Tão grandioso quanto o sonho de um dia, quiçá, poder cruzar as baías pela ponte Hercílio Luz — motorizado, de bicicleta ou a pé —, é a engenharia que vem sendo aplicada para se concluir as obras de restauração do monumento inaugurado em 1926. Na prática, os engenheiros prometem praticamente reconstruir a ligação, mas bem diferente de quando David Bernard Steinman finalizou e entregou o projeto ao ex-governador que dá nome à ponte.
E todo esse processo começa na prática em outubro, quando a estrutura metálica que é edificada sob a ponte vai suspender o vão central, permitindo enfim que a obra de restauro efetivamente aconteça. “Aí é que a ponte começará a ser reconstruída. O que estamos fazendo agora é preparando a estrutura para deixar ela segura e sem riscos”, explica o engenheiro fiscal da obra Wenceslau Diotallevy. Esta será a primeira vez que poderão ser feitas obras no vão central da ponte, que desde 1982 está interditada com o risco de que alguma das 360 barras de olhais se rompa.
Nos anos 1920, o número de operários no canteiro de obras era bem maior. A maioria das máquinas era tocada a vapor e os riscos eram infinitamente maiores que atualmente. Como ainda não existia nenhuma ligação — diferente de hoje — foram os próprios operários a serem os primeiros a fazer a travessia até a Ilha sem ser pelo mar. “Hoje, poderemos fazer a manutenção do vão central com os guindastes sobre a própria ponte, o que era impossível naquele tempo. Temos a tecnologia a nosso favor, mas os desafios de concluir essa obra são tão grandes quanto a própria construção dela”, afirma Wenceslau.
Criatividade na construção
Sem a tecnologia que existe hoje, os engenheiros da época abusavam da criatividade para concluir a estrutura de 821,005 metros de comprimento. Atravessar as barras de olhais que sustentam o vão central, por exemplo, foi semelhante a uma operação de guerra, lembrou o engenheiro Wenceslau Diotallevy.
“Primeiro eles passaram um cabo de fora a fora, depois foram levando cada uma das barras”, explica. Vale lembrar que cada uma dessas barras pesa em média 2,5 toneladas, medindo meio metro de largura e 13 metros de comprimento, com cinco centímetros de espessura.
Mas algumas coisas simplesmente não mudam. “Com chuva não tem como fazer solda”, conta o engenheiro. Nesses dias, o canteiro de obras fica praticamente vazio, e não existe inovação que acelere os trabalhos. No entanto, hoje em dia toda a solda passa pela inspeção visual, de líquido penetrante e ultrassom, o que dará maior garantia ao trabalho feito.
Até mesmo a escolha das barras de olhais que dão certo charme à obra não foram tão arbitrárias assim como pode se pensar. O uso de tal tecnologia levava em conta o custo de material, numa época que precedeu a quebra da Bolsa de Nova York, em detrimento dos usuais cabos de aço. A escolha, que economizou recursos, acarretou em mais trabalho pesado aos operários.
Manobra delicada
Quando foi inaugurada, em 13 de maio de 1926, além de caminho, a Hercílio Luz abriu tantos outros horizontes para Florianópolis. O primeiro problema resolvido foi justamente o de mobilidade urbana, que permitiu a travessia por carros e não somente por barcos. Depois veio a consagração como Capital do Estado e a transformação em destino turístico.
A partir de outubro deste ano, quando 54 macacos hidráulicos vão transferir as 4.400 toneladas da ponte para a estrutura metálica que avança rumo ao vão central, as expectativas de ver a ponte servindo a cidade estarão mais próximas da realidade. Nessa etapa, toda a tensão-força será afrouxada, manobra considerada delicadíssima, segundo os engenheiros.
O uso que a ponte virá a ter para cidade ainda é indefinido. Absorver, por exemplo, 45 mil carros — capacidade que tinha quando foi interditada em 1982—, ou servir de via exclusiva para ônibus, metrôs de superfície, ter ciclovias ou até ser exclusiva para pedestres, são apenas algumas das possibilidades.
Quando as peças de reposição ganhar seus novos lugares e a prefeitura deixar pronta as obras do entorno, a Hercílio Luz mais uma vez surgirá no horizonte com inúmeras novas possibilidades para a cidade — turismo, lazer, patrimônio histórico, etc. A primeira delas, coincidentemente, é a mobilidade.
(Notícias do Dia Online, 11/06/2014)
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