Os casos de diarreia em Santa Catarina, registrados nas últimas três semanas em ao menos oito cidades, seguem sem causa identificada após cerca de 20 dias do primeiro registro de surto da doença no Estado. Em média, o prazo para a finalização de uma análise é de sete dias. No entanto, a demora ocorre porque as prefeituras enviam poucas amostras para análise, o que dificulta a agilidade dos resultados que podem apontar o que estaria motivando a situação, segundo a direção do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) — responsável por analisar e detectar a causa do aumento no número de casos. Apesar disso, a principal suspeita, ainda em pesquisa, é de que o surto da doença estaria sendo causado pela piora da balneabilidade das praias catarinenses e a falta de saneamento básico nos municípios, de acordo com o Lacen.
O laboratório recebeu, até terça-feira (17), 34 amostras de exames de todo o Estado, incluindo de municípios sem registro de surto da doença. De acordo com a farmacêutica e diretora atual do Lacen, Marlei Debiasi, a responsabilidade e urgência para descobrir a motivação do aumento no número de casos partem das prefeituras, que precisam colher exames dos infectados e enviar para o laboratório. Com poucas amostras, segundo ela, é difícil identificar a similaridade entre as coletas dos infectados e identificar as causas.
Florianópolis, que decretou epidemia no início de janeiro e já passa de 2,9 mil casos registrados da doença, enviou 10 amostras para o laboratório — quantidade que representa menos de um por cento dos pacientes identificados. Todo o litoral catarinense, que inclui as oito cidades em surto de diarreia — Florianópolis, Balneário Camboriú, Bombinhas, Navegantes, Penha, Balneário Piçarras, Porto Belo e Itapema — soma 20 amostragens coletadas.
— Logo depois do Natal, a gente recebia as notícias [dos casos de diarreia], mas as amostras não haviam sido recebidas ainda. O médico que atende o paciente notifica a vigilância sanitária do município, que deve orientar a coleta — explica.
As primeiras amostras que chegaram ao laboratório, entre os dias 7 e 9 de janeiro deste ano, foram da Ilha de SC, logo após uma reunião da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado e os municípios que registraram aumento no número de casos. A Capital encaminhou três exames ao Lacen após o encontro com autoridades, conforme o laboratório.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis informou que envia cerca de seis amostras por semana, número que segue orientações do Lacen. Para enviar mais do que isso, de acordo com a pasta, “só se houvesse investigação de algum surto específico”. O órgão informou, ainda, que está trabalhando em parceria com um laboratório privado, que analisa outras amostras dentro dos critérios epidemiológico indicados pelo Lacen. Mas não informou quantas amostras foram enviadas ao local.
Causas prováveis
Em média, a demora para a finalização de uma análise dura em torno de sete dias. No entanto, com a falta de amostras enviadas ao laboratório, o início da pesquisa sobre a causa do aumento da doença no Estado precisou ser adiado. Até o fim desta semana, segundo a Secretaria do Estado da Saúde, os primeiros resultados devem ser finalizados.
As investigações no Lacen acontecem em torno de dois vírus: Norovírus e Rotavírus, principais causadores da diarreia aguda, e doenças transmitidas através de alimentos e água. Além disso, o laboratório também investiga Hepatite A entre as motivações.
— Possivelmente tem relação com a balneabilidade, os rios deságuam no mar e, normalmente, essas águas têm esses vírus e bactérias. Quando chove, a chuva leva essa água para o mar e quanto mais chove, mais o mar fica comprometido. Para evitar que isso ocorra novamente, é preciso saneamento para que as fezes não sejam jogadas no rio — explica Marlei Debiasi
A principal suspeita do Lacen já era prevista, anteriormente, por especialistas que conversaram com o Diário Catarinense e afirmaram dois possíveis causadores: alimentos e água contaminados por microrganismos. Apesar de a diarreia ser comum nesta época do ano, a situação atual do Estado extrapola os dados anteriores registrados.
— Nesse período, a gente tem um aumento no número de turistas e ocorre uma piora natural na balneabilidade das praias. Aliado a isso, muitas vezes as pessoas acabam descuidando da procedência dos alimentos e compartilhando também itens pessoais, o que contribui para o aumento da disseminação da doença. A gente viu recentemente muitos desastres naturais. Em muitas ruas, os bueiros ficaram extravasando por muito tempo e toda aquela sujeira vai para rios, para o mar, e aí temos uma contaminação — explicaram.
Para que o resultado das causas, no entanto, seja concluído de fato, segundo a farmacêutica e diretora do Lacen, é necessário que haja a finalização das análises de coletas dos infectados e também da água.
