Artigo de Lélia Pereira Nunes
Membro da ACL (Academia Catarinense de Letras)
A Ponte Hercílio Luz elevou o sonho ilhéu de liberdade. É o cordão umbilical que ligou Florianópolis ao continente em frente, ao resto do estado, ao país, ao mundo, acabando com seu isolamento, vindo a mudar a vida da provinciana capital de Santa Catarina, uma deliciosa vila presépio que se derramava em direção à península e se esgueirava pelas encostas do Morro da Cruz. A ponte é o abraço materno que nasce nos imensos braços de ferro negro afagando com carícia suave o ir e vir de seus filhos. É a ponte-mulher apaixonada que namora o mar e se deixa seduzir brejeira pelo vento sul…
Há nela um fascínio, um poder mítico, um fetiche, que se faz presente no dia a dia de quem vive na nossa Florianópolis. Cantada em prosa e verso, escrita na arte pictórica, no desenho, na cromacia das aquarelas em imagens oníricas, na arte fotográfica – o poema em preto e branco a mexer com o imaginário. Ou, ainda, os registros instantâneos em milhares de selfies
A ponte não trouxe apenas um novo grafismo urbano para a Ilha-Capital. Flutuou nos ares, a 13 de maio de 1926, cinco mil toneladas de aço, a 28 metros do nível do mar, sobre o canal do Estreito. A cidade deixava para trás o pacato passado e se agarrava à crina do futuro com promessas de grandiosidade.
Hercílio Luz, o governador arrojado, não assistiu a inauguração de sua grande obra cujas torres em outubro de 1924 já se erguiam majestosas. Muito doente e debilitado veio a falecer no dia 20 de outubro de 1924.
Finalmente, a 13 de maio de 1926, abaixo de forte chuva e um vento sul que bailava sobre a cidade, a Ponte Hercílio Luz foi inaugurada. O mau tempo não empanou o brilho da histórica solenidade que entregou aos 41 mil habitantes de Florianópolis uma magnífica obra fruto da ousadia de um governador, marco da engenharia de alta complexidade e belo exemplar do estilo arquitetônico Art déco do inicio do século XX.
Com certeza, muita água passou por baixo da ponte e muito vento sul ou nordeste balançou suas torres desde que, por segurança, a ponte foi fechada. O sentimento de profunda tristeza que se abateu sobre a população, a melancolia estampada no seu olhar ao contemplá-la, anos a fio, no limbo (nunca no esquecimento), deu lugar à bendita esperança.
Afinal, no ano de 2005 foi dado o inicio as obras de sua restauração, sendo que o contrato para a última etapa das obras de restauro foi assinado em 10 de março de 2016 entre o governo de Santa Catarina e o grupo português Teixeira Duarte, 98 anos no mercado, conhecido pelas grandes valias e pioneirismo na construção e gestão de grandes empreendimentos, incluindo a recuperação de patrimônios edificados. A Teixeira Duarte assumiu o compromisso com o povo de Florianópolis, com a sociedade catarinense – o de entregar totalmente recuperado, o símbolo maior de uma ilha, de um estado, de um povo orgulhoso de sua história.
No próximo dia 30 de dezembro, em grandes festas, será reinaugurada após quase trinta anos de indecisões administrativas, sucessivas licitações, atrasos homéricos, debates calorosos sobre a recuperação e sua incorporação ao sistema viário entre Ilha – Continente – Ilha. Apesar de todos os perrengues a Ponte Hercílio Luz nunca foi abandonada por sua gente. Manteve-se altaneira, em doce hibernação, com suas 360 barras de olhal a sustentá-la e o forte pulsar de mais de meio milhão de apaixonados corações florianopolitanos torcendo por sua redenção. Termino cantarolando os versos do poema-canção de Luiz Henrique Rosa (1938-1985): “Ponte Hercílio Luz”: E hoje és cenário / De nossa tradição/ De força, da missão de glória/ Tem nossa gratidão/ Tu és eterna joia/Estás no coração da nossa história
(ND, 28/12/2019)
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