O Núcleo de Pesquisa e Extensão em Agroecologia da Fazenda Experimental da Ressacada (FER), vinculado ao Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), recebeu no início deste mês de agosto o Selo de Produto Orgânico para a criação de ovinos e cultivo de hortaliças (produção primária animal e vegetal). Coordenado pelas professoras Patrizia Ana Bricarello e Marilia Carla de Mello Gaia, do Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural, o setor é o primeiro da Universidade a possuir um selo de produção orgânica.
A certificação representa que o produto é saudável e livre de qualquer agrotóxico ou transgenia. É o reconhecimento de que os produtos (frutas, hortaliças, grãos e lã ovina) provenientes do local são produzidos de acordo com os padrões que asseguram a qualidade e idoneidade, segundo critérios e normas de conformidade preestabelecidos pela legislação vigente. Os produtos são cultivados respeitando o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores rurais envolvidos no processo (estudantes, professores, técnicos e voluntários).
A professora Patrizia Ana Bricarello ressalta que a importância da certificação para a Universidade, além da garantia da qualidade dos produtos e serviços aos consumidores, está na regulamentação e na formulação de novos processos e tecnologias de produção de grande importância para a manutenção de padrões éticos do movimento orgânico e agroecológico que permeiam a promoção da Saúde Única (saúde humana, animal e ambiental). “Este reconhecimento pode trazer novas oportunidades e experiências para os estudantes de graduação e pós-graduação da área de Ciências Agrárias e afins. Além disso, provavelmente a UFSC será a primeira Universidade brasileira a receber uma certificação orgânica em sua fazenda experimental”, afirma.
O objetivo do Núcleo é aprofundar as práticas biodinâmicas já realizadas para futuramente receber a certificação de produção biodinâmica, o Selo Demeter Internacional. Para isso, a unidade agrícola deve seguir os princípios da agricultura biodinâmica, que foi desenvolvida a partir de palestras para agricultores ministradas pelo cientista e filósofo Rudolf Steiner, em 1924, na Polônia. A agricultura biodinâmica é uma abordagem regenerativa e holística para a agricultura, jardinagem e produção e processamento de alimentos e produtos. Conforme explica Patrizia, apresenta padrões mais elevados do que a agricultura orgânica porque olha para o quadro geral e tenta colocar de volta para a natureza mais do que é extraído.
Processo de certificação orgânica
O selo de produção orgânica foi concedido via Sistema Participativo de Garantia (SPG), coordenado pela Associação de Agricultura Biodinâmica da Região Sul (ABDSul). O Sistema Participativo de Garantia caracteriza-se pela responsabilidade coletiva dos membros do sistema, que podem ser produtores, consumidores, técnicos e demais interessados. O tempo necessário para a conclusão do processo depende de diversos fatores e varia conforme o ciclo produtivo das atividades e da agência certificadora. Se o estabelecimento já produz conforme as normas orgânicas, como é o caso do Núcleo de Agroecologia (que desde 2014 adota práticas orgânicas), a emissão do certificado que o habilita a utilizar o selo orgânico é relativamente rápida.
Para receber a certificação de produtor orgânico, a unidade produtiva deve estar em conformidade com a Lei dos Orgânicos (Lei 10.831, de 23 de dezembro de 2003), com o Regimento Interno, o Manual de Procedimentos, as Diretrizes para o padrão da qualidade orgânico e as normas Demeter do SPG da ABDSul. A iniciativa busca estimular entre agricultoras, agricultores e outros interessados o intercâmbio formal de práticas para a produção biodinâmica e para sistemas de produção orgânica. A ABDSul é credenciada pelo MAPA desde novembro de 2016 e conta com diversos grupos de produtores em diferentes estágios em processo de certificação.
Para a professora Patrizia Ana Bricarello, a agroecologia pode beneficiar muito a Ilha de Santa Catarina, que é “um ecossistema frágil e que necessita ser preservado”. Florianópolis foi o primeiro município brasileiro a banir o uso de agrotóxicos em seu território com a Lei nº 10.628, de 8 de outubro de 2019, que institui e define como Zona Livre de Agrotóxicos a produção agrícola, pecuária, extrativista e as práticas de manejo dos recursos naturais no município. “Já existem diversos movimentos de agricultura urbana em nossa cidade e a certificação do Núcleo de Agroecologia da FER/UFSC demonstra que outra forma de agricultura é possível, em contato constante e respeitoso com a terra, a água, as plantas, os animais e as pessoas”, avalia.