Coleta de água
Para que a suspeita de que a relação da balneabilidade das praias catarinenses com o surto de diarreia nas cidades do Estado se comprove, o Lacen precisa fazer uma análise de amostras da água do mar e de rios. Por isso, o solicitou que as prefeituras coletem o insumo e enviem ao laboratório até o dia 31 de janeiro.
Todas as oito cidades em surto — Florianópolis, Balneário Camboriú, Bombinhas, Navegantes, Penha, Balneário Piçarras, Porto Belo e Itapema — devem enviar as amostras, que passarão por criteriosos processos de investigação, conforme explica a atual direção do Lacen.
Florianópolis, de acordo com a decisão da Secretaria de Saúde do Estado, deve enviar amostras que incluam o riozinho do Campeche, no Sul da Ilha, rio Papaquara, em Jurerê Internacional, e rio Capivari, no bairro Ingleses.
A primeira amostra foi enviada ao Lacen na segunda-feira (16) pela prefeitura de Piçarras. As orientações são de que os municípios coletem 10 litros de água do mar e 2 litros da água de rio, que são concentrados em processos químicos para análise. Neste caso, a investigação de cada amostra demora cerca de 16 horas.
— Essa ainda é a primeira escala que será feita. Até descobrir quais são as causas, vai se fazendo mais coletas — explica o Lacen.
Caso a motivação do surto de diarreia não seja confirmada em amostras de água, conforme o laboratório, a investigação será feita, em segundo momento, nos alimentos vendidos nas praias. Estes, que de acordo com a atual diretora, devem também ser coletados e enviados pelas prefeituras ao laboratório.
Etapas de investigação
Os sintomas do paciente definem, segundo o Lacen, o que será investigado naquela amostra — vírus ou bactéria. A partir disso, a forma de coleta do exame, ainda feito pela prefeitura, é definida: swab fecal, no caso de bactérias, ou in natura (coleta no pote) no caso da investigação de vírus.
— A gente costuma fazer triagem por sintomas, pacientes com diarreia que apresentam febre, por exemplo, têm mais chance de ser bacteriana. Já quem apresenta náuseas e vômitos, é provável que seja infecção viral — explica o bioquímico do laboratório de bacteriologia, Cleidson Valgas.
No caso de infecções por bactérias, o que é investigado no Lacen é salmonella e shigella. No entanto, nenhuma das amostras já analisadas pelo laboratório apresentaram ser patogênicas.
Quando chegam ao laboratório, as amostras são destinadas aos locais específicos para análise, onde os resultados são definidos.
O que dizem as prefeituras
Florianópolis: de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, cerca de seis amostras são enviadas ao Lacen semanalmente, o que teria sido uma combinação feita entre ambos os órgãos. Um número maior de coletas seria enviado ao laboratório, conforme a prefeitura, apenas de “houvesse investigação de algum surto específico” — definido pelo órgão como “uma empresa ou uma escola”, por exemplo. Situação que, segundo a pasta, não se enquadra em uma epidemia.
Balneário Camboriú: a prefeitura de Balneário Camboriú informou ao Diário Catarinense que 523 casos de diarreia foram registrados na cidade e três foram enviados ao Lacen. Um laboratório particular auxilia, segundo o órgão, na identificação das possíveis causas.
Bombinhas: duas coletas de fezes foram feitas e enviadas para o Lacen nas últimas semanas a fim de identificar possível bactéria, segundo a prefeitura. No entanto, muitos pacientes ainda se negam a realizar os exames mesmo com o pedido da prefeitura. Quando concordado pelo doente, conforme o órgão, as amostras são enviadas ao laboratório.
Navegantes: a prefeitura de Navegantes não retornou à reportagem sobre o envio das análises.
Penha: conforme o município, a Secretaria de Saúde teve problemas de “acondicionamento de algumas amostras coletadas nos primeiros dias” dos aumentos no número de casos. Apesar disso, a situação foi resolvida, segundo o órgão, e deve ser normalizada nos próximos dias.
Balneário Piçarras: a vigilância epidemiológica de Piçarras informou que houve pouca adesão dos pacientes na solicitação dos exames de coleta, apesar de todos serem orientados a realizar o procedimento.
Porto Belo: a prefeitura de Porto Belo não respondeu ao pedido do Diário Catarinense.
Itapema: a prefeitura informou em nota que as informações, dados e amostras sobre a situação na cidade são repassados a Central Regional de Saúde. A Diretoria de Vigilância Epidemiológica – responsável pela central – afirmou que todas as amostras recebidas são encaminhadas ao Lacen no prazo de 24 horas. Além disso, informou que tem recebido poucas amostras e estimulado, não só Itapema, mas todos os municípios litorâneos a coletarem mais para envio.
(NSC Total, 19/01/2023)
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