Após uma semana de intensa mobilização social, as comunidades da Costa de Dentro, Açores e Pântano do Sul conseguiram, na segunda-feira, 21 de junho, que o Instituto de Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) suspendesse o loteamento Parque Turístico Costa de Dentro de responsabilidade da Santa Clara Construções LTDA. O empreendimento tenta sair do papel há alguns anos e já foi embargado no ano de 2018.
O ofício do IMA diz o seguinte:
“Considerando o princípio da precaução e da autotutela, determino a imediata suspensão das licenças AUC 390/2021, da Lai 4757/202 e n 04.960.661/0001-10 até nova avaliação dos processos pelo órgão ambiental, em consequência fica imediata determinada a paralisação das obras no local”.
O Conselho Comunitário da Costa de Dentro, denunciou o fato como crime ambiental ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público de Santa Catarina, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Polícia federal e Civil sobre o crime ambiental promovido na última semana, denunciando a devastação da biodiversidade, incluindo sítios arqueológicos. “Até a história de nossas comunidades foi impactada pela ausência de estudos arqueológicos”, lamenta Gonçalves.
A Comunidade da Costa de Dentro também denunciou o fato ao Ministério Público Federal, junto ao procurador Eduardo Herdt Barragan, no dia 15 de junho. No prazo de seis dias é possível observar a destruição de toda a restinga de duas áreas distintas: a primeira contígua ao mar, e outra nos fundos do loteamento. Com as chuvas do final de semana, algumas ruas já foram impactadas e ficaram alagadas, como no caso da Rua Lauro Mendes, que fica próxima ao empreendimento.
Os moradores, representados pela diretoria do Conselho Comunitário da Costa de Dentro – Coden, estão indignados com a forma quem vem sendo tratada a biodiversidade local, e temem que a ação tenha causado sérios desequilíbrios ambientais na fauna e na flora. Dois tucanos foram encontrados mortos nesta terça-feira, dia 22.
“Toda esta devastação para atender 202 lotes totalizando uma área de 92.507,59m²”, afirma o presidente do Conselho Comunitário da Costa de Dentro e membro do Conselho Municipal de Saneamento Básico, Eugênio Gonçalves. A destruição, segundo o presidente do Conselho, foi toda muito rápida, com a presença de máquinas, areia, pedras e calçamento. “Nossas restingas foram convertidas em grama e nossas dunas em asfalto”, denuncia. Esta forma de ocupação ao não considerar a nossa flora, mata, fauna, plano de drenagem, sistema de esgotamento público, abastecimento de água, compromete a saúde do meio ambiente”, alerta Eugênio Gonçalves,
Abastecimento de água em risco
O Conselho Comunitário da Costa de Dentro fornece água para mais de 199 famílias, e umas das preocupações é o impacto que esta quantidade de casas pode ocasionar em relação a qualidade da água.
“Ficamos apreensivos com a potencial contaminação do lençol freático da região, o que pode impactar no abastecimento de nossas comunidades. Não queremos coibir o desenvolvimento na região, mas que seja sustentável e não coloque em risco a vida saudável das futuras gerações e do meio ambiente equilibrado e preservado na região da respectiva bacia hidrográfica”, defende Gonçalves.
Mais transparência e diálogo com a comunidade
Em documento enviado ao Ministério Público, a comunidade reivindica que seja respeitado o Plano Diretor, o Estatuto das Cidades e pede mais transparência do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), já que faltam informações acerca do Estudo de Impacto de Vizinhança, projetos de capacidade de suporte, mapa de drenagem, esgoto, água, além de prévias com os moradores das comunidades envolvidas.
“Não tivemos acesso ou informações acerca do que enfatiza o art. 88 da Lei Complementar nº 482 de 17 de janeiro de 2014, que não permite o parcelamento do solo, edificações, aterros e quaisquer outras obras nas áreas inundáveis, antes da execução das obras de escoamento das águas pluviais. No loteamento em vista, existia, segundo antigos moradores, uma lagoa natural e por conta da obstrução do escoamento das águas das encostas do morro para a mesma, vêm ocorrendo, sistematicamente, inundações em casas próximas ao acesso ao morro da Praia da Solidão. Essa problemática foi avaliada na concessão da licença? Os órgãos de proteção ambiental estadual e municipal se preocuparam com os impactos ambientais e de drenagem provocados com a supressão da lagoa natural existente nos fundos do loteamento?”, questiona Gonçalves.
