”Que tal ser uma cidade que separa todo resto de alimento e produz adubo para hortas comunitárias? Pois é, Floripa quer ser essa cidade.” É assim, convidativo, que o presidente da Autarquia de Melhoramentos da Capital Comcap, engenheiro sanitarista e ambiental Lucas Arruda, traduz o propósito de ser a primeira capital lixo zero do Brasil formalizado em decreto pelo prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, em junho de 2018.
O Programa Florianópolis Capital Lixo Zero abrange projetos, ações, atividades e técnicas, métodos e inovações para incentivar a sociedade civil, a iniciativa privada e o poder público a não produzir e reduzir a geração de lixo e a valorizar os resíduos sólidos urbanos (RSU) e sua reinserção aos ciclos naturais ou econômicos.
Florianópolis pretende alcançar a ambiciosa meta de reciclar 60% dos recicláveis secos e 90% dos orgânicos até 2030. Cenário em que economizaria praticamente R$ 50 milhões ao ano entre redução com transporte e aterramento sanitário e ganhos com reciclagem.
“A cidade não suporta mais gastar R$ 90 mil todo dia para enterrar 700 toneladas de comida, água, vidro, papel e plástico em Biguaçu. Todos os esforços da Comcap são para reduzir essa ‘sopa de lixo’ encaminhada ao vizinho. Ali não tem só recicláveis perdidos, tem tempo e esforço das pessoas”, aponta o presidente Lucas Arruda.
Ponto zero da reciclagem
Florianópolis faz coleta seletiva há 30 anos, mas com a pandemia chegou ao ponto zero da reciclagem. A suspensão e retomada gradual da coleta seletiva de porta em porta, por força do fechamento dos galpões de triagem e do afastamento de 400 empregados mais vulneráveis, provocou reavaliação de toda cadeia da reciclagem. “Essa parada nos obrigou a reavaliar tudo, a coleta, a rede de entrega voluntária, a triagem, o encaminhamento à indústria e a responsabilidade dela sobre a logística reversa dos produtos no pós-consumo. Fomos obrigados a dar um passo atrás, mas isso nos deu grande impulso para o futuro.”
Este ano, aponta Lucas Arruda, a Comcap investiu R$ 10 milhões em equipamentos para coleta seletiva, com foco no vidro e nos orgânicos. São os resíduos mais pesados e que oferecem maiores riscos sanitários, como a proliferação de vetores, e à segurança dos garis e triadores.
Capital que mais recicla
Hoje, o indicador de recuperação de resíduos em Florianópolis é de 7,5% das mais de 200 mil toneladas coletadas por ano. Pode parecer tímido, mas está entre os melhores do Brasil. Na próxima década, terá de saltar para 60%. “Florianópolis já é a capital que mais recicla no país. Vamos aumentar a reciclagem nove vezes, mas as metas são da cidade, não só da Comcap”, projeta o presidente Lucas Arruda.
Com os indicadores de reciclagem em crescimento, entre 2017 e 2020, a Comcap desviou do aterro sanitário 54 mil toneladas de recicláveis secos e orgânicos o que permitiu uma redução de emissão de 132 mil toneladas de carbono equivalente. Esse ganho ambiental foi calculado pelo gerente da Divisão de Coleta Seletiva da Comcap, engenheiro sanitarista e ambiental Bruno Vieira Luiz.
O engenheiro, a propósito, está fazendo análise do ciclo de vida dos processos de valorização de resíduos para redução dos gases de efeito estufa. A gestão dos resíduos sólidos tem relação direta com o aquecimento global, aponta ele, seja minimizando as emissões de carbono pela decomposição dos resíduos, seja com o reaproveitamento dos materiais. O estudo avalia cinco cenários a partir de diferentes processos tecnológicos para o destino final dos resíduos.
Mudar a pegada ecológica
Lixo é o que sobra entre o desejo e a necessidade humana. Com desejos supervalorizados há sempre mais coisas a descartar. Em Florianópolis, cada habitante gera em média 1,1 quilo de resíduos por dia. Juntos, é como se enchessem uma piscina olímpica de lixo todo dia.
A maior parte das pessoas, ressalva Lucas Arruda, mantém alguma atitude sustentável em casa, economiza água e luz, separa os recicláveis, mas chegou a hora de reciclar os hábitos também nos ambientes corporativos. As empresas, as organizações, o poder público precisam acelerar a transição da economia linear para a circular e suas alternativas de ciclos mais virtuosos.
