Falta de chuva e calor intenso combinados com recordes de consumo de energia. O resultado da equação foi desfavorável os reservatórios brasileiros, que estão abaixo de 40% da capacidade. Sem água, a única saída para manter o país funcionando é acionar as usinas termelétricas. A matriz energética mais poluente também é mais cara. No ano passado, a Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina) contabilizou R$ 570 milhões de gastos extras com esse tipo de energia. Especialistas apontam o clima como vilão, mas alertam que país precisa investir mais no setor para não passar por novos apagões, como o da semana passada.
Quando os reservatórios estão cheios, o Brasil chega a usar até 90% de energia proveniente de hidrelétricas. Em caso de pouca água, o governo opta por ligar as usinas térmicas. Movidas a óleo, gás ou até carvão, a matriz térmica custa até dez vezes mais do que a hídrica. Nesse caso, eles são forçados a comprar no mercado livre, onde a energia é tabelada de acordo com o PLD.
Desde o início do ano, várias regiões do país estão atingindo marcas históricas de demanda de energia. Santa Catarina teve número recorde minutos antes do apagão do dia 4 de fevereiro. Comparando janeiro deste ano com de 2013, o aumento de consumo chegou a 15% na região Sul. Para o presidente da Celesc, Cleverson Siewert, esse excesso custa muito dinheiro para a distribuidora. “Ainda não conseguimos contabilizar os gastos com energia térmica em janeiro, mas deve ter sido o maior da história, olhando para os dados de demanda. Por isso, calculamos que teremos que gastar mais de R$ 600 milhões com essa matriz energética”, disse.
Por decreto presidencial, o governo federal paga a diferença que as distribuidoras gastam com as térmicas na data anual de reajuste de cada uma. “A Celesc pode reajustar o valor da conta de energia apenas no dia 7 de agosto. Chamamos isso de ‘data aniversário’. No ano passado, recebemos o ressarcimento dos R$ 570 milhões gastos a mais. O governo retira esse dinheiro do Tesouro Nacional para que as distribuidoras não repassem para o consumidor”, explicou Siewert.
Mudanças para 2015
Essa proteção do governo vai durar apenas até o final deste ano. No dia 1º de janeiro de 2015, A Aneel vai implementar o sistema de bandeiras tarifárias, que vai repassar o valor gasto pelas distribuidoras já no mês seguinte ao gasto extra com energia tabelada pelo PLD. “Serão avisos que a agência vai enviar alertando sobre os reservatórios brasileiros. Se estiverem cheios, a bandeira será verde e todos poderão ter energia mais barata. Amarelo significa que a tarifa terá um aumento, porque parte virá de termelétricas. O vermelho é a situação que estamos hoje, com grande parte da energia vindo de térmicas. Nesse último caso, a conta de energia no mês seguinte virá com um determinado percentual de acréscimo”, explicou o presidente da Celesc.
O sistema de Bandeiras Tarifárias deveria ter começado este ano, mas no dia 17 de dezembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff (PT) resolveu adiar a mudança. Mesmo assim, a Aneel começou a mostrar as bandeiras referentes situação atual do sistema. Em janeiro, todas as regiões do país que estão no SIN (Sistema Interligado Nacional) receberam bandeira de cor amarela. Até o dia 7 de fevereiro, o país estava com bandeira vermelha. Por não fazerem parte do SIN, os estados do Amazonas, Amapá e Roraima não recebem qualificação do novo sistema.
O que é PLD?
O PLD (Preço de Liquidação das Diferenças) é o valor da energia no mercado de curto prazo. No caso das distribuidoras, isso acontece normalmente para pagar energia térmica quando a hídrica está faltando no mercado. Na semana passada, após o apagão, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), reguladora da tabela, estabeleceu o valor do MWh (megawatt-hora) por R$ 822,23 – maior cotação da história.
O tempo não ajuda, diz especialista
“Nos últimos três anos, choveu abaixo da média histórica em janeiro”, apontou Cristopher Vlavianos, presidente da comercializadora Comerc, de São Paulo e que tem escritório em Florianópolis. Ela avalia que a falta de investimento é o principal entrave para o crescimento no setor. “A nossa principal matriz é hídrica e corresponde a 75% da energia utilizada no Brasil. Se os reservatórios estiverem cheios, esse número passa para 90%. O problema é que ficamos dependentes do clima”, afirmou.
Apesar da energia ser mais cara, Vlavianos garante que não é errado ter mais termelétricas, mas faz uma advertência sobre o atual sistema. “Existem diferentes tipos de termelétricas, algumas funcionam até com carvão, então poluem mais e a energia é bem mais cara. O ONS (Operador Nacional de Energia Elétrica) vai dosando do menor para o maior valor a venda dessa matriz. Estamos perto do limite. Mas Investir em termelétricas mais econômicas também pode ser uma saída”, disse.
A localização geográfica e o grande número de ligações com diversas fontes de energia são citados como vantagens de Santa Catarina. Apesar do sistema ser interligado, o Estado possui mais alternativas. “Há um grande intercâmbio de Santa Catarina com reservatórios pequenos. A ligação com o Sudeste também é um fator positivo,pois pode importar do Sudeste toda a energia necessária para consumo. Essa interligação chegou em um patamar que talvez o submercado Sul seja unido com o submercado Sudeste/Centro-Oeste em alguns anos”, apostou Vlavianos.
As empresas comercializadoras agenciam compradores livres no mercado energético. O preço alto não é uma vantagem para quem trabalha no ramo, segundo Vlavianos. “É melhor ganhar pouco com vários clientes do que muito com poucos clientes. O risco é maior nesse último caso. Além disso, a probabilidade de inadimplência também é alta. E se o preço é alto, é mais seguro investir no mercado cativo”, explicou.
Consumidor Cativo: consumidor que adquire energia de concessionária ou permissionária cuja rede esteja conectada segundo tarifas regulamentadas.
Exemplo: Distribuidoras de energia, como a Celesc.
Consumidor Livre: consumidor que pode optar pela compra de energia elétrica junto a qualquer fornecedor, incluindo comercializadores, conforme legislação e regulamento específicos.
Exemplo: Indústrias e distribuidoras, de forma involuntária, quando falta energia hídrica.
De onde vem a energia catarinense?
A energia que permite o catarinense ligar um eletrodoméstico em casa vem de várias regiões do país. Os contratos firmados pela Celesc abrangem desde a obtenção de energia através da hidrelétrica de Itaipu, até termelétricas no Nordeste do país. Parte da demanda do Estado ainda é atendida pela usina nuclear de Angra, além de fontes renováveis de energia. “Procuramos diversificar bastante as nossas matrizes energéticas. No nosso planejamento, conseguimos ofertar mais energia do que a demanda, mas estamos em um sistema interligado, então não depende apenas de Santa Catarina”, disse Cleverson Siewert.
No ano passado, a Celesc gastou R$ 4,5 bilhões em contratos e compras no mercado livre. No apagão, a distribuidora teve prejuízo de R$ 150mil. Em uma hora e quarenta minutos de interrupção no sistema, cerca de 315 mil unidades consumidoras ficaram sem energia em 116 municípios catarinenses. O ONS divulgou que 13 estados brasileiros foram prejudicados pelo blecaute.
(Notícias do Dia, 10/02/2014)
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