A ponte Hercílio Luz completa hoje 88 anos de existência e de muitas histórias em Florianópolis. A ponte, que se transformou no cartão-postal da capital catarinense, começou a ser construída em 14 de novembro de 1922 e foi inaugurada no dia 13 de maio de 1926. Está interditada desde julho de 1991. A promessa de reabertura é para dezembro deste ano.
Uma das histórias mais curiosas e comentadas apenas pelos moradores da época é a do navio Unidos. A embarcação afundou misteriosamente, ancorado no trapiche, numa manhã de verão de 1962.
O ex-vereador Flávio Vieira, 67 anos, lembra como se fosse hoje o dia em que o Unidos carregado de latas de banha, farinha e madeira começou a adernar. “Levou uns 30 minutos até ficar totalmente submerso”, afirma.
Centenas de pessoas correram espantadas para o vão central da ponte, de onde viam o navio afundar. Até hoje, o ex-vereador questiona porque o comandante deixou a embarcação, amarrada no trapiche, ir a pique. Vieira conta que jovens mergulhavam para pegar farinha e madeira. “Quem tinha canoa tirou proveito da situação”, lembra.
Hoje, o Unidos continua no mesmo lugar, servindo como cama de meros no profundo canal onde a ponte foi construída, a 40 metros ao leste. Às vezes, pescadores se surpreendem com objetos que pertenciam à tripulação.
Sandro Carvalho, 40, ainda guarda no rancho um brasão em forma de “S”, que veio enrolado na rede. Ele disse que tacho, aguidal e outros apetrechos “pescados” do navio foram entregues aos museus da cidade.
Norte-americanos diziam que ponte ligaria o nada ao nada
Os avós de Flávio Vieira contavam a ele que os engenheiros norte-americanos, Robinson e Steinmann, autores do projeto de construção da ponte, diziam que estavam ligando nada ao nada. O progresso ainda não havia chegado em Florianópolis, que naquela época tinha 40 mil habitantes.
Vieira vivia no trapiche. Ele mergulhava e ajudava na manutenção da Hercílio Luz. Ele recorda que subia nas colunas e ajudava Heriberto, um dos funcionários que cuidavam da ponte, a trocar as lâmpadas. Na cabeceira insular, havia um barracão onde eram guardadas máquinas e equipamentos da manutenção. “Lembro de uma máquina que trabalhava o dia inteiro trocando os ribetes. Os usados, a gente vendia no ferro-velho do seu Bentinho”, conta.
Entre os fatos curiosos, Vieira conta que de 50 em 50 metros havia toneis de água na passarela de pedestres para pagar focos de incêndio provocado pelos pipoqueiros. “Eles faziam pipoca em casa e traziam brasas nos carrinhos para ela chegar quentinha no Centro. Às vezes caía brasa nos dormentes pintados a óleo cru e pegava fogo. Eu era um dos garotos que corria nos toneis e jogava água nos focos de incêndio até os bombeiros chegarem”, diz.
Fechada definitivamente em 1991
Por medidas de segurança, a ponte Hercílio Luz foi fechada em 1982. Após alguns reparos, ela foi reaberta seis anos depois, mas apenas para carroças, bicicletas, motocicletas e pedestres. No dia 4 de julho de 1991 a ponte foi fechada definitivamente, e tombada como patrimônio histórico e artístico.
A ponte foi construída no governo Hercílio Luz, com empréstimo equivalente a dois orçamentos anuais do Estado de Santa Catarina. Todo o material para a construção da primeira ligação Ilha-Continente foi trazido dos Estados Unidos. O pagamento dos empréstimos, feitos junto a bancos norte-americanos, só foi concluído em 1978, mais de 50 anos após a inauguração da ponte.
Desde o início, o processo de financiamento foi complicado. O primeiro banco que havia emprestado 20 mil contos de réis ao governo catarinense faliu. Assim, um novo empréstimo teve que ser obtido, atrasando as obras. Além disso, uma manobra dos banqueiros norte-americanos fez com que o Estado se responsabilizasse por dívidas da instituição falida. Ao final, o custo atingiu 14 milhões 478 mil 107 contos e 479 réis – praticamente o dobro do orçamento do Estado da época.
Obra está 33% concluída
No dia do aniversário, a ponte Hercílio Luz se aproxima de uma fase decisiva das obras de restauração que prometem devolver è ela função pela qual foi planejada: servir como ligação entre Ilha e Continente. É pensando no futuro que 80 operários de diversas partes do Brasil ajudam a recuperar a histórica ponte.
