Em um manifesto lançado em maio sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) afirmou que “não é possível que continuem sendo construídos edifícios e infraestruturas urbanas sem considerar que o clima está mudando” e que é preciso “adequar normas técnicas de projeto e desenvolver soluções inovadoras viáveis” para garantir um futuro mais seguro. Mas, afinal, considerando os eventos climáticos extremos que serão cada vez mais frequentes, que tipo de construções são mais indicadas? Quais materiais podem ser opções sustentáveis? Quais são os principais desafios que as mudanças climáticas representam para a construção civil? Para abordar essas e mais questões, conversamos com três professores que atuam em cursos da área de Construção Civil do IFSC:
Normalmente, o projeto de uma construção é feito para ser adequado ao clima do local, assegurando o conforto de quem está no ambiente com o menor consumo de sistemas ativos – como o uso de ar-condicionado e iluminação artificial, por exemplo. A professora Ana Lígia destaca que quando uma edificação é projetada para um determinado clima e ele muda, as alterações no ambiente externo podem tornar o ambiente interno desagradável e, com isso, fazer com que seus ocupantes busquem sistemas ativos para garantir o conforto.
O comportamento térmico e o consumo energético de uma edificação podem ser estimados por simulação computacional, usando arquivos climáticos da região. “Um dos desafios atuais é não só avaliar computacionalmente se um projeto de uma edificação está adequado ao clima atual, mas também avaliar como adequar esta edificação usando um arquivo climático futuro, visto que uma edificação construída agora terá um tempo de uso de mais de 50 anos”, aponta a professora. “Existe então a necessidade de fazer análises de simulações termoenergéticas de edificações usando arquivos climáticos atuais e também resultantes da investigação e hipóteses das mudanças climáticas e, assim, tentar trabalhar com possibilidades construtivas que se adequem a esta variação climática”, complementa.
Desde 2013, o Brasil conta com a NBR 15.575, conhecida como a norma de Desempenho de Edificações Residenciais. “O aspecto interessante desta norma é que ela possibilita a utilização de materiais e sistemas construtivos diversos, desde que garantam os aspectos de habitabilidade, segurança e sustentabilidade da edificação quando em uso pelos seus ocupantes”, observa Ana Lígia.
No Brasil, evitar temperaturas elevadas no ambiente interno para prevenir desconforto por calor e sobreaquecimento é um grande desafio para as habitações, especialmente com o aumento previsto das ondas de calor e do efeito ilha de calor. Eventos climáticos extremos também apresentam riscos adicionais não só do ponto de vista térmico, uma vez que tempestades e enchentes afetam as estruturas e as manutenções das edificações. “Além de garantir o conforto térmico, que é a satisfação com o ambiente interno, há o desafio de evitar o estresse térmico, condições com risco à saúde causadas por exposições extremas ao frio ou calor”, explica o professor Rogério Versage.
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Quando se fala de estratégias para o futuro do conforto no ambiente construído, o termo “resiliência térmica” vem sendo muito adotado. Rogério explica que a resiliência térmica é a capacidade de um edifício de manter condições internas seguras e confortáveis considerando as mudanças climáticas e durante eventos climáticos extremos, mesmo em caso de falhas de energia. “Para enfrentar as previsões de clima futuro, o ideal é a escolha dos materiais de construção e estratégias de projeto que garantam a resiliência térmica das edificações”, ressalta o professor.
Um exemplo de estratégia bioclimática que pode ser usada nos projetos arquitetônicos para melhorar o conforto térmico e a eficiência energética das edificações é o posicionamento adequado das construções e seus ambientes em relação ao sol, uma vez que isso ajuda a controlar os ganhos de calor no verão. De acordo com Rogério, beirais, toldos e elementos de sombreamento devem ser previstos para o controle da radiação solar nos ambientes. O posicionamento e dimensionamento de janelas também deve potencializar a ventilação natural para o conforto térmico e garantir a proteção contra ventos fortes.
Além disso, os projetos devem ser flexíveis para permitir adaptações ao longo do tempo, como expansões ou reorganização dos espaços, atendendo às necessidades diversas de famílias e empresas. “Essa flexibilidade é essencial para a adaptação das edificações durante toda sua vida útil”, afirma o professor.
Para garantir o efeito de resiliência térmica, Rogério explica que são indicados materiais de alta inércia térmica (capazes de armazenar e liberar calor de forma controlada), de isolamento térmico (para minimizar as trocas de calor com o ambiente externo) e de baixa absorção térmica, como revestimentos claros e reflexivos. Um exemplo prático de material são os tijolos cerâmicos usados nas paredes e telhados com telhas em cores claras e isolamento térmico como mantas aluminizadas, lã de vidro ou isolantes de fibras naturais. “Devemos ainda considerar a sustentabilidade ambiental com o uso de materiais reciclados e madeira certificada para estruturas e acabamentos”, complementa.
Pensando em materiais mais sustentáveis, o ideal é escolher materiais locais. A professora Ana Lígia afirma ainda que a utilização da madeira auxilia na diminuição da emissão de carbono e as argamassas de cimento apresentam maior energia incorporada do que outros tipos de argamassas. “O primeiro passo ao se projetar uma edificação que seja mais sustentável é conhecer os aspectos referentes ao conforto do ser humano”, destaca.
“Quando falamos de eficiência energética nas edificações não estamos falando de economia de energia, mas sim em garantir o conforto dos ocupantes, mas com o menor consumo de energia”, aponta. Segundo ela, para se fazer uma edificação mais sustentável, além da eficiência energética e do conforto ambiental, é preciso considerar também outros aspectos como a garantia de segurança, a salubridade, o pagamento correto para a mão-de-obra envolvida no processo de construção, economia de água, minimização da produção de resíduos, uso de materiais menos impactantes ao meio ambiente, entre outros.
Uma opção de material que pode ser considerada neste cenário é a taipa de pilão. O sistema construtivo milenar, que consiste na construção de paredes por meio do apiloamento/compactação de camadas de terra crua em formas de madeira, vem sendo estudado e aprimorado por pesquisadores do Câmpus São Carlos do IFSC.
“A terra extraída in loco tem se tornado um excelente material construtivo, quando se pretende aliar conforto termoacústico com inovação para construções mais sustentáveis, saudáveis e acessíveis para seus moradores”, destaca o professor Anderson Renato Vobornik Wolenski, que atua na área de Estruturas e Tecnologias da Construção Civil e participou do grupo de trabalho que elaborou a Norma Técnica 17014/2022 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A norma define os requisitos, procedimentos e controle para edificações que usem a taipa de pilão e a perspectiva é que, com a normatização, a técnica passe a ser mais adotada na construção civil.
(Confira a matéria completa em IFSC, 30/07/2024)
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