Reduzir e ganhar
Hoje, a capital já ganha R$ 8 milhões ao ano com os recicláveis. Entre o que deixa de gastar com transporte e aterro para orgânicos que são compostados e com recicláveis secos que são doados para associações de triadores.
Pelas metas Floripa Lixo Zero 2030, contidas no Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, mais de 100 mil toneladas deixarão de ir para o aterro ao ano. Quando os ganhos com reciclagem deverão subir para R$ 40 milhões anuais e o custo com aterro cair de R$ 29 milhões para R$ 15,8 milhões.
O tratamento dos resíduos exige nova ética, novo design e, principalmente, que os hábitos sejam reciclados. Acabou o tempo para uma sociedade que joga coisas fora. O modelo produtivo de retirada e descarte de materiais da natureza está sendo substituído por soluções econômicas mais regenerativas.
Começa em casa
A Comcap começou capacitação dos seus 1,7 mil empregados públicos, de garis a engenheiros, de motoristas e arte educadores, de mecânicos a auxiliares operacionais para os novos desafios da economia circular. Ao assumir as metas lixo zero, a autarquia adotou como premissa a produção e o consumo conscientes, responsáveis e sustentáveis com a não geração de resíduos e o combate ao desperdício.
A direção da autarquia aposta na educação ambiental e no engajamento social para estimular rupturas no modelo de economia linear de geração e gerenciamento de resíduos. Floripa gasta R$ 32 milhões por ano, dos R$ 8 bilhões que são gastos no Brasil, com transporte e aterramento de lixo. “Temos de acabar com o modelo lagarta que pega da natureza, faz produtos que duram pouco, usa menos ainda e joga fora, Precisamos recuperar o capital que há no lixo. Regenerar o modelo, abrir as asas da borboleta reconstituindo os ciclos biológico e tecnológico”, propõe o presidente da Comcap.
Os resíduos orgânicos pertencem ao ciclo dos alimentos, não é certo que sejam misturados aos resíduos do ciclo da indústria, das embalagens de vidro, plástico, metal e papel. Materiais que a própria indústria tem a responsabilidade de alongar o uso e de, quando não servirem mais, serem devolvidos ao ciclo econômico por meio da logística reversa.
Economia circular e agricultura urbana
Ao mudar o destino dos resíduos do lixo para a reciclagem, o cidadão promove a economia circular, com ganhos ambientais e sociais, e reduz custos públicos com aterro sanitário. Os recicláveis secos são doados às associações de triadores e por elas reinseridos na indústria. Os resíduos orgânicos compostados servem para paisagismo e agricultura urbana, retornam ao ciclo da natureza e dos alimentos.
Compostagem de orgânicos
Para acelerar a recuperação dos resíduos orgânicos, a Comcap implantou este ano, de forma inovadora no país, a coleta seletiva de verdes de porta em porta (restos de quintal e jardim). Em 10 de novembro também iniciou projeto piloto de coleta seletiva de orgânicos em 50 unidades habitacionais, atendendo cerca de 150 pessoas, e uma geração potencial estimada de 50 quilos/dia.
Até o final de novembro, todos os Ecopontos da Comcap (Itacorubi, Canasvieiras, Capoeiras, Morro das Pedras e Saco dos Limões), além do Jardim Botânico de Florianópolis, terão pontos de entrega voluntária (PEVs) de orgânicos.
Antes do final do ano, informa Lucas Arruda, serão colocados em operação novos testes no Jurerê Internacional, a partir de iniciativa do Jurerê Open Shopping, e no Santa Mônica, em ação compartilhada com o restaurante lixo zero Casa Origem. Também será estendido o piloto de coleta seletiva de orgânicos residencial, por ponto de entrega, no bairro Monte Verde.
Compostagem no CVR
Florianópolis recupera pelo menos 4 mil toneladas de resíduos orgânicos por ano, entre restos de alimentos e podas, e se prepara para alargar esta meta em 2,5 mil toneladas pelo programa Compostagem Floripa.
Em parceria com a Associação Orgânica, são processadas sete toneladas por dia de resíduos orgânicos no pátio de compostagem do Centro de Valorização de Resíduos (CVR), no Itacorubi. Já foram selecionados cinco novos pátios para receber investimentos públicos, além dos Pacuca, no Campeche, e Revolução dos Baldinhos, no Monte Cristo.
