A presença de esgoto tratado na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, após o rompimento da lagoa artificial da Casan na última segunda-feira (25) pode representar um aumento no número de nutrientes nocivos à saúde de animais e plantas. Essa é a preocupação do professor dos cursos de pós-gradução em ecologia e oceanografia da UFSC Paulo Horta.
Em entrevista ao Notícia na Manhã desta quarta-feira (27), Horta abordou o monitoramento independente da qualidade da água, que começou no dia do acidente, ao lado da colega Alessandra Fonseca. Ele mencionou ainda a implantação no local de um sistema-piloto para absorver os nutrientes que prejudicam o ecossistema.
– A preocupação maior é que entre os passivos desse tratamento de esgoto parcial temos fertilizantes naturais, que favorecem um processo que chamamos de eutrofização. Ele acaba, em última análise, no crescimento de uma zona morta, que já existe na região central da Lagoa, que não tem oxigênio – explicou Horta.
Em nota, a Casan voltou a afirmar que os efluentes eram tratados e que, misturados à enxurrada, receberam também a interferência de águas acumuladas nas redes de drenagem, das fossas e banheiros das casas afetadas e, possivelmente, de ligações inadequadas de esgoto.
A Companhia declarou ainda que não é possível associar coletas feitas na Lagoa da Conceição após o acidente e a enxurrada, sem que o efluente tratado tenha sido coletado na saída da unidade de tratamento de esgoto.
Prejuízos
Segundo a prefeitura de Florianópolis, 35 residências foram danificadas e 13 famílias estão desalojadas após o vazamento da lagoa artificial usada para depósito de efluentes de esgoto, material que foi parar na Lagoa da Conceição.
O Corpo de Bombeiros retirou ao menos 70 pessoas da área alagada na manhã de segunda. A água chegou a 2 metros de altura, segundo moradores da Servidão Manoel Luiz Duarte, o local mais afetado.
Em muitas residências, um dia depois, ainda havia tinha 30 cm de lama dentro dos cômodos. Muitas famílias estão na casa de amigos e parentes, outras foram abrigadas pela prefeitura. A Casan disse que a água era tratada e que vai ressarcir as vítimas.
Mudança da sociedade
Conforme o pesquisador Paulo Horta, a UFSC alerta há anos a sociedade sobre os danos sofridos pela Lagoa e a necessidade de um tratamento adequado do esgoto na capital.
– A gente fez uma estimativa, que temos (após o acidente) um acréscimo da ordem de 400% de nutrientes (que colocam em risco a Lagoa), isso significa um problema 400% maior do que já temos. Além do tratamento adequado do esgoto, é preciso que as pessoas parem de jogar na rede pluvial o esgoto doméstico – pontuou o estudioso.
Conforme o professor, a saúde dos animais que vivem na Lagoa da Conceição pode estar em sério risco.
– Estou na Lagoa agora e aqui na minha frente, há uma tainha morta, derivado, muito provavelmente, já desse processo. Nós temos um grande volume de água (do esgoto tratado da Casan) que já é danoso para a saúde dos animais marinhos e das plantas e a elevada concentração de poluentes, derivados de nitrogênio, alguns deles, por exemplo, como a amônia, que é tóxica – destacou o pesquisador.
Ouça a entrevista com Paulo Horta:
Segundo Paulo Horta, o monitoramento da água da Lagoa da Conceição e dos efeitos do rompimento da lagoa artificial deve ocorrer até março. Quando atendeu a CBN Diário, Horta havia acabado de captar 5 litros de água que serão analisados pelos pesquisadores.
– Nesse momento tenho aqui na minha mão uma mostra de água completamente turva, mostrando, além da turbidez, a falta de luz no fundo, excesso de nutrientes. Tudo isso deve levar ao comprometimento muito severo da saúde do sistema. Fazendo uma paralelo com a pandemia, é muito provável que o sistema precise de internação e espero que não seja necessária UTI. Nós temos que evitar a morte do sistema e existem mecanismos para isso – assinalou.
Conforme Paulo Horta, ainda nesta semana será instalado na Lagoa da Conceição um sistema-piloto para tentar recuperar o local. Em laboratório, os pesquisadores da UFSC desenvolveram alternativas inspiradas na natureza, baseadas no uso de algas capazes de absorver os nutrientes nocivos.
– Em outras palavras, é cultivar algas na Lagoa da Conceição para tentar absorver esse passivo do acidente. Quem sabe a partir daí, uma vez esse processo adiantado, propor a restauração do ecossistema que tínhamos aqui – afirmou.
(CBN Diário, 27/01/2021)
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