A rua precisa ser vista como um espaço público e não como lugar dos automóveis para ser resolvido o problema da mobilidade brasileira, defende o arquiteto e urbanista Nazareno Affonso, coordenador nacional do Movimento Nacional pelo direito ao transporte público de qualidade (MDT).
O atual colapso das cidades, segundo Affonso, é uma conseqüência do modelo de desenvolvimento no setor de transportes aplicado no Brasil a partir do governo de Juscelino Kubitschek (JK), fortemente voltado para o uso individual do carro. “Copiamos o modelo dos Estados Unidos, que hoje tem apenas 3% de transporte público, dizendo com orgulho que cada cidadão teria um carro no futuro”, explica.
Affonso defende que o ponto de briga deve ser a propriedade da rua, que hoje ele prefere chamar de via do automóvel ao invés de via pública. “De quem é a rua? Se exigirmos isso, vamos começar a discussão”, afirma.
Segundo o urbanista, que foi secretário de transportes nas cidades de Santo André, Porto Alegre e Brasília, tudo começa pelos fortes subsídios dados pelo governo à indústria automobilística. “É o setor mais subsidiado da sociedade. Se fossemos cobrar todos os custos, o carro iria custar dez vezes mais”, ressalta.
Affonso lembra que, nos últimos oito anos, houve uma política deliberada de aumento do diesel paralela ao congelamento da gasolina. “E por que disso? Porque indiretamente ajuda a indústria automobilística”, afirma.
No dia 30 de abril, o ministério da fazenda anunciou a redução do valor da Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis, renunciando a um montante de R$ 2,5 bilhões a R$ 3 bilhões por ano. Segundo o ministro Guido Mantega, a medida foi tomada para evitar o aumento da gasolina ao consumidor final, já que a Petrobras aplicaria dois dias depois um reajuste às refinarias de 10% para a gasolina e 15% para o diesel.
“Isto é um subsídio indireto à Petrobras, pois o preço do álcool se aproximava da gasolina”, diz Affonso. Ele observa que, por serem empresas limitadas, as indústrias automobilísticas não são obrigadas a apresentar balanços e, por isso, a população não tem acesso ao total de lucros.
“Cidade da combustão”
Durante o governo de Fernando Collor, a câmara automobilística liberou a concorrência, o que fez os custos caírem 40%, segundo o urbanista, ao mesmo tempo em que a tecnologia foi melhorada. Houve um aumento muito grande nas vendas e culminou com as comemorações recentes, por parte da indústria, da produção de 50 milhões de automóveis em 50 anos no país.
Agora a meta é diferente: produzir 50 milhões em 15 anos. “Com a facilidade de compras hoje, quando é possível fazer o pagamento em 100 vezes, vocês conseguem imaginar nossas cidades nessa situação?”, pergunta à platéia reunida em 30 de junho na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para discutir os desafios do transporte em Florianópolis (SC), que está em processo de construção do Plano Diretor Participativo.
A política de mobilidade é uma incógnita para a população brasileira, que gerou cidades mais caras e insustentáveis, conclui Affonso. “Não temos que pensar em construir novas vias. Temos que usar a atual, tirar os carros e colocar corredores de ônibus. Isto é pensar em transporte sustentável”, defende.
Affonso lembra que, no Brasil, 39% das viagens nas regiões próximas aos metrôs são feitas a pé ou de bicicleta. “E quem se preocupa com este povo?”, questiona. Para atender de maneira igualitária a população e tentar resolver o problema do transporte urbano, o MDT propõe ações de ‘justiça social’, ‘justiça tributária’, investimentos e eficiência.
Algumas sugestões são o uso de bilhete único, um tratamento diferenciado dos encargos sociais para o transporte público (com a redução da tarifa em 5%), isenção do PIS e Cofins ou direcionamento deste dinheiro para o pagamento de gratuidades e descontos, liberação de financiamentos, melhoria no espaço viário com criação de faixas exclusivas, calçamentos, ciclovias e ciclofaixas, integração entre os diversos modos de transporte (ônibus, bicicleta, carros) e gestão integrada nos diferentes níveis de governo na gestão metropolitana.
(Paula Scheidt, Carbono Brasil, 01/07/08)
1 Comentário
Acredito que o modelo de cidades brasileiro, com predios cada vez maiores e as pessoas morando amontoadas em funcao da falta de seguranca, aliados a poucos espacos de estacionamento e falta de metro ou transporte publico que nao ocupe as vias disponiveis eh que cria os problemas de transporte. Os onibus estao sempre superlotados, quem quer encarar?O Brasil tem os automoveis e gasolina mais caros do mundo,apenas uma parcela da populacao tem acesso.Um plano diretor planejado e bem feito evitaria o inchaco das cidades, bem como uma politica de manutencao do homem no campo e interior.Deveriam haver mais polos industriais e comerciais fora dos grandes centros. Alias, nao deveriam nem haver grandes centros.Nao ha planejamento urbano no Brasil, e isso se reflete na degradacao da qualidade de vida.