A seca severa que ocorreu no sudeste do Brasil no verão de 2013/2014, associada ao calor extremo em terra e mar, foi provocada por um evento climático distante, no Oceano Índico. É o que revela estudo publicado na revista científica Nature Geoscience, liderado pela professora da UFSC Regina R. Rodrigues com colaboração de Andréa Taschetto, Alex Sen Gupta (ambos da Universidade de New South Wales – Austrália) e Gregory Foltz (do Laboratório Oceanográfico e Meteorológico do Atlântico – NOAA, dos EUA). A pesquisa sugere que não é a primeira vez que o Oceano Índico levou a eventos extremos no país e que fenômenos semelhantes podem ocorrer com maior frequência e intensidade.
Regina estuda os impactos dos oceanos no clima e, logo depois do verão de 2013/2014, foi pesquisadora visitante na Universidade de Oxford, onde trabalhou com pesquisador que é referência em eventos extremos no Hemisfério Norte, Tim Woollings. Do trabalho surgiu um mecanismo para explicar a seca no Sudeste e outros episódios. “Analisando dados de 1982 até 2016, percebemos que as secas mais severas que ocorreram no Sudeste como, por exemplo, as dos verões de 1984 e 2001 (esta última levou ao apagão), também estão associadas a bloqueios atmosféricos que têm suas origens no Oceano Índico. Entender os processos físicos que levam a esses extremos pode nos ajudar a prever quando os mesmos vão ocorrer no futuro” acrescenta Regina.
A professora da UFSC conta que a pesquisa traçou o motivo da estabilidade da alta de temperatura no Sudeste e Sul do Brasil naquele verão. Os dados apontam que tudo começou com uma perturbação atmosférica gerada por convecção profunda (o calor provoca a evaporação, formação de nuvens muito carregadas e chuva) sobre o Oceano Índico. O fenômeno gerou uma onda planetária que atravessou o Pacífico Sul e chegou ao Atlântico Sul, deslocando a circulação atmosférica sobre a América do Sul. “Esta onda planetária produziu uma grande área de alta pressão, que pode ser interpretada como um bloqueio atmosférico, que impediu a formação de nuvens e, consequentemente, chuvas. Em 2013/2014 este bloqueio foi tão persistente que quase não choveu durante todo o verão no Sudeste e Sul do país”, afirma Regina Rodrigues.
No Sudeste do Brasil, as chuvas vêm da zona de convergência do Atlântico Sul e no verão de 2013/14 houve uma massa de alta pressão que não deveria estar lá, não permitindo que a zona de convergência se formasse. Bloqueios atmosféricos do gênero levam de 5 a 7 dias – naquele verão, houve um de 15 dias e outro de 30 dias sem precipitação. Os impactos daquela seca levaram à crise hídrica em São Paulo e afetaram as safras de café e soja, que elevaram os preços desses produtos mundialmente.
Em terra, as temperaturas tiveram aumento de 5° Celsius acima da média do verão. “Nosso corpo é uma temperatura de 36,5°C. Isso já é perto da média do nosso verão. Quando você coloca cinco graus acima disso, aparecem problemas de saúde, porque você perde a capacidade de resfriamento por transpiração. Outro problema foi o aumento de casos de dengue, que triplicou naquele verão”.
O mais surpreendente, destaca a pesquisadora, é que esse evento levou a uma prolongada onda de calor marinha: “Sem nuvens, mais radiação solar vai para os oceanos e, com ventos fracos, o resfriamento por evaporação não ocorre, exacerbando ainda mais o calor. Na época, cientistas notaram um aumento expressivo da temperatura da superfície do mar no Atlântico Sul e suspeitaram que, talvez, esse aquecimento atípico do oceano estivesse causando a seca, quando na verdade era o contrário”.
O aumento de temperatura no oceano foi de 3°C. “Parece pouco, mas mudar a temperatura da água do oceano, um corpo de água imenso, é ainda mais gritante. Há um impacto muito grande no ecossistema marinho. Se tiver corais na região, pode causar o embranquecimento deles”. Regina trabalhou com dois pesquisadores da Austrália, que adaptaram a metodologia de estudo de ondas de calor na terra para identificar esses eventos no oceano. “Foi isso que a gente fez para o Atlântico Sul”, afirma a pesquisadora, lembrando que houve um conjunto de extremos: “Você tem a convecção no Índico, que gera ondas e faz o bloqueio atmosférico aqui, que não permite que a zona de convergência se estabeleça; sem nuvens, há seca, ondas de calor em terra, onda de calor no oceano, tudo num pacote só”. A constatação é que já houve um aumento significativo na frequência, na intensidade, na duração e na extensão dessas ondas de calor marinhas no Atlântico Sul no período.
Estudos globais de ondas de calor marinhas mostram que a tendência é de que esses eventos sejam mais frequentes no futuro, com impactos devastadores para ecossistemas marinhos. Em outros locais do mundo, como na costa oeste da Austrália em 2011, já foi comprovado que essas ondas de calor marinhas causaram mortalidade de diversos organismos marinhos, diminuindo a pesca na região.
A professora da UFSC integra o consórcio de pesquisadores TRIATLAS, que obteve financiamento da Comunidade Europeia, através do Programa Horizon 2020, para estudar, nos próximos quatro anos, os efeitos de ondas de calor em ecossistemas marinhos do Atlântico Tropical e Sul. Além da UFSC, outras 34 instituições da Europa e Brasil participam do novo estudo – no total, serão € 20 milhões.
(UFSC, 08/07/2019)
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