Sabe aquela área de Florianópolis que parece abandonada no entorno da Praça XV? O muro sem pintura que circunda uma escola? O monumento histórico esquecido? Mudar o modo como os frequentadores olham para esses locais é a proposta do Movimento Traços Urbanos, criado na Capital catarinense com o objetivo de fazer intervenções arquitetônicas e artísticas em espaços públicos.
O grupo é formado por pessoas de diferentes competências e áreas de atuação. São arquitetos, artistas, jornalistas, filósofos, fotógrafos, educadores. Em comum, compartilham o interesse de transformar a cultura urbana a partir da revitalização de diversas regiões da cidade, de forma voluntária. Iniciado em agosto de 2016, idealizado pelos arquitetos e urbanistas Giovani Bonetti e Silvia Lenzi, o movimento foi ampliado e hoje reúne 195 pessoas.
— Um grupo de arquitetos de Florianópolis estava acompanhando as discussões do Plano Diretor e percebeu que eram muito polarizadas. Isso nos levou a discutir qual era o modelo da cidade que a gente queria e fez com que surgisse a ideia de fazer uma oficina com alguns arquitetos, inclusive de fora. Mapeamos quatro áreas da cidade. No Ribeirão da Ilha, por exemplo, qual é minha sala de visitas? Qual é a identidade que faz com que eu vá? Pensamos qual era a contribuição que poderíamos dar efetivamente — explica Giovani.
Aquele grupo, ainda pequeno, buscou referências que mostram que pequenas transformações urbanas irradiam até virar grandes transformações.
— Barcelona começou assim, com mudanças de pequenos espaços públicos. Aquilo contaminava as pessoas, aumentava a autoestima, a sensação de pertencimento. E começamos a pensar que intervenções poderíamos fazer. Num primeiro momento pensamos em pequenas, os chamados pocketplaces.
Assim, o primeiro passo foi mapear lugares, e a área escolhida para começar foi a região leste da Praça XV, o chamado Distrito Criativo.
— Fizemos uma oficina para identificar quais eram as fraquezas e virtudes do espaço, e trabalhamos em cima de um personagem, para entendermos quem frequenta aquela área — acrescenta.
Com esses pontos mapeados, agora o grupo planeja que intervenções podem ser feitas. Elas envolvem mobiliário, arte, iluminação, e estão em fase de estudos. Os membros mantêm contato permanente e os grupos de trabalho reúnem-se periodicamente na sede do Museu da Escola Catarinense (Mesc), que fica na área do Distrito Criativo.
O coletivo foi lançado oficialmente ali, em novembro de 2016, com a realização do evento Nossa Rua, que integrou manifestações artísticas, exposições, exibição de filmes e debates sobre intervenções em espaços públicos e uma oficina de cocriação de projetos de pocketplaces.
De lá para cá, o Movimento realizou ações como seminário sobre cidade limpa, aula de arquitetura para crianças, mutirão de limpeza, oficina de cocriação de propostas para espaços públicos de convivência e, mais recentemente, vem participando do projeto social de revitalização da comunidade Monte Serrat, também em Florianópolis.
Para quem vê de fora, é difícil enxergar algo palpável. Mas os projetos estão sendo construídos aos poucos por este grupo que se divide em várias frentes. Enquanto alguns desenvolvem os projetos, outros buscam parcerias para que saiam do papel. E é assim, aos poucos, que as propostas vão ganhando forma.
— Tem um apoiador que fala que somos “pode crê”, porque a gente faz tudo no nosso tempo, da nossa maneira — resume.
Muro de escola vira símbolo da ideia
Uma das iniciativas para tirar os projetos do campo das ideias, trazer pra realidade e envolver comunidades foi o Prêmio Intervenção Urbana, realizado em parceria entre a Guarda Municipal de Florianópolis e o movimento.
Cerca de 7 mil alunos do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental de 26 escolas da rede pública de ensino de Florianópolis foram envolvidos no 12° Concurso de Desenho e Redação. A missão era desenvolver trabalhos que apresentassem soluções para a cidade se tornar mais inteligente, englobando questões como meio ambiente, mobilidade e qualidade de vida. A escola mais engajada foi escolhida vencedora do prêmio. Neste ano, a premiada foi a Antônio Paschoal Apóstolo, no bairro Rio Vermelho, norte da Ilha.
Os alunos e a comunidade escolar participaram de oficinas sobre cidades inteligentes e materiais de apoio e jogos educativos foram criados para a ação. Como etapa final, juntos, voluntários e estudantes definiram que tipo de intervenção urbana o entorno da escola receberia. O muro que a circunda foi o escolhido pra virar obra de arte.
— Veio na nossa cabeça criar um prêmio e fazer intervenções no espaço público no entorno da escola, ouvindo comunidade, pais e alunos. A arte está toda pautada nos trabalhos que as crianças fizeram. Reproduzimos os trabalhos das crianças. Elas, pais, grafiteiros da região e nós pintamos esse muro — conta Giovani.
O projeto continua. Calçadas e faixas de segurança serão transformados durante a ação. Os grafiteiros e artistas plásticos participantes terão a missão de reproduzir as soluções apresentadas pelos estudantes em suas criações. Os artistas André Azo, Angelo Silveira, BBel, Bruno Barbi, Luciana Bicalho e Mirian Furtado já aderiram ao projeto.
— As pessoas têm interesse em contribuir, mas não sabem o caminho. E nosso movimento acabou despertando um interesse grande — avalia Giovani.
Agora, o desafio do movimento é tirar as ideias do papel e motivar outras ações semelhantes:
— Nós não queremos ter CNPJ, não queremos ser aceitos em conselhos da cidade. A gente quer ser meio “pode crê” mesmo. Somos cidadãos. Temos dois anos e a já começamos a entender qual é o nosso papel e o braço que temos pra atender as questões. E isso pode instigar que ações como essa aconteçam em outros lugares.
Intervenções urbanas pelo mundo
São Paulo: O programa Centro Aberto foi criado para transformar espaços públicos subutilizados com intervenções de pequena escala. Largo do Paissandu e Avenida São João, por exemplo, receberam mobiliários, iluminação e intervenções artísticas e culturais.
Colômbia: O Colectivo Microurbanismo foi fundado com o objetivo de recuperar, reorganizar e revitalizar o espaço público em Bogotá com ações temporárias e participativas. O grupo descreve o trabalho como “pequenas apropriações ou acupunturas urbanas”. Cores nas ruas são algumas das ações.
Dinamarca: Na Capital, Copenhagen, um parque urbano de quase um quilômetro foi criado, o Superkilen. No local há espaço para arte, atividades físicas, pets e ações ao ar livre. Cores e interações sociais fazem parte da proposta.
(Revista Versar, 18/08/2018)
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