Das áreas mais humildes às mais nobres de Porto Alegre, cidadãos engajados compartilham uma mesma angústia: por que esperar pelo poder público para melhorar um espaço da cidade quando você mesmo pode fazê-lo? Sem uma resposta a contento, colocam a mão na massa. Foi o que fez a advogada Flávia Foppa diante da Praça Hamilton Chaves, no bairro Nonoai, na Zona Sul. O exemplo é bastante emblemático: para o bem e para o mal.
Até a primavera de 2017, tratava-se de um espaço tomado pelo matagal, frequentado predominantemente por usuários de drogas. Deixou de ser quando Flávia e o casal de filhos arregaçaram as mangas e começaram o trabalho recolhendo o lixo acumulado. Aos poucos, a comunidade foi se engajando.
A começar pela mãe de Flávia, que comprou as tintas para a pintura do meio-fio e do parquinho. Empolgados, comerciantes doaram recursos para aquisição de brinquedos novos. As lixeiras foram recauchutadas do próprio Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU): na praça revitalizada, foram pintadas de azul e amarelo com uma ilustração do Cascão, da Turma da Mônica. Uma moradora, então, teve a ideia de plantar dois pomares.
– Foi aí que, num belo dia, a Smams (Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade) bateu na minha porta. Pensei: “Ai, meu Deus, o que fiz de errado?” – conta Flávia, bem-humorada.
Não houve maiores conflitos, apenas um breve puxão de orelhas. O servidor reconheceu o esforço da comunidade em reformar o espaço e fez vista grossa aos pomares recém-plantados, mas explicou que cultivar árvores frutíferas é desaconselhado em espaços públicos por uma série de fatores: pode gerar um desequilíbrio em relação a outras espécies nativas e demanda critérios de poda e de limpeza que não se encaixam nos cronogramas da prefeitura. Além disso, dependendo da árvore, pode acarretar acidentes com crianças na tentativa de recolher os frutos.
Por essas e por outras, as diferentes secretarias envolvidas na zeladoria da cidade são enfáticas. Não sem antes tecer uma série de elogios ao engajamento de pessoas como Flávia, o poder público pede encarecidamente aos porto-alegrenses que procurem a prefeitura para comunicar as (boas) intenções e buscar orientações. Nem sempre acontece.
– Vou te dar outro exemplo: lixeiras. Ao ver uma rua sem elas, o pessoal, muito proativo, vai lá, compra um modelo qualquer e instala. Só que nós sequer sabemos que ela existe, então, quem limpa? Aí nos ligam reclamando que a lixeira vive suja ou pedindo para retirá-la (risos). Tem alguns locais, inclusive, que não podemos colocar lixeira, porque são remotos demais para que o roteiro de limpeza passe por ali. São questões que não ocorrem aos moradores – conta o secretário municipal de Serviços Urbanos, Ramiro Rosário.
No caso da praça no Nonoai, chegou-se a um acordo. Embora as lixeiras não obedeçam exatamente ao padrão de Porto Alegre – em outras regiões, elas são laranjas, e não costumam ter o Cascão estampado –, o local entrou no roteiro do DMLU. Daí a importância de comunicar as ações à prefeitura. Se antes era crítica, hoje Flávia elogia o auxílio do poder público em manter a área limpa e os vegetais bem podados enquanto a comunidade estabelece novos objetivos para ele: o próximo é uma quadra esportiva de areia.
Enquanto isso, a prefeitura abre caminhos a quem, de alguma forma, queira participar do embelezamento e da conservação da cidade, seja colocando a mão na massa, seja abrindo a carteira. Para isso, busca engajar as comunidades em projetos como os que veremos a seguir.ônica. Uma moradora, então, teve a ideia de plantar dois pomares.
SEJA BAIRRISTA DE CARTEIRINHA
Sentado em um dos bancos da Praça da Encol, ajeitando o boné onde se lê “Amobela” em letras amarelas (significa Associação dos Moradores da Bela Vista, Mont’Serrat e Boa Vista), o presidente da entidade, Luiz Felipe Ranzolin Irigaray, comenta:
– Quer saber como começou a revitalização daquela pracinha? – pergunta, apontando em direção à Praça Gustavo Langsch (ou Praça Pôr do Sol), a metros dali. – Começou quando um pivete com uma faca rendeu meia dúzia de babás e fez o rapa. Aí o pessoal se convenceu de que era preciso fazer alguma coisa.
Histórias semelhantes não são raras. Em diversas oportunidades, a revitalização de um espaço da cidade não nasceu apenas do amor espontâneo dos moradores pelo espaço público. Surgiu da cobrança após um episódio de violência. Só então eles se dão conta de um dos fatores mais importantes de manter a cidade bem-conservada: torná-la também mais segura.
