Após um ano de pandemia e de atividades paralisadas, pesquisadores do “Projeto Meros do Brasil”, patrocinado pela Petrobras, enfim, retornaram suas atividades e, pela primeira vez, em 2021, conseguiram presenciar uma agregação reprodutiva da espécie. A avistagem foi feita durante a instalação de um receptor (utilizado pelo projeto para monitoramento dos peixes), em São Francisco do Sul, Santa Catarina. Para sorte dos pesquisadores, foram avistados oito meros, o que, nos tempos de hoje, é um número para se comemorar. Desde 2014, o mero entrou para a lista vermelha de espécies ameaçadas do Ministério do Meio Ambiente/ICMBio (2014) e, em 2016, como globalmente vulnerável de acordo com a União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN). Em 2015, a Portaria N° 13 (MPA/MMA) passou a proteger os meros, estabelecendo a proibição da sua captura, transporte e comercialização em território nacional.
“Flagrar uma agregação já é algo que exige muita sorte, pois temos que estar no local certo, na hora certa. No passado, essas agregações chegavam a reunir centenas de meros, porém, hoje, com a pesca predatória os números foram ficando cada vez menores”, explica Maira Borgonha, gerente geral do projeto. Em fevereiro de 2012, pesquisadores do Projeto Meros do Brasil avistaram, no mesmo local, entre 45 e 50 peixes. Ainda não se sabe se a redução se dá pela extinção ou pelo período de reprodução. “Agora, março, é o fim do período reprodutivo deles, o que pode justificar esse número menor. Por isso que o monitoramento tão importante, pois só comparando os dados ano a ano é que conseguimos saber se a espécie está sendo mantida ou segue ameaçada”, explica Áthila Bertoncini, pesquisador do projeto. O registro ocorreu durante a instalação de um receptor de telemetria acústica que, a partir de agora, passará a enviar informações sobre o aparecimento de indivíduos já rastreados pelo projeto naquele ponto de agregação. A técnica, inspirada numa metodologia desenvolvida na Florida State University (FSU) e aprimorada no país pelo Meros do Brasil, consiste na implantação de um marcador (_tag)_ ultrassônico por baixo da pele do animal, que emite um sinal sonoro, que é detectado pelos aparelhos quando próximos do animal.
Ao todo, o projeto tem nove receptores instalados entre Santa Catarina e São Paulo, englobando: arquipélago de Tamboretes, monoboia, arquipélago das Graças e bota-fora, em Santa Catarina, passando por alguns recifes marinhos artificiais, ilha de Itacolomis e ilha dos Currais no Paraná, chegando até a Ilha da Figueira, em São Paulo. Assim, é possível obter dados sobre a movimentação e migração dos meros marcados entre esses pontos. Até o momento foram capturados 20 meros, sendo 11 fêmeas, oito machos e um exemplar de sexo indeterminado. Os tamanhos destes indivíduos variaram entre 95 centímetros e 2,10 metros de comprimento. Este último com cerca de 20 anos de idade e aproximadamente 250 quilos. É pela telemetria que o Projeto já conseguiu constatar alguns padrões comportamentais da espécie. Foi registrado o retorno de mais de metade das fêmeas marcadas aos pontos de agregação durante a época reprodutiva – no verão em anos consecutivos. Também, foi observado que após este período alguns indivíduos seguem em direção à Ilha da Figueira, no litoral de São Paulo. Estas descobertas são extremamente importantes já que preservar as áreas de reprodução é um fator chave para a conservação da espécie.
AGREGAÇÕES REPRODUTIVAS – As agregações reprodutivas do mero ocorrem anualmente no verão, de novembro a março, e são consideradas fator chave na regeneração das populações, mas, infelizmente, também são oportunidades extremamente atraentes de pesca. No caso dos meros, sua lenta taxa de crescimento, maturação tardia (cerca de cinco anos), alta longevidade (até quarenta anos), formação de agregados reprodutivos em áreas rasas (50m) e a alta fidelidade ao hábitat fazem com que esta espécie torne-se altamente suscetível à sobrepesca. Outro fator agravante é que por serem extremamente dóceis e grandes (podem chegar a 2,40m de comprimento), tornam-se presas fáceis no oceano.
Pertencente à família das garoupas (ao lado do robalo, cherne, entre outros), também conhecido como “Senhor das Pedras”, o mero (_Epinephelus itajara_) costuma agregar em recifes de mar aberto, especialmente recifes rochosos, naufrágios e recifes artificiais que contenham grandes buracos, cavernas e alto relevo. “Ao longo dos anos, percebemos que a formação das agregações tem acontecido com maior frequência em ambientes artificiais como naufrágios e monoboias, pois são áreas mais protegidas, que oferecem maior abrigo, segurança e alimento” explica Áthila. Por serem fenômenos altamente dinâmicos, as agregações representam um desafio para a realização de estudos, como por exemplo, a contagem do número de peixes, já que ele pode variar a cada hora ou dia. As fases lunares também influenciam as agregações e no litoral brasileiro costumam acontecer durante a lua nova. Também é sabido que são bons nadadores, capazes de migrar centenas de quilômetros para chegar ao local da agregação (um mero marcado na Flórida nadou cerca de 400 km de distância para chegar no local de agregação). Por isso, é muito difícil fazer uma contagem precisa de quantos meros existe mar adentro, seja pela extensão marítima na qual eles vivem, seja pelo simples fato de que eles estão sempre em movimento.
SOBRE O PROJETO MEROS DO BRASIL – Criado em 2002 por um grupo de pesquisadores de Santa Catarina, o Projeto Meros do Brasil (PMB) atua hoje em nove estados da costa do Brasil (Pará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina) com o objetivo de garantir a conservação dos ecossistemas marinhos e desta que é considerada a maior espécie de garoupa do Oceano Atlântico. Devido à destruição de seus habitas, sobrepesca e poluição, atualmente a espécie é considerada Criticamente Ameaçada de Extinção e está protegida integralmente há 18 anos. Desde então, em quase duas décadas de atuação, o PMB consolidou o seu trabalho e tem oferecido os principais subsídios para a recuperação das populações de meros na costa brasileira. Em 2013, foi criado o Instituto Meros do Brasil para implementar a gestão e a governança das ações do Projeto como, por exemplo, a implantação da moratória nacional de pesca, sendo pioneira para uma espécie de peixe marinho no Brasil.
Desde 2006, o PMB conta com o patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Socioambiental. Cobrindo aproximadamente 1.500 quilômetros da costa brasileira, por meio da atuação em rede. As ações do Projeto levam em conta as particularidades de cada região e são executadas de forma colaborativa entre as equipes de todos os pontos focais. Em 2020, o projeto passou a integrar a Rede Biomar para conservação marinha junto a outros cinco projetos que são referências na pesquisa e preservação do oceano pelo país, como Projeto Tamar e Projeto Baleia Jubarte. Além disso, também integra e Redágua, junto com os Projetos Uçá, Coral Vivo, Ilhas, Meros e Guapiaçú pela conservação da Baía de Guanabara. As ações do Projeto estão voltadas para a conservação da biodiversidade através da pesquisa científica, educação, comunicação, cultura e esporte, e buscam envolver as comunidades locais, valorizando o seu conhecimento, e toda a sociedade, promovendo equidade de gênero, inclusão racial e de pessoas com deficiência.
(ODS/SC, 26/04/2021)
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