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Nota Pública sobre o saneamento básico de Florianópolis

Associação Empresarial de Florianópolis – ACIF, por meio de seu Grupo Técnico do Saneamento Básico, empenhada em acompanhar com toda a proximidade os debates e ações que se desenvolvem acerca do tema em Florianópolis, argumenta:

– Considerando os recentes acontecimentos na Lagoa da Conceição, com o rompimento da lagoa de evapoinfiltração da ETE Lagoa da Conceição e suas consequências, bem como outros eventos de lançamento de esgoto sanitário in natura nos recursos hídricos de Florianópolis, os quais representam degradação ambiental, com consequências negativas ambientais, econômicas e à saúde da população;

– Considerando a precariedade na avaliação e conservação dos mananciais superficiais e subterrâneos que abastecem Florianópolis e região, dos quais desconhece o devido licenciamento ambiental para as atividades de captação de água em poços tubulares profundos e captação, adução ou tratamento de água bruta para abastecimento público¹;

– Considerando a escassez de fiscalização e manutenção preventiva e corretiva da infraestrutura dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário e fiscalização, resultando em perdas na distribuição de 43,0% e as perdas no faturamento de 31,0%²;

– Considerando que os investimentos necessários, conforme contrato do município com a CASAN (PMISB-2010), deixaram de ser aplicados na última década no setor de saneamento de água e esgoto em Florianópolis, o que denota sua incapacidade econômico-financeira, possibilitando a rescisão contratual, nos termos do art. 10-B da Lei de Saneamento.

– Considerando que a CASAN não tem o permissivo legal para efetuar o chamado “subsídio cruzado”, por meio do qual um município autossustentável, sem o seu regular consentimento, financia outro município deficitário, guiando-se apenas pela política de conveniência da CASAN;

– Considerando que a decisão de integrar uma prestação regionalizada (art. 2º., VI) é prerrogativa exclusiva do município – e não da concessionária;

– Considerando a falta de iniciativas e previsibilidade para assegurar o abastecimento futuro de água potável e reservação por parte da operadora CASAN, cuja reiterada carência no fornecimento de água em períodos de estiagem se sucedem ao longo dos anos;

– Considerando que as ações tomadas no setor de saneamento são pontuais, sem perspectiva de adoção de novas tecnologias e melhoramento futuro.

– Considerando que, nos termos do art. 2º, da Lei n. 11.445/2007, os serviços públicos de saneamento básico compreendem abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente, os quais devem ser prestados de forma eficiente e economicamente sustentável, observando a universalização do acesso e a efetiva prestação do serviço;

– Considerando que a drenagem urbana lato sensu não vem sendo prestada como um serviço público nos termos da Lei n. 11.445/2007, ou seja, “disponibilidade, nas áreas urbanas, de serviços de drenagem e manejo das águas pluviais, tratamento, limpeza e fiscalização preventiva das redes, adequados à saúde pública, à proteção do meio ambiente e à segurança da vida e do patrimônio público e privado” (art. 2º, IV da Lei n. 11.445/2007). Todavia, para além do imperativo legal, é medida necessária para evitar enchentes e desmoronamentos, mitigar a poluição dos recursos hídricos e das praias, melhorar a segurança das vias públicas e a durabilidade de sua pavimentação, etc;

– Considerando que o serviço público de manejo das águas pluviais urbanas compreende a drenagem urbana irrestrita, transporte de águas pluviais urbanas, detenção ou retenção de águas pluviais urbanas para amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final de águas pluviais urbana (art. 3º -D), necessitando de um plano municipal. Tais serviços poderão ser remunerados pelos usuários, tomando como uma das referências o potencial de retenção hídrica existente no lote, como já vem fazendo algumas cidades brasileiras;

– Considerando que um dos grandes problemas ambientais da cidade é a poluição dos recursos hídricos, decorrente majoritariamente do lançamento clandestino de esgoto na drenagem pluvial; extravasamento das estações de tratamento de esgoto (ETE) em razão de recepção conexão clandestina de águas pluviais; lavagem da cidade e carreamento de lixo e outros poluentes (poluição difusa) e operação irregular de ETE´s;

– Considerando que a poluição dos recursos hídricos, para além dos importantes danos ambientais e à saúde pública, afeta diretamente a economia da cidade, ao desvalorizar as praias e as lagoas, ativos de uma cidade que tem no turismo (especialmente de natureza) sua segunda fonte de renda;