A Praça Gustavo Langsch foi a 33ª localidade da cidade a receber o mutirão Eu Faço Poa, iniciativa que une servidores e moradores para revitalizar espaços. Nessas ocasiões, uma equipe multissetorial da prefeitura atua na capina, na poda, na limpeza das bocas de lobo, no recolhimento de lixo, na iluminação e na pintura do mobiliário. Porém, esse e outros mutirões não teriam ocorrido sem que as associações locais se mobilizassem. Para Irigaray, esse é o primeiro passo de qualquer ação: se associar aos seus vizinhos na melhoria do seu bairro. Ou seja, ser um bairrista de carteirinha.
– Nos momentos de cobrança, as pessoas lembram que existe a associação. Mas não é o mais adequado, né? Legal seria se as pessoas percebessem antes o papel delas – opina.
Quanto aos mutirões, eles desaceleraram no ano que passou – a última edição ocorreu em junho de 2018, no bairro Sarandi. Conforme a prefeitura, por um bom motivo: se tratavam de ações emergenciais enquanto a atual gestão não colocava em dia serviços atrasados, como a capina. Para manter as portas abertas à comunidade, a prefeitura adotou o smartphone.
TECNOLOGIA ABERTA A SUGESTÕES
Em tempos de vacas magras, mais do que nunca o poder público estimula que os porto-alegrenses colaborem como puderem na conservação da cidade. Para tal, uma das ferramentas boladas recentemente é o ConstruaPOA, parceria entre Companhia de Processamento de Dados (Procempa), Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana.
A lógica se assemelha a dos crowdfundings, as vaquinhas feitas via internet para tirar projetos bacanas do papel. Só que, para evitar qualquer tipo de problema ou suspeitas, o ConstruaPOA não recebe doações diretamente em dinheiro. Disponível no site e no aplicativo da prefeitura (o #EuFaçoPoa), é apresentada uma lista de projetos para os quais os interessados podem se engajar doando materiais – produtos de limpeza para escolas municipais, por exemplo – ou se comprometendo com a compra deles.
– O mais bacana é que quem faz a doação sabe onde será aplicado. Além do objetivo de cada projeto, ficam à disposição as etapas concluídas e, uma vez finalizados, os resultados – comenta Marcelo Soletti, presidente da EPTC.
Em outubro passado, foi inaugurada a primeira obra que contou com auxílio da ferramenta, a faixa reversível da Avenida Wenceslau Escobar, que inverte o fluxo da via conforme o horário. Por meio do site, foram doados 3,5 toneladas de asfalto e os adesivos para a fixação das faixas, orçados em R$ 15 mil. Alguns dos grandes sonhos da atual gestão, como o de remodelar a Rua João Alfredo, estão ali. E se você tem um próprio, é possível ainda sugerir novos projetos. Para melhorar a cidade, colocar sua ideia na roda é um ótimo primeiro passo, seja no site ou na sua vizinhança.
O QUE PODE E O QUE NÃO PODE
Confira o que o cidadão pode ou não fazer para ajudar na conservação de espaços públicos da cidade. Também é possível solicitar, por meio do telefone 156 ou pela Carta de Serviços no site prefeitura.poa.br, os serviços listados abaixo.
Pode. É dever de cada dono de imóvel zelar pela sua. A prefeitura é responsável pelos prédios públicos municipais e áreas como parques e praças.
Pode, mediante aviso prévio à Secretaria Municipal de Serviços Urbanos, no caso de praças ou canteiros, ou de Meio Ambiente e Sustentabilidade, no caso de parques. Se a área foi adotada por uma empresa, não se deve fazê-lo, e sim comunicar à Smams caso verifique a necessidade.
Pode, mas mediante aviso prévio e, caso necessário, orientação da Smams sobre espécies e formas de plantio. Para árvores, há maiores restrições.
Não pode, o ato é sujeito a multas. Recentemente foi sancionada lei que permite ao cidadão contratar um profissional credenciado junto à Smams se o serviço solicitado não for realizado dentro de 60 dias.
Pode, mas não é permitido instalar lixeiras por conta própria. Focos de descarte irregular também devem ser comunicados à prefeitura. Atenção: não é permitido limpeza particular de bocas de lobo.
É possível doar um brinquedo a uma praça, por exemplo, ou reformá-lo. Todavia, é preciso comunicar a prefeitura (Serviços Urbanos em caso de praças, e Meio Ambiente e Sustentabilidade em caso de parques) para buscar orientações, como o uso de materiais que depois possam receber manutenção da prefeitura.
Não pode, em razão dos padrões dos materiais utilizados. O serviço deve ser solicitado.
Imóveis de esquina podem afixar nos seus muros placas com o nome da rua, mas elas devem ser feitas em empresas credenciadas junto ao município. Demais sinalizações não são permitidas em razão de obedecer a padrões de materiais e de localização.
(Gaúcha ZH, 23/02/2019)
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