Enquanto a pesca industrial segue com problemas nas liberações de licenças e demissões, tudo se encaminha para uma safra recorde de tainha artesanal em 2016 no litoral catarinense: até agora já foram capturadas 2,3 mil toneladas do peixe, e o período de pesca ainda não acabou. Os fatores climáticos, como o frio que chegou com tudo e o vento leste, foram essenciais. Só que as belas imagens da abundância dos lanços nas praias escondem uma situação preocupante. Desde 2001 existem indicadores que a população de tainha vem diminuindo no litoral sul do Brasil.
Quem afirma é o oceanógrafo Paulo Ricardo Schwingel, pesquisador do Grupo de Estudos Pesqueiros (GEP) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali). A pesca da tainha é muito mais delicada, pois se dá justamente durante o período de reprodução. Há mais de uma década que a tainha capturada pela frota industrial de cerco é destinada à retirada de ovas, sendo que a carcaça do peixe é vendida no mercado interno. E os principais importadores das ovas são França, Grécia, Itália e Espanha e Taiwan. A queda nos lucros da sardinha também motivaram uma busca maioria pela tainha.
Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG) na Lagoa dos Patos, onde o animal se desenvolve, mostra que não está havendo um equilíbrio entre a remoção dos cardumes da natureza e a capacidade de regeneração da espécie.
De acordo com a Receita Federal (dados obtidos através do extinto Ministério de Pesca e Aquicultura), as exportações de ovas e moelas de tainha de 2007 a 2013 tiveram uma queda acentuada, passando de 600 t para 180 t anuais. A redução da população de juvenis na Lagoa dos Patos, junto a outros argumentos, levaram à classificação da espécie, conforme os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza, na categoria de “quase ameaçada”.
No final da década de 1990, os governos gaúcho e Federal passaram a incentivar, no Porto do Rio Grande, obras de prolongamento dos molhes visando a movimentação de navios maiores e a instalação do polo naval. De acordo com o estudo, obras como estas reduzem a extensão e a permanência de águas salobras no complexo lagunar. Isso dificulta as larvas de tainha entrarem no estuário da Lagoa dos Patos para se desenvolverem. A consequência direta é o uso cada vez menor do estuário pelos peixes e a queda na captura da pesca.
— E a tendência é esse processo continuar. Se não houver um ordenamento da pesca, nós podemos levar, ao longo dos anos, a um colapso da pescaria. Obviamente que isso não acontece de um ano para o outro, mas ao longo de gerações. A tainha vive cinco anos na Lagoa dos Patos, depois vai para o mar desovar. Então, de duas ou a três gerações, ou seja, 10 a 15 anos, já podemos ter um resultado bem nocivo — alerta o doutor Schwingel.
O colapso a que o professor se refere está associado a dois fatores. O primeiro é o econômico, quando os rendimentos não compensam os custos da atividade pesqueira. O segundo é a sustentabilidade biológica. É quando a população da espécie não tem mais condições de se reestruturar. Caso isso aconteça, a única saída seria a moratória da pesca, que é a proibição total de pescar essa espécie.
Para que não seja necessária uma medida tão extrema como essa, existem algumas soluções possíveis, como períodos maiores de defeso, áreas de proteção, estipular cotas para embarcações e a criação em cativeiro, aquicultura. O professor explica que, no caso da pesca industrial, é mais fácil para o governo atuar. É o que está acontecendo. Na terça-feira (14), o Ministério da Agricultura liberou somente três embarcações catarinenses para fazer a pesca industrial. Mais de 40 tiveram o pedido negado. O motivo: pescar em área proibida.
Em Santa Catarina, a captura industrial só pode ocorrer a partir de 5 milhas da costa. A artesanal ocupa desde a praia até três milhas mar adentro. Com isto, os cardumes têm um corredor de proteção, por onde deveriam passar ilesos. As limitações foram impostas após um acordo com o Ministério Público Federal, numa tentativa de proteger a espécie.
