Um amplo relatório climático da ONU, divulgado nesta terça-feira (10), mostra que a mudança climática está tendo um efeito importante em todos os aspectos do meio ambiente, bem como na saúde e bem-estar da população global.
O relatório, a “Declaração da OMM sobre o estado do clima global em 2019“, liderado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), contém dados fornecidos por uma extensa rede de parceiros.
Ele documenta sinais físicos das mudanças climáticas — como aumento do calor da terra e do oceano, aceleração da elevação do nível do mar e derretimento do gelo — e os efeitos indiretos em desenvolvimento socioeconômico, saúde humana, migração e deslocamento, segurança alimentar e nos ecossistemas terrestre e marítimo.
Fora do caminho para limitar aquecimento em 1,5°C
No prefácio do relatório, o chefe da ONU, António Guterres, alertou que o mundo está atualmente “fora do caminho para limitar o aquecimento a 1,5°C ou 2°C, conforme exigido pelo Acordo de Paris”, referindo-se ao compromisso assumido pela comunidade internacional em 2015 para manter as temperaturas médias globais bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais.
Vários recordes de calor foram quebrados nos últimos anos e décadas: o relatório confirma que 2019 foi o segundo ano mais quente já registrado e 2010-2019 foi a década mais quente já registrada. Desde a década de 1980, cada década sucessiva tem sido mais quente do que qualquer década anterior desde 1850.
O ano mais quente até agora foi 2016, mas isso pode ser superado em breve, disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas. “Dado que os níveis de gases de efeito estufa continuam a aumentar, o aquecimento continuará. Uma previsão recente indica que um novo recorde anual de temperatura é provável nos próximos cinco anos. É uma questão de tempo”, acrescentou o secretário-geral da OMM.
Em entrevista ao UN News, Taalas disse que há um entendimento crescente em toda a sociedade, do setor financeiro aos jovens, de que a mudança climática é o problema número um que a humanidade está enfrentando hoje. “Portanto, existem muitos bons sinais de que começamos a avançar na direção certa.”
“No ano passado, as emissões caíram nos países desenvolvidos, apesar da economia em crescimento. Por isso, mostramos que é possível separar o crescimento econômico do crescimento das emissões. A má notícia é que, no restante do mundo, as emissões cresceram no ano passado. Então, se quisermos resolver esse problema, temos que ter todos os países a bordo.”
Taalas acrescentou que os países ainda não cumprem os compromissos assumidos na conferência climática da ONU em Paris em 2015, deixando o mundo atualmente a caminho de um aumento de temperatura de quatro a cinco graus até o final deste século. “Há claramente uma necessidade de níveis de ambição mais altos para levarmos a sério a mitigação climática.”
Incêndios florestais australianos elevam emissões de CO2
Taalas observou que 2020 registrou o mês mais quente de janeiro até agora e que o inverno foi “fora de estação” em muitas partes do Hemisfério Norte.
O aquecimento contínuo na Antártica viu o derretimento do gelo em grande escala e a fratura de uma geleira, com repercussões no aumento do nível do mar, e as emissões de dióxido de carbono dispararam após os devastadores incêndios florestais australianos, que espalham fumaça e poluentes pelo mundo.
O verão 2018-2019 da Austrália foi o mais quente já registrado, atingindo um pico de 41,9 graus centígrados em 18 de dezembro. Os sete dias mais quentes já registrados pelo país, e nove dos 10 mais quentes, ocorreram em 2019.
O país não foi o único afetado por calor extremo ou incêndios florestais. Recordes de calor foram quebrados em vários países europeus, incluindo França, Alemanha e Reino Unido. Até os países nórdicos registraram temperaturas recordes, incluindo a Finlândia, que registrou um pico de 33,2 graus na capital, Helsinque.
Várias regiões de alta latitude, incluindo Sibéria e Alasca, observaram altos níveis de focos de incêndio, assim como algumas partes do Ártico, onde anteriormente esse fenômeno era extremamente raro. A Indonésia e os países vizinhos tiveram a temporada de incêndios mais significativa desde 2015, e a atividade total de incêndios na América do Sul foi a mais alta desde 2010.
Os impactos generalizados do aquecimento do oceano
As emissões de gases de efeito estufa continuaram a crescer em 2019, levando ao aumento da temperatura do oceano, e fenômenos como aumento do nível do mar, alteração das correntes oceânicas, derretimento das prateleiras flutuantes de gelo e mudanças dramáticas nos ecossistemas marinhos.
O oceano sofreu aumento da acidificação e desoxigenação, com impactos negativos na vida marinha e no bem-estar das pessoas que dependem dos ecossistemas oceânicos. Nos pólos, o gelo marinho continua a declinar e as geleiras encolheram mais uma vez, pelo 32º ano consecutivo.