Complexa, a obra está orçada em R$ 200 milhões, de acordo com o Deinfra (Departamento Estadual de Infraestrutura), e é um desafio de engenharia. “É desafiador recuperar uma estrutura de 88 anos, mas a obra está no ritmo. Claro que com algumas dificuldades em relação a empresas terceirizadas que prestam serviços na obra. Porém, tudo dentro da normalidade”, avalia o superintendente do Deinfra, Paulo Meller.
A partir de setembro a população perceberá mais claramente o avanço da restauração, segundo o consórcio Florianópolis Monumento (CSA Group e Espaço Aberto), responsável pelas obras. É quando começará a ser feita a transferência de carga da estrutura de sustentação provisória para o vão central da ponte, explica Gleison Lemos, engenheiro da Espaço Aberto e coordenador da obra.
Delicada, a operação levará de dez a 15 dias, com 54 macacos hidráulicos controlados por computadores que erguerão 4.400 toneladas da estrutura metálica que ajudará a estabilizar a ponte Hercílio Luz. Isso permitirá o início da restauração de elementos estruturais como as barras metálicas que ficam na parte de baixo.
Hoje, afirma Lemos, a obra está com 33% de sua execução concluída. Isso, alerta, não quer dizer pouco, pois trabalhos paralelos à estabilização são realizados para que quando comece o restauro efetivo outras partes já estejam prontas. “A transferência de carga e a troca das barras de olhais são partes complexas da obra. Já concluímos o estaqueamento da ponte, agora estamos reforçando as bases e concluindo o quarto bloco de fundação, que fica do lado da avenida Beira-Mar Norte”, explica. (Leonardo Thomé)
Barras de olhal serão fundamentais para evitar colapso
Em outubro, os operários começarão a trabalhar no sistema de suspensão do vão pênsil da ponte. É ali que ficam as barras de olhal. O engenheiro Gleison Lemos conta que serão quatro sequências de barras de cada lado, totalizando 360 barras que pesam 800 toneladas.
Para exemplificar a importância das barras de olhal, Lemos lembra que quando a ponte foi fechada, o motivo principal foi o rompimento de uma barra de olhal. “Por isso as barras de olhal só podem ser trocadas depois que a estrutura for macaqueada, porque aliviará a tensão nas barras e permitirá a troca”, explica.
Sobre o cronograma para concluir a obra, que os engenheiros do consórcio e do governo do Estado indicavam como sendo dia 31 de dezembro de 2014, ambos os lados pedem cautela quanto à data. Lemos diz que o mais importante é trabalhar com segurança, seguindo o cronograma, mas também sem “querer atropelar etapas”. Ele afirma que após a troca das barras de olhal, ocorrerá a substituição das rótulas que estão na base das torres principais. “Você tem que trocar as barras de olhal, para depois trocar os aparelhos de apoio, que são as rótulas”, observa.
Para o superintendente do Deinfra, Paulo Meller, o cronograma da obra só está fechado até setembro, quando o trabalho chegar ao vão central. O restante, revela, depende de empresas terceirizadas que fornecerão peças e equipamentos para o serviço. “Não é hora de falar em prazos, até porque as partes mais complexas da obra ainda não começaram”, conclui.
88 ANOS DE HISTÓRIA
Da construção à restauração
1922 – Construção começa em 14 de novembro.
1924 – Morre o governador Hercílio Pedro da Luz em 20 de outubro, 12 dias depois de inaugurar simbolicamente uma réplica de madeira na praça 15 de Novembro.
1926 – A ponte é inaugurada no dia 13 de maio.
1967 – Desmorona a ponte Silver Bridge de Plesand, nos EUA, semelhante à Hercílio Luz; fato traz alerta aos catarinenses.
1982 – Foi descoberta uma trinca com cinco centímetros de abertura em um dos olhais das barras; travessia é interditada.
1988 – É reaberta somente ao tráfego de pedestres, bicicletas, motocicletas e veículos de tração animal.
1991 – É fechada novamente por completo.
1995 – Uma vistoria do DER-SC (Departamento de Estradas de Rodagem) conclui que as barras de olhais “apresentam em seu estado atual, grau de instabilidade e possibilidade de causar a queda abrupta da ponte”.
2004 – Obras de restauração começam a ser feitas.
2011 – Em maio é realizado o 3º Seminário sobre a Recuperação da Ponte Hercílio Luz; em novembro, o governo do Estado solicita autorização para captação de recursos através da Lei Rouanet.
2012 – Em março é aprovada projeto para captação de recursos através da Lei Rouanet; previsão de conclusão da restauração em maio é frustrada; entrega da obra é adiada para 2014.
2013 – Início da fase mais “ousada” da restauração da ponte. Uma treliça de 22 toneladas que suspenderá o vão central começa a ser montada. Previsão da conclusão da obra é para dezembro de 2014.
2014 – Restauração é acelerada para o cumprimento do prazo de conclusão.
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