O Núcleo: equipe e projetos
O Núcleo de Pesquisa e Extensão em Agroecologia integra a Fazenda Ressacada, localizada no Bairro da Tapera, no Sul da Ilha de Santa Catarina. O setor dispõe de uma área de aproximadamente 5 hectares, representando um protótipo de uma pequena propriedade rural, que compõe a unidade de pesquisa, ensino e extensão em agroecologia.
Participam dos projetos todos os estudantes, bolsistas e pesquisadores vinculados ao Núcleo. Na graduação, há representantes do curso de Zootecnia (Marceli Carvalho da Silva, Gabriel Paiva e Laura Livia Arias Avilés ) e de Agronomia (Andressa Barbosa, Andrey Luiz Rocha e Juliana Cunha). Os projetos tem também a participação do médico veterinário da Fazenda Ressacada (Thiago M. Pinheiro Machado), com o apoio da equipe técnica da FER, e estudantes da pós-graduação (Edaciano Leandro Losch e Giuliano de Barros).
O rebanho mantido no local é composto por cerca de 60 ovinos das raças Texel, Crioula Lanada, RomneyMarsh, Ideal e seus cruzamentos. Os animais permanecem durante o dia a pasto em sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV). Diariamente o rebanho é conduzido até o centro de manejo, onde recebe suplementação nutricional e cuidados preventivos. Todos os tratamentos veterinários são realizados com plantas medicinais, medicamentos homeopáticos e fitoterápicos. O bem-estar dos animais é priorizado no Núcleo de Agroecologia.
Nas áreas de produção vegetal são cultivadas hortaliças, grãos, tubérculos, plantas medicinais e frutíferas, através do consórcio e rotação de culturas, uso de esterco e composto orgânico, homeopatia e preparados biodinâmicos, uso de palhada e adubação verde. Os plantios são orientados de acordo com o calendário astronômico biodinâmico, que divide o ano em dias favoráveis e desfavoráveis para os diferentes aspectos do trabalho agrícola.
Após a colheita, estes alimentos são doados para famílias em situação de vulnerabilidade social de Florianópolis e região por meio do projeto de extensão do CCA/UFSC: Plantio Agroecológico Solidário. Este projeto já possibilitou a doação de mais de 2,5 toneladas de alimentos orgânicos para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Em 2021, o Núcleo foi contemplado com recursos financeiros do Instituto Mahle para dar continuidade ao projeto e promover a certificação orgânica.
Além disso, são realizados trabalhos manuais com a lã orgânica, que envolvem todas as etapas de beneficiamento da lã, como a lavagem, cardagem e tecelagem. Também são feitos tingimentos naturais da lã orgânica no projeto de extensão Ovelhas Azuis. O Núcleo também mantém ativo o projeto Tecelagem artesanal de lã ovina e vivências em agroecologia para jovens e adultos com deficiência mental, que desenvolve técnicas de artesanato em lã visando à inclusão social dos deficientes mentais, promovendo habilidades artísticas para a confecção de produtos geradores de renda e sustento.
Outra ação de destaque é o Projeto Fazendinha, iniciativa que atende crianças de escolas públicas e particulares do município de Florianópolis e região, permitindo o contato com a rotina do meio rural e com as vivências direcionadas para um maior entendimento sobre as criações animais e cultivos vegetais, tais como: alimentação e cuidados de animais de fazenda, nascimento de cordeiros e bezerros, tosquia anual, beneficiamento da lã (lavar, cardar e feltrar) e a produção de alimentos da horta, com base agroecológica e respeito à natureza e aos animais. Este projeto, no entanto, está suspenso no momento devido à pandemia de Covid-19.
Mais informações na página do Núcleo ou no perfil no Instagram.
(UFSC, 13/08/2021)
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