turistas interajam com a cidade e reconheçam suas manifestações artísticas, o aplicativo também funciona como um importante registro de uma forma de arte essencialmente efêmera, em constante transformação. “Enquanto uma obra está sendo criada, a outra está sendo pintada, ou destruída por uma demolição, bloqueada por uma construção…” Marina cita o caso de um beija-flor pintado por um artista estrangeiro em um prédio na rua Vidal Ramos, que foi removido depois que a construção passou por obras.

Ao longo deste ano, o Street Art Tour vai executar seis novos murais em média escala, e dois (possivelmente três) em grande escala – mas os idealizadores ainda não revelam quais serão os temas das novas artes, ou onde elas serão realizadas. O projeto também vai oferecer 24 datas gratuitas do roteiro de arte de rua do Guia Manezinho, parceiro da iniciativa que organiza passeios e walking tours por diversos locais de Florianópolis. “Pretendemos disponibilizar alguns desses roteiros para escolas da cidade, e também queremos que alguns dos artistas participem dos passeios”, diz Arturo. “Tanto artistas daqui, para falar sobre seu trabalho e suas obras; quanto artistas de fora, para falar sobre suas experiências e o cenário da arte de rua em suas próprias cidades.”

O primeiro roteiro em parceria entre o Street Art Tour e o Guia Manezinho foi realizado durante o Floripa Conecta, em agosto de 2019, e contou com a presença do próprio Rodrigo Rizo. Os produtores culturais brincam que, no dia do passeio, o artista estava “todo galã”: “Todo mundo queria tirar foto com ele”, ri Marina. “Muita gente reconhece os camaleões do Rizo, mas não sabe quem é o autor, ou não conhece todo o trabalho artístico dele, desde o autoral até o comercial. O projeto faz essa ponte: aproxima o público não só das artes, mas também dos artistas.”

(NSC, 11/01/2020)

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