O Laboratório de Biodiversidade e Conservação Marinha do curso de Oceanografia e do Núcleo de Estudos do Mar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem realizado estudos pra entender como as mudanças climáticas estão afetando organismos e ecossistemas marinho-costeiros, como os estuários, as baías e as lagoas. O professor Paulo Pagliosa, coordenador do laboratório, afirma que na região das baías da Ilha de Santa Catarina (Baías Norte, Sul e Tijucas) é emblemática a perda da biodiversidade, de recursos pesqueiros e seus bens e serviços ecossistêmicos, apontando para uma crise hídrica, energética e alimentar. Essa perda de espécies tem acontecido por duas causas principais, uma mais local, por conta das modificações ambientais causadas pelo aumento populacional nas cidades costeiras, e outra de escala mais ampla, relacionada com as mudanças climáticas globais, que também são causadas pelas atividades humanas.
O professor lembra que qualquer morador ou turista que tenha conhecido a região de Florianópolis antes da década 1980 pôde ver pescadores chegando na praia com tubarões e meros maiores que uma pessoa. Mas tudo mudou muito rápido e nessas águas onde os grandes peixes não habitam mais vimos passar o primeiro furacão no Atlântico Sul, na virada do século. Nesse mesmo período os padrões oceanográficos na região de Santa Catarina mudaram. Houve um aumento na frequência e intensidade de anomalias de temperatura da água do mar, as chamadas “onda de calor marinha”. Há pouco tempo também, a Lagoa da Conceição entrou para o mapa mundial de “zonas mortas”, que são locais onde ocorre a falta de oxigênio na água. Na Lagoa do Peri, o principal reservatório de água de abastecimento na ilha, foi detectado uma mudança nas microalgas, agora com o domínio de espécies que podem produzir toxinas. Em 2016, as algas marinhas entre o litoral catarinense e o litoral paulista mudaram de cor, com o maior evento de maré vermelha na história recente do Brasil. Essas algas são as que causam a interrupção da colheita nas fazendas de ostras e mexilhões. Mas em 2012, o embargo aconteceu pelos riscos causados pelo vazamento de óleo mineral de um transformador elétrico na região da Tapera.
O professor argumenta que esses são alguns exemplos que mostram bem o cenário de mudanças ambientais na região, com causas locais e globais. Desvendar as causas e os efeitos das perdas da biodiversidade e com base nisso estabelecer estratégias para a conservação dos organismos e dos ecossistemas costeiros é um grande desafio. Para superar esses desafios é necessário atuar em várias frentes. Os estudos desenvolvidos no laboratório tem uma forte parceria com os órgãos gestores de Unidades de Conservação, em especial a RESEX de Pirajubaé, ESEC Carijós, REBIO Arvoredo e CEPSUL/ICMBio, com pesquisadores de instituições internacionais, como a UdeLaR (UR), UNMdP (AR), UChile (CH), LSU (EUA), UAlg (PT) e ENU (GB) e com várias universidades brasileiras. O laboratório também participa de ações de extensão, como o “Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Sistemas Lacustres e Lagunares do Sul” (PAN Lagoas do Sul; http://www.icmbio.gov.br/portal/ultimas-noticias/20-geral/9928-icmbio-publica-pan-de-lagoas-do-sul); o projeto de educação ambiental “Mundo a Beira Mar” (http://mundoberiamar.paginas.ufsc.br/), que desenvolve cursos e projetos com professores e alunos da rede pública de escolas do ensino fundamental e médio. Recentemente, iniciou também o “Fórum para a Percepção e Restauração das Baías da Ilha de SC”, que pretende congregar em uma estrutura supraorganizacional os diferentes grupos de trabalho existentes na região das baías da Ilha de Santa Catarina, como aqueles ligados às Unidades de Conservação, aos gestores públicos, às associações comunitárias, de educação e de pesquisa e extensão. Os estudos científicos desenvolvidos pela equipe do laboratório têm se concentrado em aliar o conhecimento científico com a conservação e a resolução de problemas ambientais.
A partir da mortandade massiva do berbigão, no verão de 2015, que coloca em risco a saúde alimentar da população, foram realizados experimentos para desvendar os efeitos das ondas de calor marinha sobre o berbigão. Os primeiros resultados mostraram que as ondas de calor podem matar o berbigão. Uma segunda fase do estudo está tratando dos efeitos da poluição na resistência da espécie às mudanças na temperatura da água.
Com a ideia de futuramente criar um método para biorremediação de áreas marinhas degradadas, iniciaram-se estudos com uma minhoca marinha que tem um elevado potencial para degradar matéria orgânica. “Começamos os trabalhos desenvolvendo uma base de dados com as informações sobre os poliquetas da América do Sul e da Antártida e selecionamos a espécie com maior potencial. Já fizemos um bom panorama da ocorrência da espécie na região e vimos que ela pode também servir como um indicador da situação ambiental. Iniciamos experimentos para o cultivo da espécie e uma doutoranda fará os primeiros testes em laboratório para avaliarmos o quanto ela é capaz de degradar o material orgânico. Vamos também avaliar o uso da espécie como remediadora de resíduos da aquicultura. Uma outra linha de ação tem sido mapear geneticamente a espécie em todas as áreas do globo onde ocorre, modelar o seu nicho de ocorrência e, por meio de simulações computacionais dos cenários futuros de mudanças climáticas, tentar entender as tendências de mudança na ocorrência da espécie”, explica o professor Paulo.
O Laboratório também estuda os manguezais das Américas: “Criamos modelos que quantificam o estoque de carbono na floresta e no solo. Os manguezais são reconhecidos atualmente como o ambiente que tem a maior eficiência em estocar carbono. Assim, conter o desmatamento e preservar a floresta é uma estratégia para amenizar ou reduzir o lançamento de CO2 na atmosfera, que é o principal causador do efeito estufa. Atualmente, estudamos os organismos que vivem associados ao solo dos manguezais e tentamos entender o papel desses organismos no funcionamento do ecossistema. Numa ação mais direcionada, participamos da rede de monitoramento das andadas do caranguejo-uçá nos manguezais ao longo de todo o litoral brasileiro, que tem como objetivo estabelecer períodos mais adequados de defeso da pesca e reduzir os impactos causados pela coleta ilegal de caranguejos no período de andada”, relata o pesquisador.
(Ufsc, 12/11/2018)
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