O Incra/SC concluiu o Relatório Antropológico que dá caracterização histórica, sociocultural e territorial para a comunidade quilombola Vidal Martins, localizada no Rio Vermelho, norte da ilha de Florianópolis (SC). O trabalho foi apresentado à comunidade e enviado pela Procuradoria à Justiça Federal, para conhecimento dos demais órgãos públicos que acompanham a regularização da comunidade.
A elaboração do relatório foi assumida pelo Incra em março de 2019 a fim de complementar a pesquisa iniciada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) durante vigência de acordo de cooperação técnica. Todo o trabalho foi desenvolvido visando fundamentar o direito territorial da comunidade, previsto na Constituição Federal, no Decreto nº 4887/2003 e em normativa interna do Incra. O estudo antropológico constituirá a principal peça do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), a ser elaborado e publicado pela autarquia agrária. O processo ainda requer a publicação de portaria de reconhecimento do território para que se viabilize a titulação e destinação definitiva da área à comunidade.
Ancestralidade
Baseado em registros paroquiais, cartoriais e de arquivos públicos, o relatório aponta que a comunidade é formada por aproximadamente 26 famílias descendentes de Vidal Martins, afrodescendente ali nascido em 1845. Ele foi neto de Jacinta e filho natural de Joanna, ambas escravas de Manoel Martins Gallego, descendente de açorianos e proprietário de terras na freguesia de São João Baptista do Rio Vermelho. O menino ganha o nome “Vidal” devido ao pai (Pedro Vidal, que não é mencionado oficialmente em seu batismo) e o sobrenome de seu senhor.
Nascido antes da Lei do Ventre Livre (1871), Vidal foi escravizado como sua mãe. Não foram encontrados registros que apontam quando Vidal Martins obteve a liberdade nem sobre seu casamento com Maria Rosa da Conceição, mas sim do nascimento de seus 10 filhos, dentre os quais Boaventura, que daria origem aos dois núcleos familiares principais que constituem hoje os membros da Comunidade Quilombola Vidal Martins.
Território
Segundo o relato histórico que integra o estudo, desde o início do século XVIII havia registros de escravos oriundos da África no ambiente da então Vila de Nossa Senhora do Desterro da Ilha de Santa Catarina, com crescimento significativo nas primeiras décadas do século XIX. Nas freguesias da Lagoa e do Rio Vermelho, o contingente de escravos chega a 25% da população nesse período. Entre as duas freguesias, no local denominado “Porto da Freguesia”, enraízam-se os herdeiros de Vidal Martins.
“Lugar de escoamento da produção agrícola que era enviada a outros pontos da lagoa da Conceição, permanece na memória dos habitantes da região como sendo a periferia do núcleo de povoação do Rio Vermelho. Distante da matriz da paróquia e das áreas principais de moradia das famílias mais abastadas, o Porto e seus arredores também são reconhecidos como terras ocupadas pelos descendentes de escravizados empobrecidos, com Vidal Martins e seus descendentes seguramente entre eles”, destaca o texto.
Com o passar das décadas, a ausência de documentos oficiais que garantissem o direito às terras e o crescimento do interesse público sobre o local – sobretudo com a instalação, em inícios da década de 1960, da Estação Florestal do Rio Vermelho (hoje Parque Estadual do Rio Vermelho) – levaram as famílias a um contínuo processo de expropriação. Aqueles que resistiram em pequena área se organizaram por meio da Associação Quilombola Vidal Martins (Arqvima) e, em 2013, obtiveram a Certidão de Autodefinição Quilombola, emitida pela Fundação Cultural Palmares.
Com base no uso tradicional da área, sua trajetória histórica e traços culturais, as famílias apresentam no relatório, em mapa elaborado com a metodologia da cartografia social, uma proposta de território a ser regularizado.
Acesse a íntegra do Relatório Antropológico no endereço: https://nuvem.incra.gov.br/index.php/s/cX0GNIRURyrTS1C.
(DeOlhoNaIlha, 21/11/2019)
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