O Brasil tem grandes dimensões. Mas, em seu território afora, pequenas distâncias são percorridas todos os dias. E, para transpô-las, a bicicleta é muito mais sustentável e inclusiva que os veículos motorizados em geral. Quem mora em cidades pequenas sabe muito bem disso. E é essa cultura do uso da bike em municípios menores do país o tema que norteia o livro O Brasil que pedala (Rio de Janeiro: Editora Jaguatirica, 2019, 256 págs.).
Seus organizadores, André Soares, da União de Ciclistas do Brasil, e Daniel Guth, consultor de políticas de mobilidade urbana e coordenador de projetos da Aliança Bike, providenciaram pesquisas em 11 cidades brasileiras de pequeno porte (até 100 mil habitantes) para descobrir curiosidades e tendências sobre o uso da bicicleta nesses locais. O trabalho contou com o apoio do Itaú Unibanco.
O livro apresenta um verdadeiro mapeamento das características da ciclomobilidade nessas cidades. Para fazer o recorte dos municípios a ser estudados, Daniel Guth conta que foi empreendida uma pesquisa prévia online entre membros de organizações dedicadas à utilização da bike como meio de transporte. A eles foi pedido que indicassem pequenas cidades do país em que fosse percebida forte adesão ao uso da bicicleta no dia a dia.
“A princípio foram indicados 380 municípios, e, após uma triagem inicial, chegamos a 250”, afirma Guth. “Esses foram submetidos a uma análise levando em conta fatores como a existência de políticas públicas de incentivo à ciclomobilidade, o número médio de bicicletas por domicílio e a presença de ciclovias.”
Foram, então, definidas dez cidades de acordo com esses critérios. Mas os organizadores optaram por incluir uma décima primeira, e por uma razão bastante óbvia. Em Afuá (PA), as pessoas só podem andar a pé ou de bicicleta. “O sistema de palafitas do local não suporta veículos com os pesos de automóveis e motos”, diz Guth.
Os estudos e relatos apresentados em O Brasil que pedala evidenciam um aspecto bastante positivo da ciclomobilidade: o da inclusão.
“Comparando as cidades pesquisadas, percebemos que elas possuem características muito diversas entre si”, avalia Guth. “Pomerode, por exemplo, possui o IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] mais alto do Paraná, enquanto Cáceres é uma das cidades mais pobres do Mato Grosso. Isso mostra que a renda não é um fator que define o uso ou não da bicicleta nessas localidades menores.”
De fato, as pesquisas apontam que dois terços dos ciclistas desses municípios possuem renda mensal entre zero e dois salários mínimos. Nesse quesito, chama a atenção a cidade de Mambaí (GO), onde 40% dos ciclistas declararam não ter rendimento algum.
Além disso, na mesma cidade, 43% afirmaram não ter qualquer grau de instrução. No todo, entre os 11 municípios, 90% dos ciclistas disseram ter no máximo completado o ensino médio.
A questão racial é outro destaque entre os perfis analisados. Os ciclistas que se declararam pardos e negros somam 64,6%, e os brancos, 31,67%.
O número de mulheres que pedalam nessas pequenas cidades também é revelador. “Em Ilha Solteira [SP], elas correspondem a 40% do total de usuários de bike”, dimensiona Guth. “Em Afuá, são 51%, mais da metade.”
Sem a cultura do medo
Para o consultor, a forte presença feminina nas bicicletas é uma prova de que, nesses municípios, as percepções sobre violência e segurança são distintas das observadas nas metrópoles. “Não há a cultura do medo que verificamos nos grandes centros”, diz. “A ocupação do espaço público se mostra acessível à maior parte da população.”
A quantidade de idosos e a de menores que se valem das bikes como meio de transporte nessas regiões também corroboram essa afirmativa. “Em Antonina [PR], 11% dos ciclistas têm mais de 60 anos, o que é um percentual altíssimo nesse quesito”, exemplifica Guth. Em Afuá, por sua vez, é comum ver meninos de oito anos pedalando em suas bicicletas com os irmãos menores na garupa.
Entre as razões que levam as pessoas a optar pela bike nas cidades menores, a pesquisa elenca rapidez e praticidade (34,3% das respostas), a economia desse meio de transporte (27,3%) e a saúde (22%).
O motivo principal tem sua razão de ser, uma vez que as distâncias percorridas nesses lugares dificilmente ultrapassam os 6 km. De acordo com 63,6% dos entrevistados – que, no total da pesquisa, somaram 2.208 ciclistas nas 11 cidades –, os deslocamentos não superam 20 minutos de pedaladas.
Além dos dados que representam a resiliência da bicicleta como meio de transporte nas pequenas cidades, o livro O Brasil que pedala também acende uma luz de alerta para a ciclomobilidade.
Nesses municípios, é significativo o avanço da substituição das bicicletas pelas motos, estas beneficiadas por políticas públicas que facilitam sua aquisição – como desonerações para fabricantes e linhas de crédito mais acessíveis. Entre 2001 e 2014, cerca de 70% dos emplacamentos de motocicletas e motonetas no Brasil foram realizados em cidades de pequeno porte, onde também prolifera o serviço de mototáxi, muitas vezes conduzido de forma não regulamentada.
Inclusão e segurança nas cidades
É preciso destacar que, entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas) e a ser cumpridos até 2030, está o de tornar as cidades inclusivas, seguras e sustentáveis (ODS 11).
Nesse sentido, o Itaú investe na causa da mobilidade urbana em grandes centros, valorizando a bicicleta como meio de transporte e transformando a relação das pessoas com suas cidades. Com esse propósito, foi criada a plataforma das Laranjinhas para o compartilhamento de bikes. O projeto começou no Rio em 2011, e, em 2012, foi implementado na capital paulista em parceria estabelecida entre o Itaú, a Serttel e a Prefeitura Municipal de São Paulo.
(Catraca Livre, 29/03/2019)
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