O fomento se deu pelo projeto de Ampliação e Fortalecimento da Valorização de Resíduos Orgânicos em Florianópolis com investimento de R$ 1 milhão em recursos do Fundo Socioambiental da Caixa, através de edital do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA). “Florianópolis ganhou R$ 1 milhão e a prefeitura já dobrou a aposta, com investimento de R$ 2 milhões este ano”, observa o presidente da Comcap.
Além disso, a Prefeitura de Florianópolis vai passar a pagar por serviços de tratamento de resíduos em pátios de compostagem. Por edital de credenciamento, serão destinados recursos do Fundo Municipal de Saneamento para pagar o tratamento por meio da compostagem de resíduos sólidos orgânicos (restos de comida) segregados na fonte. Cada tonelada desviada de aterro sanitário será remunerada em R$ 156.
Entrega de vidro mais que dobra
Florianópolis foi a primeira capital do Sul do Brasil a implantar pontos de entrega voluntária (PEVs) exclusivos para embalagens de vidro. Com bons resultados e aderência da população, a rede que começou com 10 contentores nos bairros continentais em 2014, hoje conta 88 PEVs em toda cidade.
Ano passado, foram entregues 814 toneladas de embalagens de vidro em PEVs e Ecopontos da Comcap . Em 2020, essa quantidade vai dobrar, já que na primeira quinzena de novembro, haviam sido recolhidas 1.583 toneladas por entrega voluntária.
O potencial de vidros na coleta em Florianópolis é de pelo menos 8 mil toneladas por ano. De acordo com Volmir Rodrigues dos Santos, da Associação de Coletores de Materiais Recicláveis (ACMR), o vidro obteve uma revalorização no mercado e hoje a tonelada é comercializada acima de R$ 90. “As normas ambientais e o avanço tecnológico abriram oportunidades mais viáveis para a reciclagem”, comenta ele.
O vidro recolhido pela Comcap é doado às associações de triagem. A indústria compra o vidro em cacos para produzir novas embalagens.
A separação do vidro dos demais recicláveis (plástico, metal e papel) acelera a coleta seletiva da Comcap e, principalmente, evita acidentes e reduz o esforço dos garis e dos triadores. “Separar o vidro na fonte é uma atitude de respeito com os trabalhadores da coleta e da triagem”, aponta Lucas Arruda.
Para aumentar a produtividade, reduzindo custos públicos e a pegada de carbono, a Comcap usa caminhões compactadores também na coleta seletiva. Por isso, a recomendação para o vidro é a entrega voluntária.
DITO E FEITO
Investimento em coleta seletiva
Cinco caminhões compactadores para coleta seletiva foram adquiridos por R$ 2,4 milhões, que representam um quarto do total de R$ 10 milhões investidos em 2020 para melhorias em direção às metas Floripa Lixo Zero 2030. Com financiamento do Finisa viabilizado pela Prefeitura de Florianópolis.
Já entregues
R$ 2,4 milhões 5 caminhões compactadores de 15 metros cúbicos para coleta seletiva de embalagens, câmbio automático, cabine para três garis e elevador para contentor de mil litros
R$ 569 mil caminhão com guindaste e garra tipo sucateira para coleta de vidro
R$ 332 mil 50 contêineres de 2,5 mil litros para pontos de entrega voluntária (PEVs) de Vidro
R$ 350 mil caminhão poliguindaste para caixa de até 7 metros cúbicos
R$ 472 mil caminhão poliguindaste duplo para duas caixas de até sete metros cúbicos
R$ 373 mil duas caminhonetes para coleta convencional com caçamba basculante e estribo para transporte de gari
R$ 65 mil peneira rotativa
R$ 754 mil picador florestal para reciclagem de orgânicos (podas)
R$ 523,4 mil caminhão compactador 19 metros cúbicos para coleta seletiva de verdes(podas), câmbio automático, cabine para três garis e elevador para contentor de mil litros
R$ 196 mil van furgão para coleta de resíduos de saúde
Em processo de compra
R$ 685 mil 2 caminhões com caçamba basculante tipo satélite para coleta seletiva de vidro
R$ 685 mil 2 caminhões com caçamba basculante tipo satélite para coleta de orgânicos (restos de alimentos)
R$ 650 mil 2retroescavadeiras com garra florestal.
(PMF, 17/11/2020)
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