Um pinheiro de Natal plantado na areia. Nas dunas da Lagoa da Conceição, a presença das árvores da espécie Pinus elliottii, nativa do Hemisfério Norte, já se tornou banal. São centenas espalhadas por Florianópolis graças a uma política pública dos anos 1960 que buscava aumentar a área verde e garantir a fixação das dunas. Mas os prejuízos superaram os supostos benefícios. A meta agora, prevista em lei, é eliminar todas da ilha até 2022.
O prazo está chegando ao fim, mas a paisagem mostra que a capital catarinense ainda está longe de se ver livre dessa invasão biológica. No Parque Estadual do Rio Vermelho, 30% do território está coberto por pinheiros e eucaliptos. São 1.532 hectares contaminados por árvores com até 30 metros de altura sob as quais nada mais cresce.
Popularmente conhecido como pinheiro americano ou pinus, a árvore é uma das 99 espécies exóticas invasoras mapeadas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina. Nesta semana, o Desafio Natureza do G1 publica uma série de reportagens sobre impactos ambientais, sociais e econômicos que elas causam a partir da história do javali, do sagui-de-tufos-pretos, do mexilhão-dourado e do pinheiro.
Por conta do vento, cada semente do pinus pode viajar até 60 quilômetros antes de se fixar no solo. Assim, a árvore se espalhou por vários lugares da ilha e ameaça a vegetação nativa.
“No Dia da Árvore se distribuía mudinha de pinus, as pessoas podiam pegar de graça as mudas lá no Horto Florestal, que hoje é o Parque Municipal do Córrego Grande. Foi uma planta que teve muita propaganda positiva”, explica Sílvia Ziller, do Instituto Hórus.
A infestação na região da Lagoa da Conceição também foi estimulada por políticas públicas. Os moradores de casas ao redor da lagoa plantavam as mudas gratuitas em seus quintais com o objetivo de manter as dunas longe de suas propriedades. O vento foi levando as sementes dessas árvores para dentro da área de restinga que, desde 1988, corresponde ao Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição.
O cenário começou a mudar nos anos 2000, quando a prefeitura e o governo do estado passaram a promover ações de controle. A principal foi o decreto municipal, aprovado em 2012, que proíbe o plantio de pinheiros, eucaliptos e casuarinas em Florianópolis e determina que, em 10 anos, as espécies devem estar extintas do município.
A lei diz ainda que as árvores devem ser substituídas por espécies nativas e que, depois de 2022, proprietários de terrenos onde as espécies invasoras permanecem podem ser multados em R$ 100 por árvore remanescente. A legislação contempla ainda as casuarinas e os eucaliptos, árvores com características similares às do pinus e que também não pertencem à flora da ilha.
Apesar disso, só em abril de 2018 foi aprovado o Plano de Ação Integrada, decreto que detalha como a retirada das três espécies invasoras de Florianópolis deve ocorrer. O plano determina que a prefeitura deve realizar o mapeamento da ocorrência das espécies na cidade em até 24 meses.
Impacto do pinus
Por ser uma árvore de grande porte e com tendência a formar grupamentos exclusivos, o pinheiro americano tem grande impacto sobre os ecossistemas. Para combater a praga, uma ONG local reúne voluntários para retirar os pinheiros do Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição. Desde 2010, 352 mil pinheiros já foram cortados ou arrancados pelo mutirão do Instituto Hórus. A eficácia do projeto mostra que a luta contra os impactos negativos das espécies exóticas invasoras não é em vão.
“É um exemplo de um trabalho feito a custo baixo e que pode até erradicar a espécie invasora dessa unidade de conservação”, explica Elaine Zuchiwschi, coordenadora do programa de espécies exóticas invasoras do IMA.
“O pinus é um problema porque, quando ele entra nos ambientes que ele invade, ele não convive com as plantas que já estão lá”, explica Sílvia Ziller, engenheira florestal e fundadora do Instituto Hórus. “Ele toma conta e não permite a permanência das plantas nativas. Esse processo de dominância é muito ruim para o ambiente.”
A invasão dos pinheiros é mais comum em ambientes abertos, de vegetação pequena ou arbustiva. São características típicas da vegetação de restinga, que originalmente cobria boa parte do município de Florianópolis.
Depois que as árvores estão adultas, as folhas dos pinheiros se acumulam sobre a terra porque os microrganismos presentes no solo catarinense têm dificuldade para decompor um material tão fibroso. Essa cobertura de folhas que se forma no chão dificulta a germinação de outras espécies e facilita ainda mais a dominância dos pinheiros a longo prazo.
Além de prejudicar espécies nativas, o pinus também resseca o solo, causando problemas na gestão de bacias hidrográficas. Em função do crescimento acelerado, são árvores que consomem mais água do que a média e, quando existem em grande quantidade, podem danificar nascentes ou pequenos cursos d‘água.
Floresta exótica
Um dos locais que foi alvo de plantio sistemático de pinheiros foi a região do Rio Vermelho. A área acabou se transformando na maior floresta exótica da cidade. O Parque Estadual do Rio Vermelho foi criado em 2007 com o objetivo de recuperar a flora do local.
A medida foi motivada pelas críticas de biólogos e pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que, desde a década de 1990, denunciavam a degradação ambiental causada pelo plantio de espécies exóticas.
Ainda sem plano de manejo, o parque continua dominado pelos pinheiros e eucaliptos plantados em áreas de Mata Atlântica e restinga. Segundo o IMA, a retirada das árvores invasoras só poderá começar depois da aprovação de um plano – e não há previsão de quando isso deve ocorrer. O objetivo é utilizar a receita proveniente da venda dos pinus retirados para custear a compra de mudas de espécies nativas.
As árvores do gênero Pinus, especialmente Pinus elliottii e Pinus taeda, são muito utilizadas na produção madeireira e também para a extração de resina, uma pasta branca viscosa que é matéria-prima para a indústria.
Na praia de Moçambique, que fica ao lado do parque estadual, pequenos pinheiros crescem em meio à restinga. Por conta do solo arenoso e da ação do vento e das marés, a árvore assume características diferentes por ali: ao invés de retilínea e alta, torna-se arbustiva e cresce para os lados.
Desmatamento do bem
Cansadas de ver o pinheiro invadindo ambientes naturais, Michele Dechoum e Sílvia Ziller decidiram arregaçar as mangas. Em 2010 as pesquisadoras da ONG Instituto Hórus criaram o mutirão para controle de pinus. A ONG começou a atuar no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição depois de buscar autorização da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram), que é a entidade gestora da área.
“O nosso objetivo aqui não é cortar árvores, o nosso objetivo aqui é restaurar ecossistemas, é abrir espaço para a biodiversidade nativa”, explica Michele Dechoum, coordenadora do Instituto Hórus e professora da UFSC.
Moradores, universitários e pesquisadores da área ambiental participam, uma vez por mês, do programa de voluntariado que acontece aos sábados. São cerca de 5 mil pinheiros retirados a cada edição. Cada voluntário consegue cortar, em média, de 200 a 300 pinus em cada visita. As ferramentas são disponibilizadas pelo Instituto Hórus, que também fornece serras elétricas, manuseadas pelos organizadores ou por voluntários experientes.
Mais importante do que o número de plantas retiradas é a mudança na paisagem do parque. “É muito legal perceber que o projeto tem servido para a gente efetivamente resolver uma questão ambiental do parque e informar as pessoas sobre esse tema”, diz Dechoum.
(G1SC, 25/04/2019)
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