Memorial do maior poeta simbolista brasileiro está interditado, porque ameaça ruir. O que era para ser um espaço cultural da cidade transformou-se em uma briga judicial. Quem perde é o povo e a cultura catarinense
O maior poeta catarinense, João da Cruz e Sousa, morreu vítima de tuberculose, em 1898. Na época, morava em Minas Gerais, onde acreditava que poderia encontrar a cura para a doença. Seu corpo foi levado para o Rio de Janeiro, em um trem de carga. Lá, foi sepultado no Cemitério São Francisco Xavier, perto de outros familiares, num bonito jazigo, digno do homem que havia se tornado o mais importante poeta simbolista brasileiro. Em 2007, porém, os restos mortais do poeta viajariam novamente.
Santa Catarina desejava homenagear seu maior expoente da área cultural, e todos concordavam que era aqui, onde ele nasceu e começou sua vida literária, que Cruz e Sousa deveria descansar. O esquife chegou ao Palácio Cruz e Sousa (o nome é uma homenagem ao poeta), em Florianópolis, em um caminhão dos bombeiros, coberto com a bandeira de Santa Catarina. O pequeno baú ficou guardado no Museu Histórico, longe da vista de todos. A intenção do governo era inaugurar o Memorial Cruz e Sousa, nos jardins do Palácio, em 2008, aniversário de 110 anos do nascimento do poeta. Isso só aconteceu mais de dois anos depois, no dia 4 de maio de 2010.
A alegria durou pouco. Vários problemas começaram a aparecer na estrutura do memorial, como infiltrações e portas empenadas. Até que, dia 30 de maio de 2011, o engenheiro Paulo Roberto Gasparino da Silva, do Departamento Estadual de Infraestrutura (Deinfra), após vistoria técnica, concluiu que o prédio colocava em risco a vida dos visitantes. Baseado no laudo, o memorial foi interditado pelo governo do Estado e só será reaberto quando houver garantia de que todos os problemas estão resolvidos.
As madeiras do deque apodreceram, as grandes portas de vidro ameaçam desabar, e as infiltrações são um problema gravíssimo – embaixo, no subsolo, fica a subestação de energia elétrica, responsável pela iluminação dos jardins.
Os despojos do maior poeta catarinense estão lá, atrás de uma grande lápide de mármore branco, esquecido, longe dos olhos do público. O que era para ser um espaço cultural, com saraus, música, poesia e circulação de gente, é, hoje, a imagem do abandono e do descaso.
A obra
Poemas em Prosa
Tropos e Fantasias (1885) – em conjunto com Virgílio Várzea
Missal (1893)
Evocações (1898)
Outras Evocações (1961)
Dispersos (1961)
Poesia
Broquéis (1893)
Faróis (1900)
Últimos Sonetos (1905)
O Livro Derradeiro (1961)
(DC, 15/09/2012)
Escritores criticam desleixo
Os escritores catarinenses estão revoltados com o que chamam de “desleixo”. O escritor e poeta Luiz Carlos Amorim desabafa:
– Mais uma vez o governo promete, mas não cumpre, ou cumpre pela metade. Promete espaço onde se poderia realizar lançamentos de livros, sessões de autógrafos, homenagens ao poeta, saraus, exposições, mas não dá condições para isso. A cultura deve ser tratada com mais respeito, nossos valores culturais precisam ser reconhecidos e preservados.
O escritor e colunista do DC Sérgio da Costa Ramos escreveu uma crônica sobre o assunto. Disse ser “uma desonra à memória do poeta o esquecimento dos seus restos mortais num ‘quarto de despejo’, canteiro de obras abandonado nos fundos do Palácio que leva o seu venerável nome. Cruz e Sousa dorme num berço que mistura desleixo, incompetência e inércia – o coração do poeta relegado ao abandono de assoalhos apodrecidos, vidraças ameaçadas de desabamento, mato e escombros.”
O escritor Flávio José Cardoso, que costuma percorrer escolas para falar aos jovens sobre a importância da literatura, também se manifesta:
– Cruz e Sousa é simplesmente o nome mais importante não só do movimento literário brasileiro chamado de simbolismo, mas também da cultura catarinense. É um nome emblemático do nosso Estado, e tudo o que precisar fazer para homenageá-lo, deve ser feito.
A trajetória
-Em 1884, Cruz e Sousa foi nomeado pelo presidente da província de Santa Catarina, Dr. Francisco Luís da Gama Rosa, promotor de Laguna, função que não pode assumir, pois a nomeação fora impugnada pelos políticos locais. Publicou Tropos e Fantasias, em colaboração com Virgílio Várzea.
-Partiu para o Rio de Janeiro, em 1888, onde só ficou por oito meses, por não conseguir um trabalho que o sustentasse.
-Dois anos mais tarde, voltou para o Rio de Janeiro e passou a colaborar com as revistas Ilustrada e Novidades. No ano seguinte começou a publicar nos jornais Folha Popular e O Tempo, manifestos simbolistas.
-Publicou, em 1893, Missal (poemas em prosa) e Broquéis (poemas). Com essas obras, consagrou-se como o fundador do simbolismo brasileiro, por combinar o parnasianismo, o pessimismo, o materialismo à musicalidade simbolista.
Póstumamente, foram lançados seus livros Evocações (1898), Faróis (1900) e Últimos Sonetos (1905), em edições organizadas por Nestor Vítor.
(DC, 15/09/2012)
Governo garante reforma
O Memorial Cruz e Sousa ocupa uma área de 280 metros quadrados. Abriga a urna mortuária do poeta simbolista e, segundo o projeto original, deveria ter espaço de leitura, biblioteca de autores catarinenses e uma cafeteria. O orçamento da obra foi de R$ 264,1 mil, pago com verba do Funcultural. O presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Joceli de Souza, explica que desde o aparecimento dos primeiros problemas no memorial, o setor jurídico da FCC já notificou três vezes a empresa responsável pela obra (a Múltipla Engenharia e Consultoria Ltda., que faliu). O Estado exigia que fossem feitos os trabalhos de recuperação do espaço, pois o contrato firmado dava garantia de cinco anos pela obra.
– A empresa se recusou a fazer os reparos, afirmando que o Estado ainda deve uma quantia em dinheiro, de outros serviços eventuais. Mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. A construção do memorial foi paga – comenta Joceli.
O Diário Catarinense tentou contato com a Múltipla Engenharia, mas sem sucesso.
O engenheiro Paulo Roberto Gasparino da Silva, do Deinfra, foi o fiscal da obra durante a construção, e garante que o material utilizado pela construtora foi de boa qualidade, e que se as reformas necessárias tivessem sido feitas tão logo os problemas surgiram, a construção não estaria tão prejudicada.
Joceli de Souza e a diretora de preservação do patrimônio cultural da FCC, Andrea Dal Grando, garantem que as reformas no memorial serão feitas, com recursos do governo do Estado.
– Se esperamos pela Justiça, a recuperação vai demorar muito. Então, vamos fazer o que for preciso e depois cobrar judicialmente da empresa responsável – garante Joceli.
Está marcada para a próxima segunda-feira uma reunião entre os técnicos do Deinfra e da FCC, para decidir como será encaminhada a reforma. Não há, entretanto, uma data prevista para a reabertura do espaço.
(DC, 15/09/2012)
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