Por Sérgio da Costa Ramos (DC, 24/11/2011)
A cidade exibe, proporcionalmente, o segundo maior índice automóvel/habitante do Brasil: 1,4 . Falta pouco – talvez uns dois anos de boas vendas das 22 montadoras de veículos existentes no país – para que alcancemos o nó górdio do verdadeiro labirinto urbano.
Fossemos uma cidade com planejamento e a tal da “vontade política”, teríamos um rodoanel para retirar o trânsito “expresso” das vias de acesso citadino, corredores urbanos para o BRT, transporte marítimo de massa e pelo menos mais umas duas pontes e uns três túneis. Um ligando o centro à Universidade, “tatuzando” o Morro do Antão. Outro “furando” o Morro do Padre Doutor e ligando o Itacorubi à Lagoa da Conceição. E um terceiro, submarino, ao lado das pontes, como os túneis que ligam Kowloon a Hong Kong e Nova York a Nova Jersey.
Interessante: todo mundo quer ciclovias. Perfeito. Eu também quero. Quanto mais ciclovias, melhor. Mas para os ciclistas não serem “tragados” pelo trânsito perverso, o bicho-automóvel tem que ser domesticado.
Fossemos a Califórnia ou outro Estado do mundo rico, nosso prefeito talvez fosse Arnold Schwarzenegger, ou o Rudolph Giuliani, a bordo de um orçamento milionário, nada parecido com a lerdeza paquidérmica das administrações ilhoas, que passam em 33 rotações.
Se precisamos conviver com os automóveis, que já dão em árvore, precisamos de duas coisas. Limites. E ordenamento na ocupação do solo. “Com o inchamento da zona continental e a caotização da Ilha – diagnosticou o recentemente falecido arquiteto Luiz Felipe da Gama D’Eça – criou-se um grande desequilíbrio, que estimula os conflitos de uso e a desordem, ampliando o atrito urbano, hoje responsável pela deterioração do sistema viário”.
Ao invés da regulação de um Plano Diretor, o que vimos nos últimos anos foi uma “força-tarefa” na Câmara Municipal modificando zoneamentos e ampliando gabaritos de edifícios. Ou seja: chocando o verdadeiro “ovo da serpente” – que já se traduz num caos anunciado para muito breve. O que é que chega com a construção de um grande edifício em bairros já saturados? “Ele”, claro, o automóvel…
Esse “bicho” pode não ser um animal domesticável. Mas existe. Come, metaboliza, excreta, respira, move-se e reage a estímulos externos, governados por este homo-transitus, que nada tem de cordial.
O cientista-extravagante, Carl Sagan, que investigava a vida no Cosmos, assim registrou a incômoda, mas inexorável, presença do automóvel sobre a face da Terra:
– A julgar pelo imenso número de automóveis rodando sobre nosso planeta, e pelo modo como nossas cidades foram planejadas, sempre em benefício das rodas, poderíamos concluir que o automóvel não só é um “ser vivo”, como é a forma de vida predominante sobre a Terra.
Florianópolis parece estar vivendo o momento de uma grande encruzilhada. A hora de enfrentar o automóvel. Para isso, terá que planejar o transporte urbano de massa, túneis, vias expressas – e um plano urbano com força de lei.
Há os que desejam uma cidade disposta a enfrentar o automóvel e o comodismo. Há, também, aqueles agentes políticos que “não estão nem aí” – e que preferem tratar de outros interesses, aumentando os andares dos prédios.
Há, ainda, os loucos, que querem deixar tudo como está, acreditando, como Tiririca, “que pior do que está não fica”.
Fica. Será muito tarde quando o dono de um automóvel zero descobrir que não pode tirá-lo da garagem, porque não há um metro de rodovia para ser rodado.
Os engarrafamentos já chegaram à porta das garagens, mudando a história da roda.
Em Floripa, as rodas já estão nascendo quadradas.