Armadores de Itajaí, principal polo pesqueiro industrial do Estado, negam terem pescado em local proibido. O problema é que essas negativas levaram uma crise ao setor neste ano. O sindicato dos trabalhadores ainda não tem números oficiais, mas desde o início da semana os armadores estão dispensando tripulação. Pelo menos oito dos 50 empresários que atuam no cerco decidiram demitir.
Já o segmento da pesca artesanal tem uma fiscalização mais difícil. Os pescadores artesanais não tem controle de satélite em suas canoas, por exemplo. E a pesquisa é fraca. O presidente da Federação dos Pescadores Artesanais de SC, Ivo Silva, contesta os dados revelados pelo Grupo de Estudos Pesqueiros da Univali.
— Na pesca artesanal nunca teve pesquisa, eles não fazem coleta de dados, a Federação que faz sozinha. E aí tomam medidas aleatoriamente. Nós queremos ser convidados para participar dessas pesquisas — reivindica o representante dos pescadores.
Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente tentam gestão conjunta
Os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente (MMA) prometem fortalecer a parceira para a gestão dos recursos pesqueiros. A pasta do Meio Ambiente admite falta de pesquisas na área. De acordo com o secretário interino de Biodiversidade e Florestas do MMA, Ugo Vercillo, o comitê criado vai se reunir novamente em agosto para aprofundar o debate sobre o Plano de Gestão da Tainha e as medidas de ordenamento para a safra de 2017. Qual a quantidade que poderá ser pescada, em que áreas e o número de embarcações aptas a capturar tainhas. Ugo sabe que o próprio Plano aponta a redução dos cardumes juvenis da espécie.
— Nesse cenário, a perspectiva é que tenhamos safras cada vez menores no futuro — admite.
Cultivo: a tainha o ano inteiro
Uma das melhores saídas para esse possível colapso seria o cultivo em cativeiro. Na Ásia, as tainhas têm sido cultivadas há mais de 400 anos. Trata-se de uma espécie que se alimenta principalmente de microrganismos, tolera várias temperaturas e pode ser cultivada em água do mar, salobra ou doce. Além disso tem um rápido crescimento e poucas doenças relacionadas.
Aqui em Santa Catarina, o gerente do Cedap, o Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca da Epagri, Fabiano Muller Silva, explica que o órgão tem se voltado na busca do cultivo.
— O nosso foco tem sido no suporte em projetos assistenciais e na aquicultura. É uma maneira de diminuir o esforço de pesca. A ideia é de que o peixe possa ser cultivado e vendido o ano todo. Ainda precisamos de pelo menos mais três anos em estudos para poder disponibilizar essa tecnologia aos aquiculturores — estima.
Na Barra da Lagoa, iniciou em 2014 um projeto da UFSC em parceria com a Epagri para a criação de peixes como tainha e robalo em cativeiro. O objetivo é transformar o peixe numa alternativa aos viveiros de camarão desativados no Sul do Estado a partir de 2005, após infestação com o vírus mancha-branca. Essa doença não ataca as tainhas, que poderiam facilmente ocupar os cerca de mil hectares de área alagada que estão ociosos.
Ano passado, foram cerca de 50 mil tainhas cultivadas nos tanques do laboratório. No entanto, os proprietários dessas fazendas ociosas acabaram não adquirindo os peixes, que foram para uma fazenda marinha no norte do Estado, e também para o Rio Grande do Norte. Conforme o professor Vinícius Cerqueira, coordenador do Laboratório de Psicultura Marinha da Universidade, esse ano, devido à extinção do Ministério da Pesca, os recursos prometidos para o projeto não vieram. Por isso hoje sobraram apenas 500 peixes lá, com único objetivo de pesquisa.
— Basta investimento para que, em pouco tempo, a atividade seja economicamente viável em toda Santa Catarina a um custo baixo para o consumidor — acredita. Seria tainha na mesa do catarinense de janeiro a dezembro.
(DC, 18/06//2016)
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