Um artigo publicado na última semana no jornal O Estado de S. Paulo traz um alerta acerca de uma tentativa de redução de áreas atualmente protegidas pela Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428, de 2006). A professora do departamento de Ecologia e Zoologia do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Michele Dechoum foi uma das autoras do texto, assinado também por Sílvia R. Ziller, do Instituto Horus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, e Gerhard Ernst Overbeck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A publicação é subscrita pela Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne 73 pesquisadores de instituições de todas as regiões brasileiras.
O artigo intitulado E daí? Ministro do Meio Ambiente atua para reduzir proteção da Mata Atlântica informa que o ministro Ricardo Salles encaminhou uma minuta de decreto à Presidência da República em que propõe a exclusão de alguns tipos de formações vegetais da regulamentação da referida lei. As mudanças afetariam também a anuência prévia do Ibama para desmatamentos de áreas maiores do que o limite atual. A alteração estabelece que essa autorização seria necessária somente para áreas maiores de 150 hectares na zona rural e 30 hectares na zona urbana – atualmente os limites são de 50 hectares na zona rural e três hectares na zona urbana.
A norma que Ministério de Meio Ambiente pretende alterar é o Decreto nº 6.660, de 21 de novembro de 2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica. Para isso, Salles sugere manter a proteção legal para as formações tipicamente florestais, mas exclui as formações não-florestais do bioma “como os campos salinos e áreas alagáveis; estepes e savanas (incluindo as extensas áreas campestres nas serras do sul do País); campos rupestres e de altitude e áreas de transição entre diferentes tipos de vegetação, assim como a vegetação nativa de ilhas oceânicas e costeiras”.
A Mata Atlântica
Michele Dechoum explica que a Mata Atlântica ocupa cerca de 15% do território nacional, distribuída por 17 estados, e abriga os maiores centros urbanos do país. Segundo a pesquisadora, 70% do produto interno bruto (PIB) brasileiro é produzido nos municípios deste bioma. “Além da enorme importância econômica, a Mata Atlântica tem relevância ecológica internacionalmente reconhecida. É considerada como um dos 36 hotspots de biodiversidade no mundo, o que significa que se trata de uma região do planeta com alta diversidade biológica e que, ao mesmo tempo, sofre alto grau de ameaça em função de atividades humanas que levaram à supressão da maior parte da vegetação original”, salienta.
Os campos nos planaltos no sul da Mata Atlântica têm papel essencial na proteção dos solos e na regulação dos ciclos hidrológicos, sendo áreas formadoras de bacias hidrográficas que alimentam milhões de pessoas. As formações aluviais, por sua vez, são áreas de estoque de água concentradas na zona costeira, de cuja integridade depende o abastecimento de moradores, do comércio e da indústria. Já os refúgios vegetacionais são áreas de caráter singular que abrigam espécies muitas vezes restritas a essas formações. As ilhas costeiras e oceânicas abrigam ambientes de altíssima fragilidade ambiental.
No estado de Santa Catarina, estão entre os ecossistemas que poderiam ser afetados: os campos de altitude ou campos do planalto catarinense, como os localizados na região serrana, que apresentam significativa relevância ambiental e cultural; e a vegetação das ilhas costeiras e oceânicas, como toda vegetação da Ilha de Santa Catarina, onde se situa a capital Florianópolis. Para a pesquisadora da UFSC, a proposição para diminuir a proteção de áreas no bioma não é admissível e qualquer iniciativa de supressão de vegetação em estágio avançado precisa ser cuidadosamente avaliada com uma visão estratégica e abrangente – e não apenas local, como prevê a mudança.
De acordo com Michele, o Decreto nº 6.660 regulamenta a Lei da Mata Atlântica e estabelece regras claras, inclusive com diversas possibilidades para a exploração eventual. “A proposta de alteração desse decreto nada acrescenta de positivo ao que já está regulamentado, fere técnica e cientificamente o estabelecido sobre a abrangência e a relevância do bioma Mata Atlântica e visa facilitar a degradação de mais áreas no bioma, agravando os riscos à sustentabilidade da região mais populosa do país”, afirma.
Anistia para desmatamentos ilegais
Outro ponto abordado no artigo publicado foi um despacho recente do ministro Ricardo Salles que recomendou aos órgãos vinculados à pasta que a Lei da Mata Atlântica seja desconsiderada quanto às exigências de recuperação de áreas desmatadas ilegalmente antes de 2008. Na prática, não seria mais necessária a recuperação de áreas nas quais atividades econômicas estabelecidas ilegalmente antes daquele ano estejam agora consolidadas.
“Acreditamos que a anistia a desmatadores ilegais poderá ser entendida como um estímulo a novos desmatamentos, aumentando a área convertida do bioma e comprometendo os serviços providos pelo mesmo, que são fundamentais para o bem-estar da população brasileira”, ressalta Michele. Para a professora da UFSC e os demais autores do artigo, “propor a redução da proteção e da demanda de restauração de áreas degradadas ilegalmente no bioma é irresponsável e imoral. A conta desse novo ataque ao meio ambiente será, mais uma vez, da população brasileira”
(UFSC, 12/05/2020)
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