Entre 2002 e 2016, o manto de gelo da Groenlândia perdeu cerca de 260 Gigatoneladas de gelo por ano, com uma perda máxima de 458 Gigatoneladas em 2011/2012. A perda de 329 Gigatoneladas em 2019 ficou bem acima da média.
Inundações e secas sem precedentes
Em 2019, eventos climáticos extremos, alguns dos quais sem precedentes em escala, ocorreram em muitas partes do mundo. A estação das monções viu chuvas acima da média de longo prazo em Índia, Nepal, Bangladesh e Myanmar, e as inundações levaram à perda de cerca de 2.200 vidas na região.
Partes da América do Sul foram atingidas por inundações em janeiro, enquanto o Irã foi gravemente afetado no final de março e no início de abril. Nos Estados Unidos, as perdas econômicas totais resultantes das inundações foram estimadas em cerca de 20 bilhões de dólares. Outras regiões sofreram uma grave falta de água. A Austrália teve o ano mais seco já registrado, e o sul da África, a América Central e partes da América do Sul registraram chuvas anormalmente baixas.
Dois mil e dezenove também viu um número acima da média de ciclones tropicais, com 72 no Hemisfério Norte e 27 no Hemisfério Sul. Alguns ciclones notavelmente destrutivos foram o Idai, que causou devastação generalizada em Moçambique e na costa leste da África; Dorian, que atingiu as Bahamas e permaneceu quase parado por cerca de 24 horas; e Hagibis, que causou graves inundações no Japão.
O custo humano
A mudança climática está afetando a saúde da população global: os relatórios mostram que, em 2019, temperaturas recordes levaram a mais de 100 mortes no Japão e 1.462 mortes na França. Os casos de dengue também aumentaram em 2019, devido às temperaturas mais altas que facilitam a transmissão da doença por mosquitos.
Após anos de declínio constante, a fome está novamente em ascensão, impulsionada por mudanças climáticas e eventos climáticos extremos: mais de 820 milhões de pessoas foram afetadas pela fome em 2018.
Os países do Chifre da África foram particularmente afetados em 2019, onde a população sofreu com eventos climáticos extremos, deslocamento, conflito e violência. A região registrou secas, chuvas extraordinariamente fortes no final do ano e uma das piores pragas de gafanhotos dos últimos 25 anos.
Em todo o mundo, cerca de 6,7 milhões de pessoas foram deslocadas de suas casas devido a riscos naturais — em particular tempestades e inundações, como os muitos ciclones devastadores e inundações no Irã, Filipinas e Etiópia. O relatório prevê um número de deslocamentos internos de cerca de 22 milhões de pessoas durante todo o ano de 2019, ante 17,2 milhões em 2018.
COP26: hora de aumentar a ambição
“Temos que ter um objetivo elevado na próxima conferência climática em Glasgow em novembro”, disse Guterres, falando no lançamento do relatório na sede da ONU em Nova Iorque, nesta terça-feira, referindo-se à Conferência sobre Mudança Climática da ONU em 2020 (COP26), que será realizada na cidade escocesa em novembro.
O chefe da ONU pediu que todos os países demonstrem que é possível realizar cortes de emissões de 45% em relação aos níveis de 2010 nesta década, e que as emissões líquidas zero serão alcançadas até meados do século.
Quatro prioridades para a COP26 foram delineadas por Guterres: planos climáticos nacionais mais ambiciosos que manterão o aquecimento global 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais; estratégias para atingir zero emissões líquidas até 2050; um programa abrangente de apoio à adaptação e resiliência ao clima; e financiamento para uma economia verde sustentável.
O chefe da ONU também abordou a disseminação contínua do coronavírus COVID-19, em resposta a uma pergunta sobre seu provável efeito no clima, dada a resultante queda na atividade econômica e, consequentemente, nas emissões. Guterres respondeu firmemente que “ambos requerem uma resposta determinada. Ambos devem ser derrotados”.
Embora as emissões tenham sido reduzidas, Guterres observou que “não combateremos as mudanças climáticas com um vírus”. Além disso, ele destacou a importância de não permitir que a luta contra o vírus distraia a necessidade de derrotar as mudanças climáticas, a desigualdade e os muitos outros problemas que o mundo está enfrentando.
Embora se espere que a doença seja temporária, a mudança climática, acrescentou o secretário-geral da ONU, é um fenômeno há muitos anos e “permanecerá conosco por décadas e exigirá ação constante”.
(Nações Unidas Brasil, 10/03/2020)
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