Na última semana, aconteceu a posse do novo procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Fernando da Silva Comin. Ele é mestre e especialista em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Já atuou como promotor de justiça titular nas Comarcas de São José do Cedro, São Miguel do Oeste, Mafra, Chapecó, Joinville e Itajaí. É titular da 8ª Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú. Comin concedeu entrevista para o SCPortais e Rede Catarinense de Notícias.
SCPortais/RCN – O que mais o anima para exercer a Procuradoria-Geral de Justiça do MPSC?
Fernando Comin – É a possibilidade de o Ministério Público ocupar espaços importantes nesse momento de transformação da nossa sociedade. Vejo um movimento muito rápido de mudanças em nosso país e aqui no Estado. Mudanças inclusive de padrões de como a sociedade está exercendo sua cidadania hoje, por meio de plataformas quase sempre tecnológicas, com a utilização das redes sociais, aplicativos, uma nova forma de as pessoas agirem no ciberespaço, em que as instituições têm que estar presentes. Vejo o Ministério Público como um órgão que, por sua vocação constitucional de tutela, de proteção e de defesa dos interesses da coletividade, tem uma grande oportunidade de reinventar algumas de suas formas para se tornar mais próximo do cidadão. Justamente por isso, pretendemos, nos próximos dois anos, fazer investimentos em processos de inovação tecnológica.
SCPortais/RCN – Por exemplo?
Comin – Vimos um programa do Ministério Público transformado em lei estadual. É o programa de transparência na fila de espera do SUS. Hoje, o cidadão catarinense tem a segurança de transparência em relação à fila de procedimentos médicos, de exames, de cirurgias. Basta acessar o site da Secretaria Estadual da Saúde e poderá acompanhar em tempo real qual sua posição, quantas pessoas têm para serem atendidas na frente dele.
SCPortais/RCN – A população já está pronta para isso? Não tem muita gente ainda fora do universo digital?
Comin – A inclusão digital, hoje, é tão fundamental quanto a erradicação da pobreza. Não adianta investirmos em educação, em programas de erradicação da pobreza, se não inserirmos este segmento de cidadãos em um ambiente em que eles possam exercer sua cidadania. Sem a inclusão digital, provocamos um verdadeiro apartheid desenvolvimentista – quem não precisa tanto, conectado; e quem mais precisa, desconectado.
SCPortais/RCN – O MPSC já acompanha essa tendência tecnológica há algum tempo. E com êxito.
Comin – O Ministério Público de Santa Catarina alcançou uma posição de destaque em decorrência do trabalho, de pelo menos seis anos, de aproximação e convênio com vários outros órgãos e poderes. Isso nos possibilitou mais que o acesso a seus bancos de dados, mas compartilhar e cruzar as informações. Temos um grande arsenal de informações sociais, econômicas e políticas relevantes. Como, por exemplo, dados de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), arrecadação municipal, informações a respeito das contratações públicas, quanto se paga por cada bem ou serviço, realidade socioeducativa, número de adolescentes internados e motivos, números do sistema penitenciário… Do Estado e dos municípios. Toda essa base de informações pode ser transformada em produtos. Sejam serviços que podem ser prestados pela instituição, ou produtos que permitam ao cidadão o maior número de informações sobre a realidade em que ele está inserido.
SCPortais/RCN – As formas de corrupção são muitas. Como combater a corrupção a partir do Ministério Público?
Comin – A semente que pretendemos plantar consiste na descentralização de algumas estruturas de atuação que hoje estão concentradas na Capital. Acredito, e vários promotores especialistas também, que deveremos descentralizar algumas investigações. Por exemplo, as investigações de crimes praticados por prefeitos estão concentradas na Procuradoria-Geral. Pretendemos descentralizar essas investigações para estruturas regionalizadas – são oito Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) em oito regiões do Estado. Criaremos oito grupos especiais anticorrupção (GEACs) nessas oito regiões para que eles trabalhem de maneira integrada. Teremos um organismo que se chamará Núcleo Regional de Apoio à Investigação dentro deste os Gaecos e os GEACs. Eles serão tendões de capilarização para investigar os crimes praticados por essas autoridades públicas nas regiões.
SCPortais/RCN – Por mais que se conheça a situação de muitos lugares, não se sabe o que acontece nos 295 municípios catarinenses. Existe uma meta?
Comin – O Ministério Público tem se ocupado muito de programas preventivos, de conscientização de boas práticas na administração pública. Eles continuarão a existir e serão até intensificados. Mas existem casos que, diante da gravidade, precisam ser apurados e tratados com rigor. É muito difícil eu dizer, de antemão, qual o cenário que vamos encontrar. Mas vamos explorar esse universo, com todo o arsenal de informação que temos hoje, com nossa estrutura operacional investigativa, com o uso de inteligência artificial inclusive. Queremos trabalhar em duas frentes prioritárias. Uma é o combate à corrupção. A outra, que está de alguma forma relacionada, o combate ao crime organizado. Porque muitas vezes o crime organizado tem relação direta com a prática de corrupção.
SCPortais/RCN -O Ministério Público tem recursos para executar esse planejamento?
Comin – Tudo isso que estamos pensando está dentro do orçamento do Ministério Público. Muitas vezes, as organizações se valem de novas demandas para legitimar pleitos de recursos financeiros. O Ministério Público vai realizar todos esses projetos dentro do tamanho de seus orçamentos, sem pedir nada para nenhum órgão. Vamos gerar resultados. Posso afirmar que o Ministério Público é uma instituição não só autossuficiente, nessa perspectiva de que seu orçamento é superado por ações que o MP protagoniza e que revertem ao erário público, como é uma instituição que trabalha no fortalecimento das redes do sistema arrecadatório municipal. Contribuímos, dessa forma, para o progresso.
SCPortais/RCN – Existe a discussão da redução do duodécimo, da parte que o Executivo repassa aos poderes, incluindo o MPSC. O que o senhor pensa disso?
Comin – O Ministério Público presta serviços. Está presente nas 111 comarcas do Estado. Temos 476 promotores e procuradores. Atuamos em todas as áreas que citei. Temos feito todos os esforços, em uma gestão austera, com reformas administrativas que importaram na extinção de diversos cargos da nossa estrutura administrativa, na extinção da estabilidade financeira, um antigo instituto da agregação do funcionalismo público, que não existe mais. Não temos mais pagamento de horas extras, nem de funções gratificadas. Tudo isso para nos ajustarmos a essa nova realidade, sem prejudicarmos os serviços que prestamos à sociedade. O Ministério Público está ciente das dificuldades pelas quais passa o Executivo. Os projetos que o Estado desenvolve merecem apoio dos poderes, para que busquemos, juntos, uma melhor situação para o próprio Estado. Mas, se nós tivermos redução do nosso orçamento, a sociedade vai perder em algum ponto. Ou o próprio Estado, em última análise.
(RCNOnline – 16/04/2019)
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