Um projeto em Florianópolis busca preservar as lontras. A iniciativa é de um oceanógrafo que se encantou com a espécie na Lagoa do Peri. O local, cercado pela Mata Atlântica, é o santuário desses animais.
A lontra é um mamífero curioso, ligeiro e misterioso. A história do projeto começa com o oceanógrafo Carvalho Júnior, que encontrou o animal na Lagoa do Peri. “Primeiro foi paixão à primeira vista. Pela lontra e pelo lugar porque logo de início eu percebi que não dava para dissociar o animal do local”, explicou.
A Lagoa do Peri é água doce e limpa cercada de morros com vegetação preservada. Ela fica no Sul da Ilha de Santa Catarina.
A atração do oceanógrafo pela lontra foi tão forte que ele pediu a ajuda do pai para comprar um velho engenho na beira da lagoa e ficar perto dos bichos. Foi assim que o projeto nasceu, 33 anos atrás.
Lontras na Lagoa do Peri
Quase nada se sabia da lontra neotropical, de nome científico Lontra longicaudis, também chamada de lontra brasileira, apesar de a espécie ter como habitat uma área que vai desde o México até o Uruguai e o Norte da Argentina.
A lontra é uma animal de hábitos crepusculares. Isso quer dizer que ela fica mais ativa antes do sol nascer e depois do sol se pôr. Os pesquisadores encontraram sete tocas na Lagoa do Peri e monitoram as vidas das lontras nelas.
O oceanógrafo localizou os animais pelo odor. “O cheiro do excremento da lontra tem um quê de almíscar, que é um indicativo da toca. É onde pode haver uma toca”, explicou ele.
O pesquisador se arrastou debaixo das pedras e dormiu nas tocas também. Para não ser expulso pelos animais, ele precisou cheirar como eles. “Eu tinha um camisa branca, aquelas camisas de botão, que era do meu nono. Eu pegava essa camisa, esfregava excremento fresco na camisa e vestia. Porque daí eu ficava com o cheiro dela”, disse.
Com a pesquisa, ele descobriu que as lontras, além da água doce, viviam também no mar. “Ela sai daqui da Lagoa do Peri vai às praias e costões rochosos”, afirmou.
A população de lontras na Lagoa do Peri é estimada em até 11 animais. “A lontra é um animal raro na natureza, ela está no topo da cadeia alimentar. Ela é a onça da água. Então o número de lontras que estão dentro do sistema aqui da Lagoa do Peri, é um número correto”, explicou Carvalho Júnior.
Criadouro
Seis lontras vivem atualmente no criadouro científico do projeto. Os alojamentos procuram reproduzir o ambiente natural, com muita água corrente e esconderijos. As lontras ganham para comer aquilo que encontrariam na lagoa: peixes.
Com todos esses cuidados, o projeto foi o primeiro no mundo, e único até agora, a ter sucesso na reprodução da lontra neotropical em cativeiro. “Isso para nós foi uma enorme satisfação, foi uma vitória, foi nos mostrar que realmente a gente está trilhando o caminho certo”, afirmou o oceanógrafo.
O projeto também é o lar de outras duas espécies da família da lontra, como a irara, também chamada de papa-mel, de nome científico Eira barbara. E tem o furão-pequeno, como a Chape.
Ela foi a última a chegar, mais um órfão. O nome é porque ela veio da cidade de Chapecó, no Oeste catarinense. O furão-pequeno tem nome científico Galictis cuja.
Como todos os animais no projeto, a Chape foi vacinada e ganhou um chip, sua identidade digital. “Vai ser colocado no computador, onde todo dia esse animal é pesado para ver a curva de crescimento dele e também para ver a quantidade de comida que nós damos para ele. Também junto com esse acompanhamento vai a ficha clínica de cada animal”, explicou o veterinário do projeto, Luís Carlos Stein.
Voluntários e custos
Tudo isso tem sido possível graças à colaboração dos ecovoluntários, gente apaixonada pela causa e que vem trabalhar sem ganhar dinheiro. Mariana Tamagusko é uma delas. Ela é estudante de veterinária.
“Para mim, é uma aula prática. Eu vou ter aula teórica na universidade e aqui eu tenho a prática. Vou conhecer toda a rotina dos animais”, afirmou.
As pesquisas cientificas são custeadas pela Petrobras. O projeto também se mantém com o ingresso pago pelos visitantes e com a venda dos produtos da loja. Outro pilar do projeto é a educação ambiental.
Próximo passo
Na Lagoa do Peri, Júnior espera dar ainda este ano o próximo e mais importante passo do projeto lontra. “É o que vai dar sentido a tudo isso que nós estamos fazendo. É pegar essas lontrinhas órfãs que nós temos, que não vão deixar de chegar, e poder reintroduzi-las no ambiente natural. Vai ser, talvez, o momento mais emocionante da minha vida. Poder abrir as portas e dizer ‘vai pra vida, minha filha'”, disse o oceanógrafo.
(G1SC, 04/05/2019)
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