– Considerando que quanto ao manejo dos resíduos sólidos, a autarquia municipal, a COMCAP, responsável pela coleta dos resíduos sólidos, tem se mostrado extremamente onerosa em comparação com os preços praticados pelo mercado, para além de prestar um serviço deficiente, sujeito a diversas interrupções por conta de greves, sem autossustentabilidade econômica, em total violação a um dos princípios do Saneamento Básico (art. 2º., VII), fragilizando o posicionamento de responsabilidade fiscal de seus gestores. Nada obstante, a taxa de coleta de resíduos sólidos da Cidade é uma das mais caras do País e tem sido excessivamente onerosa ao setor de serviços  e comércio;

– Considerando que as frequentes greves da COMCAP atentam contra os princípios elementares do saneamento de “segurança, qualidade, regularidade e continuidade” (art. 2º, XI) e causam grandes danos ambientais e econômicos, sem que o usuário tenha qualquer desconto na taxa de resíduos sólidos;

– Considerando que mesmo valendo-se de aporte de generosos recursos do orçamento municipal, a COMCAP não foi capaz de inovar, tendo uma coleta excessivamente utilizadora de mão de obra, perigosa aos trabalhadores e estimuladora do espalhamento de resíduos pelas vias públicas. À noite, espaços como o Centro da Cidade cheiram a lixo. Nos locais com contentores, os catadores revolvem os resíduos à procura de reciclados espalhando rejeitos pelo chão. No mais, a regra vigente é de sacos de lixo espalhados pela cidade e não raro perfurados espalhando dejetos e chorume, visitados por cães,  gatos, ratos e outros vetores;

– Considerando que a COMCAP não goza da prerrogativa de descumprir a lei quanto à “seleção competitiva do prestador dos serviços” (art. 2º, XV);

– Considerando que as empresas e autarquias estatais tendem a gozar de uma maior tolerância quanto ao descumprimento de normas ambientais, pois, afinal, o prejudicado com multas ambientais é o próprio usuário, ante à ausência de penalidades econômicas para seus gestores, razão pela qual a CASAN por muito tempo operou diversas de suas  ETEs sem as devidas licenças ambientais de operação, conforme investigado pelo Ministério Público Estadual. Ademais, em se tratando de empresa privada, além da possibilidade de redução dos lucros, a lei prevê (art. 11, VI, § 5º): “Fica vedada a distribuição de lucros e dividendos, do contrato em execução, pelo prestador de serviços que estiver descumprindo as metas e cronogramas estabelecidos no contrato específico da prestação de serviço público de saneamento básico”;

– Considerando que minuta da versão preliminar da revisão do Plano Municipal Integrado de Saneamento Básico ficou apenas 30 dias (de 28/01 a 28/02/2021), submetido a consulta pública, não obstante conter 251 páginas, o que, a rigor, não atende ao princípio de Controle Social (art. 2º., IV), vez que se trata de documento complexo (art. 19) e determina a lei que “será assegurada ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas”(art.19, § 5o ). Logo, é necessário que a sociedade busque auxílio de especialistas, sob pena de ficar impossibilitada de contribuir efetivamente, já que os 30 dias foram insuficientes; e,

Diante do exposto, a ACIF através de seu Grupo Técnico do Saneamento Básico recomenda para o Município de Florianópolis, região e demais organismos competentes:

  1. Reformas expressivas e a mudança no modelo atual de prestação de serviços de saneamento básico, atualmente operado pela CASAN, que se encontra exaurido e se encaminhando ao colapso. Estas reformas devem ser pautadas no Novo Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), que impõe a “seleção competitiva do prestador dos serviços” (art. 2º, XV), por meio de abertura de processo de licitação, envolvendo empresas públicas e privadas, de modo a garantir a integralidade (acesso em conformidade com as necessidades e maximização da eficácia das ações e dos resultados) (art. 2º, II), a eficiência e a sustentabilidade econômica (art. 2º, VII).
  2. Cessação imediata do “subsídio cruzado” aplicado pela CASAN, de modo que os recursos atinentes a Florianópolis sejam investidos totalmente no município.
  3. Transformação da COMCAP numa Agência de Gestão e Planejamento do Saneamento, dotada de efetivo poder de polícia, com aproveitamento de seus servidores sobressalentes para outros setores deficitários, evitando novas contratações, sem  prejuízo de um plano de demissão incentivada.
  4. Contratação no curto prazo de um estudo para viabilização do manejo dos resíduos sólidos de modo a atender os princípios de eficiência, autossustentabilidade econômica (art. 2º. VII), bem como de “estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento e à utilização de tecnologias apropriadas, consideradas a capacidade de pagamento dos usuários, a adoção de soluções graduais e progressivas e a melhoria da qualidade com ganhos de eficiência e redução dos custos para os usuários” (art. 2º. VIII). Este estudo poderá contemplar a possibilidade de integração com espaços públicos para exploração com estacionamento, aproveitamento energético dos resíduos, coleta automatizada, entre outros³.
  5. desenvolvimento de estudos e projetos que apresentem soluções – a médio e longo prazo – com alternativas para garantir o acesso à água potável com qualidade e regularidade, diante do atual cenário de escassez hídrica.
  6. Estímulo adequado às soluções para o aproveitamento da água da chuva e ao reuso de efluentes tratados para usos não nobres (tais como limpeza de ruas e praças, processos industriais, geração de energia, resfriamento de equipamentos, entre outros), que visam economizar água potável destinada ao abastecimento público e diminuir a pressão sobre os mananciais (art. 2º, XIII). Deve ser considerado não apenas o que o usuário deixa de consumir, mas também o quanto contribui para evitar novos investimentos por parte da concessionária.
  7. Implantação de tecnologias como emissário submarino para lançamento de efluente tratado no mar, por dispersão da pluma, em um ponto afastado da costa, executada e operada pela iniciativa privada, de modo a viabilizar a manutenção do sistema e dos mananciais que abastecem Florianópolis – solução eficiente, viável e prevista pela Resolução n. 430/2011 do CONAMA.
  8. Adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades dos locais de menor densidade populacional (art. 2º, V), com abertura de licitação própria para estas localidades, se houver recusa pela concessionária em operação.
  9. Elaboração do Plano Municipal de Drenagem urbana e subsequente início dos demais procedimentos para implantação do serviço, por meio de concessão e financiamento nos termos legais (arts. 29, III, 36).
  10. Adoção de um modelo autodeclaratório, conforme recomendou a OAB/SC, via plataforma web, de comprovação de regularidade sanitária periódica a qualquer edificação, sob pena de oneração do usuário até que demonstre sua regularização, invertendo a lógica da busca pelo regular lançamento de efluentes e de águas pluviais, já que o procedimento do programa atual (Se Liga na Rede) onera a todos indistintamente, além de oneroso e demorado. Experiência semelhante já está em curso, por exemplo, no município de Balneário Camboriú.
  11. A oferta de Educação Ambiental de forma permanente e continuada, para todos os níveis de escolaridade, no âmbito público e privado, visto que esta é componente essencial à construção de valores sociais, atitudes e competências voltadas à conservação do meio ambiente, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (Política Nacional de Educação Ambiental – Lei nº 9.795/1999).

Contudo, é indispensável a priori delimitar o contexto das mudanças normativas à definição legal de saneamento básico (artigo 3º, I, Lei nº 11.445/2007). Esta abrange o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo das águas fluviais urbanas.

Por fim, a ACIF entende que, ao noticiar a presente contribuição e efetivar-se o devido e correspondente exercício do Controle Social pela participação no Conselho Municipal de Saneamento Básico de Florianópolis, corrobora com o debate a um futuro sustentável do desenvolvimento econômico e social da Capital de todos os Catarinenses.

 

Florianópolis, SC, 05 de março de 2021.

Subscrevem a Nota:

Rodrigo Estrázulas Rossoni – Presidente da ACIF
Fernando Cesar Demetri – Coordenador do GT e Membro Titular do COMSAB
Rodrigo da Silva Vieira – Membro do GT e Membro Suplente do COMSAB
Eduardo José Perone – CEO da ACIF e Membro do GT
Dilvo Vicente Tirloni – Membro do GT
Luiz Carlos Sempre Bom – Membro do GT
Rode Martins – Membro do GT
Emerilson Gil Emerim – Membro do GT
Eneida de Mello Goss – Membro do GT
Julio Cesar Trindade Ferreira – Membro do GT

(ACIF, 10/03/2021)

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