Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 25/07/2008)
Houve época em que o maior problema do prefeito de Florianópolis era pagar a folha e recolher o lixo. Até 1975, a Prefeitura pagava seu funcionalismo em guichês do velho prédio da Praça XV. Em dinheiro vivo.
O trânsito era “sonolento”. Todo ilhéu considerava a rua uma extensão da sua casa. Há 20 anos, ainda era possível “sair de casa cinco minutos antes da hora”. Tudo ficava “ali” – e para chegar bastava sair alguns minutinhos antes. As ruas, algumas ainda de paralelepípedos, estendiam seus imaginários tapetes para um trânsito frouxo e tranqüilo, sem qualquer dose de aflição.
Depois de ter vivido a maior metamorfose já experimentada por uma cidade no século 20 – algo só comparável com a chinesa Shangai – o ilhéu sai de casa perplexo – e já atrasado. Roda irritado, como se fosse um forasteiro em sua própria casa. Chegar em tempo requer, agora, pelo menos uma hora extra, dedicada aos labirintos do trânsito e ao seu habitual mau humor.
Trânsito caótico. Segurança em processo de descontrole. O novo aeroporto internacional em “banho-maria”. Os acessos a esse equipamento tão vital – 33 mil metros quadrados contra os atuais 8 mil; 940 mil passageiros/ano no atual “casebre”, contra os projetados 2,7 milhões – estão esquecidos pelo governo do Estado, Prefeitura e Câmara Municipal.
O transporte marítimo inexiste até no “papel”. Projetos de terminais, trapiches, conexões entre os modais por terra e mar – enfim, aquele novo olhar alternativo sobre o “nó górdio” que se instalou na cidade. Nada disso se ouviu no debate entre os candidatos a governar Floripa. O novo aeroporto e seus acessos, com a verdadeira conclusão da “Expressa Sul”, sequer foram mencionados.
O quebra-cabeças do trânsito é apenas um ingrediente a mais no crescente mau humor que a obrigação de “sair de casa” acarreta. Os engarrafamentos do século 21 vieram para ficar, a razão de 1,8 mil novos veículos a engordar mensalmente esse desvairado carrossel: 21, 6 mil por ano, 108 mil em cinco anos – isto se o crescimento for vegetativo. E ser for geométrico? Chegaria, fácil, aos 250 mil novos veículos.
Olho esse incontrolável “fermento urbano” com um travo de apreensão. Será que os candidatos à Prefeitura pensam nessa inquietante realidade? Haverá na administração municipal assessorias capazes de projetar o futuro médio, para daqui a 10, 15 anos? Ou prevalece a provinciana visão do político interessado em capturar uns votinhos para a próxima eleição, inaugurando um “gabinete odontológico” aqui, uma “creche” ali, um posto de saúde mais adiante?
Todos esses equipamentos são necessários, sem dúvida, mas haverá alguém pensando a cidade para os anos que virão, carregados de armadilhas e labirintos?
Os que receberão mandato do povo precisam provar que estão acordados. Muitos ilhéus ainda pensam sua cidade como aquele “Presépio” visitado pelos Reis Magos.
Não é mais. Floripa mais se parece com a Nova York de Henry James, o escritor que a reencontrou depois de anos de auto-exílio em Londres, no início do século 20:
– Ruelas estreitas, sobre uma almofada cheia de alfinetes espetados…
Até quando os prefeitos desta cidade “não estarão nem aí” para o quesito Segurança?
Se pela Lei Orgânica dos Municípios e a Constituição Federal “Segurança” é missão privativa da União e dos Estados, celebrem-se, então, os novos pactos necessários, mediante Leis Complementares ou Emenda à Carta.
O que não se poderá, sob pena de deterioração insanável da segurança municipal, é fechar os olhos para o avanço do crime na Grande Florianópolis.
O prefeito não tem o direito de fingir que o tráfico e o Neném da Costeira não existem. Nem olhar, contemplativamente, o nó da Via Expressa Sul, achando que o problema é “estadual”…