Da coluna de Sérgio da Costa Ramos (DC, 01/03/2011)
Pode até não ser ecologicamente correto, mas o automóvel em Floripa já está dando em árvore.
A cidade exibe, proporcionalmente, o segundo maior índice automóvel/habitante do Brasil: 1,4 . Falta pouco – talvez uns dois anos de boas vendas das 14 montadoras de veículos existentes no país – para que alcancemos o nó górdio do verdadeiro labirinto urbano.
Fôssemos uma cidade da Califórnia, teríamos umas 25 marinas, transporte marítimo de massa e pelo menos mais uns três túneis. Um ligando o Centro à universidade, “tatuzando” o Morro do Antão. Outro “furando” o Morro do Padre Doutor e ligando o Itacorubi à Lagoa da Conceição. E um terceiro, submarino, ao lado das pontes, como os túneis que ligam Kowloon a Hong Kong e Nova York a Nova Jersey. Aqui, ligaria a Ilha ao Continente, exatamente no “Estreito”, para aproveitar o sistema viário a ser completado pela Beira-Mar Continental.
Mas aí, gente, nosso prefeito talvez fosse Arnold Schwarzenegger, ou o Rudolph Giuliani, a bordo de um orçamento milionário, nada parecido com a lerdeza paquidérmica das administrações ilhoas, que passam em 33 rotações.
Se precisamos conviver com os automóveis, que já dão em árvore, precisamos de duas coisas: Limites. E ordenamento na ocupação do solo. “Com o inchamento da zona continental e a caotização da Ilha – diagnosticou o arquiteto Luiz Felipe da Gama D’Eça –, criou-se um grande desequilíbrio, que estimula os conflitos de uso e a desordem, ampliando o atrito urbano, hoje responsável pela deterioração do sistema viário.”
Ao invés da regulação de um Plano Diretor, o que vimos nos últimos anos foi uma “força-tarefa” na Câmara Municipal modificando zoneamentos e ampliando gabaritos de edifícios. Ou seja: chocando o verdadeiro “ovo da serpente” – que se traduzirá no caos absoluto. O automóvel pode não ser um animal domesticável. Mas existe. Come, metaboliza, excreta, respira, move-se e reage a estímulos externos, governados por este homo-transitus, que nada tem de cordial.
O cientista-extravagante, Carl Sagan, que investigava a vida no Cosmos, assim registrou a incômoda, mas inexorável, presença do automóvel sobre a face da Terra:
– A julgar pelo imenso número de automóveis rodando sobre nosso planeta, e pelo modo como nossas cidades foram planejadas, sempre em benefício das rodas, poderíamos concluir que o automóvel não só é um “ser vivo”, como é a forma de vida predominante sobre a Terra.
Florianópolis parece estar vivendo o momento de uma grande encruzilhada. A hora de enfrentar o automóvel. Para isso, terá que planejar o transporte urbano de massa, com metrô de superfície, túneis, vias expressas – e um plano urbano com força de lei. De um lado, estão aqueles que são a favor do avanço tecnológico e econômico, dentro de rigorosos limites ambientais. Do outro, os “fundamentalistas”, que querem lançar a sociedade no medievalismo e no ascetismo pré-tecnológico. Ecoteocratas que pregam o retorno à pobreza pré-industrial, perspectiva que consideram uma bênção e não uma tragédia.
Há, ainda, uma terceira corrente: é a dos agentes políticos que “não estão nem aí” – e que preferem tratar de outros interesses, aumentando os andares dos prédios.
Que São Cristóvão – o santo padroeiro dos condutores – nos proteja desses labirintos que já estão enlouquecendo os motoristas da Ilha.