A Justiça Federal deu prazo até a segunda-feira (28) para a prefeitura de Florianópolis realizar melhorias no Tisac (Terminal dos Sacos dos Limões), que abriga um acampamento indígena. No despacho, o juiz Marcelo Krás Borges justifica que o Município não colocou tapumes para impedir a entrada de vento e chuva nos alojamentos, nem providenciou banheiros e chuveiros em número adequado.
O juiz determinou a aplicação de multa de R$ 10 mil caso as melhorias não sejam feitas no prazo estabelecido. Também foi determinado que o Município comprove o encaminhamento de um projeto de lei à Câmara de Vereadores, que altera o zoneamento do terreno onde está prevista a construção de uma Casa de Passagem.
O terminal desativado virou acampamento indígena em dezembro de 2016. Na época, o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou uma ação civil pública contra a União, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e o município de Florianópolis requerendo a construção de uma Casa de Passagem para os povos indígenas ao lado do terminal. Até hoje a casa não foi construída. Além disso, a Associação de Moradores do Saco dos Limões não quer que o abrigo seja construído no local.
“A associação não concorda com a permanência deles aqui. Isso aqui é um terminal de ônibus. O zoneamento não permite construção de Casa de Passagem aqui. Agora, a gente tá com um problema sério, que não é só índio que tá dormindo aqui. Tem moradores de rua, usuários de drogas. E aqui já temos vários boletins de ocorrência por receptação aqui dentro”, disse Sandro Maurício Silveira, da Associação de Moradores.
O líder indígena Sidiclei Cardoso nega a prática de qualquer ato criminoso pelos índios que frequentam o local: “Não, não. Isso não existe. Isso daí a gente vai querer prova, para ver da onde tá saindo isso daí. Gente estranha a gente não aceita.”
A secretária de Assistência Social de Florianópolis, Maria Cláudia Goulart da Silva, também defende que o local de construção da Casa de Passagem não pode ser definido por um ou dois órgãos e que é preciso ouvir os moradores de Florianópolis. “É necessário a alteração do zoneamento. Nós ofertamos outros locais. [É] melhor que esta pauta seja melhor discutida, para identificar a melhor solução”, completou ela.
Maria Cláudia garante que a prefeitura fez as obras de melhorias do Tisac. Ela reclama que a Funai não tem cumprido o seu papel em relação a este grupo.
“O município vem respondendo todas as ações. Nós fizemos as melhorias, mas eles não deixaram o local em 31 de março. Todo este acompanhamento deve ser realizado pela Funai. Ela alega que não tem recursos e nem profissionais para isso. Acaba recaindo para a prefeitura. O apoio da Funai precisa ser mais assertivo”, ressaltou Maria Cláudia.
A procuradora da República Analúcia Hartmann também esperava mais da Funai: “A Funai tem feito muito pouco na verdade, mas a Funai é um órgão federal esvaziado, com orçamento muito pequeno.”
A representante do MPF destaca que qualquer alteração no Plano Diretor exige que a câmara faça audiências públicas. Para a procuradora, a mudança no zoneamento dessa área não envolve apenas a construção ou não da Casa de Passagem, mas o melhor aproveitamento do aterro da via expressa sul.
“Existe uma discussão, para que seja encaminhado um planejamento de zoneamento para todo aquele aterro. Ele foi construído em 1992, tá mais do que na hora da prefeitura encaminhar um projeto que estabelece o zoneamento de toda aquela área de aterro. Caberá aos vereadores que definirão o que é possível ou não, mas se não for feita esta iniciativa do executivo, nunca será feita”, contou Analúcia.
Em janeiro deste ano, uma tentativa de negociação entre a prefeitura e os indígenas fracassou. Para pedir a desocupação do local, o Município ofereceu passagens de ônibus para os indígenas da aldeia Votouro, localizada em Benjamin Constant (RS), além de garantia de estadia para cinco indígenas em um hotel credenciado, com direito a quatro refeições diárias, no Centro da Capital, por 14 dias, e depois deste período haver revezamento.
O debate sobre a ocupação do Tisac e o local de construção da Casa de Passagem já dura mais de quatro anos. Nem os indígenas nem os moradores do bairro parecem querer ceder.
“Só queremos ter um lugarzinho para vender e retornar para suas casas. Neste local. Nós decidimos aqui. Nós vamos lutar pra ser aqui”, afirmou Sidiclei Cardoso.
Já o morador Sandro acredita que “o local não é adequado. Não existe no Brasil uma Casa de Passagem entre duas avenidas. É um absurdo. Não tem cabimento os vereadores aprovarem uma mudança de zoneamento numa área que o bairro e a sociedade precisam. Que é área de lazer”.
Linha do tempo
2016 – Terminal de Integração do Saco dos Limões é ocupado por índios que chegam à cidade para vender artesanato. Eles são do Oeste de SC, RS e PR.
Janeiro de 2017 – O TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) determinou alojamento para os índios do Tisac após recursos impetrados pela Funai e pela AGU
Setembro de 2017 – A construção da Casa de Passagem é determinada pela Justiça Federal, após ação civil pública contra a Prefeitura de Florianópolis. A Casa de Passagem deveria ser construída no mesmo terreno e ao lado do terminal desativado, que pertence à União. .
Dezembro de 2017 – Acordo prevê que União, Funai (Fundação Nacional do Índio) e Prefeitura de Florianópolis façam melhorias no Tisac, para receber os indígenas que vêm à cidade na temporada de verão para vender artesanato.
Outubro de 2018 – Um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) é assinado entre a Prefeitura, MPF e União determinando a construção da Casa de Passagem, com recursos do município.
Março de 2019 – A Amosac (Associação dos Moradores do Sacos dos Limões) entrega carta aberta ao Conselho da Cidade de Florianópolis para exigir a retirada dos indígenas no Tisac. Não há estrutura adequada de alojamento, com problemas de instalação elétrica, hidráulica e saneamento.
Outubro de 2019 – O prefeito Gean Loureiro se compromete a destinar R$ 1,5 milhão para construção da Casa de Passagem Indígena e, no prazo de 30 dias, deixar o TISAC em condições dignas para abrigar provisoriamente os indígenas.
Março de 2020 – Com a pandemia, os índios alojados no Tisac (Terminal de Integração do Saco dos Limões), em Florianópolis, deixaram o local. A prefeitura de Florianópolis lacrou o local.
Dezembro de 2020 – TRF4 suspende decisão para o uso do Tisac como alojamento para os índios.
Janeiro de 2021 – Indígenas não aceitam proposta da Prefeitura e permanecem no terminal desativado.
Confira mais informações na reportagem do Balanço Geral Florianópolis.
(Balanço Geral, 24/06/2021)
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