Danos ambientais irreversíveis
Para o biólogo Pedro Henrique Simas, o avanço do uso e ocupação do solo à revelia das Legislações Ambientais Federais e resoluções do Conama, que incide sobre a área em favor a especulação imobiliária na região do Pântano do Sul, especificamente entre o loteamento dos Açores e da Costa de Dentro vai ocasionar danos ambientais irreversíveis ao MEIO AMBIENTE COSTEIRO ‘ORLA DA PRAIA – ZONA DE DUNA FRONTAL e restinga litorânea. Ele salienta também a preocupação com a concreta deterioração das áreas de transição terra/mar, no que afirma categoricamente e com base consensual em inúmeras publicações científicas de que a principal perda de sedimentos e, consequente, erosão costeira são em decorrência do uso e ocupação do solo destas áreas.
“Basta que vejamos os exemplos do que ocorre hoje no Morro das Pedras, bem como o terrível desastre ambiental da Praia de Armação e Ponta das Pedras, e o que vem ocorrendo desde 2004 em toda a orla da Praia de Pântano do Sul, Açores, Costa de Dentro, Solidão”, explica (finaliza) Simas.
Preocupação com o fornecimento de água
O biólogo e professor dos cursos de pós-graduação em Ecologia e Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo Horta, reforça as preocupações relacionadas aos impactos ambientais e de vizinhança, considerando especialmente as limitadas condições que a região tem de fornecimento de água.
“A estiagem do último ano, que colocou a Lagoa do Peri em níveis críticos, é elemento importante para mobilizar discussão da comunidade e dos tomadores de decisão em relação à capacidade suporte do Sul da Ilha, de tal forma que seja preservada a qualidade de vida de seus moradores e a saúde dos diferentes ecossistemas da região”, avalia.
Horta destaca ainda a necessidade de um esclarecimento sobre como se dará o tratamento e os destinos para o esgotamento sanitário do referido loteamento, para que este não contamine águas de superfície/subterrâneas e a região costeira adjacente. Ele destaca também que “o aumento da frequência e intensidade de floração de algas tóxicas na região está relacionado com as nossas carências de saneamento, e que a intensificação do processo de urbanização da região deve se pautar nos princípios da precaução e da prevenção”.
Pressão popular
Segundo uma moradora da região há 30 anos, o local é um dos mais lindos que existe em Florianópolis (SC), com exuberante natureza e mata nativa. Além disso, o local foi elegido por nativos e novos moradores, por estar afastado do Centro da capital e junto à natureza. “Aqui a comunidade está preocupada com a preservação”, avisa Rita Dobele. Essas praias são paradisíacas, como poucas na Ilha de Santa Catarina, e os moradores, diferentes de outras localidades, cuidam e respeitam a flora e fauna. “Somos guardiões desse lugar que chamamos carinhosamente de Sul da ilha de Santa Catarina, conhecido mundialmente por suas ricas paisagens e com água de um aquífero próprio”. Neste lugar ainda existem animais que correm risco de extinção, que são carinhosamente preservados e respeitados por nós, entre eles temos Tucanos, Graxaim (cachorro do mato), Gralha Azul, entre outros.
Rita diz estar em choque com cenas de pura agressão e crime ambiental. “É um ECOCíDIO: a maior crueldade com a natureza que já vi em minha vida!”, relata Rita.
A comunidade da Costa de Dentro segue mobilizada e promoveu uma petição online pedindo o embargo na obra, que atualmente já conta com quase 5 mil assinaturas. No entanto, o sentimento é de medo e incerteza. Você pode assinar a petição neste link
“Segunda-feira o IMA suspendeu a licença ambiental, mas não temos certeza de que o empreendimento vai cessar a destruição. Solicitamos aos órgãos ambientais municipal e estadual que adotem medidas urgentes para recuperação da área comprometida pela ação. Pedimos mais respeito com a nossa diversidade ambiental”, diz Gonçalves.
(Portal da Ilha, 22/06/2021)
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