Em não desmatando, tudo dá. Dá pica-pau no cedro, saguis na figueira, flor no ipê. Nas águas muitas e infindas, como descrito na carta de Pero Vaz de Caminha, dá tilápia no rio, caranguejo no mangue, sapo na lagoa. É o que se vê quando biomas como o da Mata Atlântica, casa verde de 145 milhões de brasileiros e quintal de 15 mil espécies de plantas e mais de 2 mil animais vertebrados, são preservados.
O último Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, divulgado em 25 de maio, pela Fundação SOS Mata Atlântica e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), revela que entre 2016 e 2017 houve o menor índice de desmatamento – 56,8% – em 33 anos de diagnóstico. Santa Catarina, historicamente entre os maiores no ranking dos Estados que mais derrubam florestas, colaborou com uma redução de 30% em comparação a 2015 e 2016.
A boa notícia chegou às vésperas do Dia Nacional da Mata Atlântica, comemorado em 27 de maio, e a tempo do Dia Mundial do Meio Ambiente, que é hoje. Marcia Hirota, diretora-executiva da SOS Mata Atlântica, não fala em tendência. Mas se anima com o resultado, ainda que 12 mil hectares de mata tenham sido destruídos no país no último ano. Em Santa Catarina, foram consumidos 595 hectares de floresta – quase 600 campos de futebol.
– Ainda não podemos afirmar que há uma tendência de queda, pois o desmatamento reduziu depois de três anos com aumento consecutivo. Acreditamos que a atuação dos governos com mais fiscalização, ações do Ministério Público e de outras entidades tenham impacto nesse diagnóstico – diz Marcia.
A crise econômica é outro fator que pode ter contribuído, pois afeta investimentos de setores produtivos que incidem sobre áreas de mata, como agricultura e pecuária. Ainda assim, os especialistas consideram necessários novos estudos para comprovar a possibilidade.
O Atlas 2018 mostra que as áreas mais preservadas de Mata Atlântica estão localizadas na região da Serra do Mar, com destaque para as Unidades de Conservação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, Parque Nacional da Serra do Itajaí e Parque Nacional de São Joaquim. A região de campos de altitude, perto da divisa com o Rio Grande do Sul, também é destaque.
Diante da situação, a diretora-executiva Marcia Hirota entende que a Mata Atlântica dá um recado importante:
– É possível reduzir o desmatamento. Com o compromisso e o diálogo entre toda a sociedade, incluindo proprietários de terras, governos e empresas, podemos alcançar o desmatamento ilegal zero, já presente em Estados como Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro.
Hora de exigir cumprimento das leis
Para Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, o combate também passa pelo respeito às leis ambientais, como o Código Florestal Brasileiro e a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006), a única a proteger um bioma, e que regulamenta a proteção e a utilização da biodiversidade e recursos dessa floresta.
– Muitos setores buscam flexibilizar as diversas leis ambientais, o que não podemos aceitar. O ano de 2018 é eleitoral e precisamos cobrar novas posturas dos candidatos e eleitos quanto à agenda socioambiental – alerta o ambientalista.
Mantovani lembra que 80% dos remanescentes florestais da Mata Atlântica estão em áreas privadas. Por isso, existem diversos instrumentos que podem colaborar para que a redução do desmatamento se torne uma tendência. São os casos do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e do ICMS Ecológico.
– É importante premiar e beneficiar municípios e proprietários de terra que prestam serviços ambientais relevantes – diz Mantovani.
A Mata Atlântica sofre com desmatamentos sucessivos desde a chegada dos colonizadores. Extração de pau-brasil e ciclos econômicos, como café, ouro e cana de açúcar, alteraram o bioma. Houve impacto também dos avanços da agricultura, da pecuária e da exploração predatória de madeira e espécies vegetais.
Apesar disso, os novos dados do Atlas da Mata Atlântica indicam que as ações ajudam a coibir o desmatamento – como maior controle e fiscalização, autuação ao desmatamento ilegal e moratória para autorização de supressão de vegetação.
Menos manchas no tapete verde
Quem costuma olhar pela janela do avião nas proximidades do Aeroporto Internacional Hercílio Luz, em Florianópolis, tem o visual da Ilha de Santa Catarina e os morros cobertos de vegetação. Se há manchas no exuberante tapete verde, sinal de uma urbanização desordenada, lá embaixo há também gente comprometida com a restauração da floresta e da paisagem. São organizações que transformam pasto de gado em áreas reflorestadas, que distribuem mudas e ensinam crianças, jovens e adultos a trabalhar pela mata nativa.
Uma dessas organizações é o Instituto Çarakura, uma ONG ambientalista formada por profissionais de diversas áreas. A entidade faz parte da União Internacional de Conservação da Natureza e tem projetos desenvolvidos por meio de doações. Desde a fundação, em 2007, o Çarakura desenvolve cursos nas áreas de educação ambiental, permacultura, bioconstruções, manejo e uso do bambu, e agrofloresta. Também integra em co-gestão a maior unidade de conservação do Estado, o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro.
A propriedade tem 15 hectares e se localiza na região do Canto do Moreira, no bairro Ratones, norte da Ilha de SC, às margens da trilha Caminho da Costa.
O lugar recebe uma média de 1,5 mil pessoas por ano, incluindo alunos de escolas, visitantes interessados em cursos e eventos, e voluntários. As visitas precisam ser agendadas pela página (aqui).
– O forte do instituto são os projetos de educação ambiental e as ações referentes à pesquisa científica e tecnológica que facilitem a aplicação de tecnologias sociais de modo simples e a baixo custo, em que cada pessoa possa aplicar no cotidiano delas – explica Andrea de Oliveira, educadora ambiental e presidente do Instituto Çarakura.
A ambientalista explica que a organização também participa de discussões de espaços sociais, políticos e pedagógicos, como o Plano Estadual de Restauração Ecossistêmica do Estado de Santa Catarina e o saneamento ecológico na Área de Proteção Ambiental de Anhatomirim.
– Tudo isso em conexão com a estrela maior, a Mata Atlântica – conclui Andrea.
Conheça a Mata Atlântica
– É uma das florestas mais ricas em diversidade de espécies e abrange área de cerca de 15% do total do território brasileiro.
– Na época do descobrimento do Brasil, abrangia uma área equivalente a 1.315.460 km².
– Estende-se ao longo de 17 Estados: RS, SC, PR, SP, GO, MS, RJ, MG, ES, BA, AL, SE, PB, PE, RN, CE e PI.
– Vivem na Mata Atlântica atualmente quase 72% da população brasileira.
– A mata acolhe cerca de 145 milhões de habitantes em 3.429 municípios, que correspondem a 61% dos existentes no Brasil.
– Abriga sete das nove maiores bacias hidrográficas do país e três dos maiores centros urbanos do continente sul-americano.
– Essa floresta possibilita atividades essenciais para a economia – como agricultura, pesca, geração de energia, turismo e lazer.
– Abriga mais de 15 mil espécies de plantas e mais de 2 mil de animais vertebrados, sem contar insetos e outros animais invertebrados.
– Das 633 espécies de animais ameaçadas de extinção no Brasil, 383 estão na Mata Atlântica.
– Restam apenas 12,4% da floresta que existia originalmente e, desses remanescentes, 80% estão em áreas privadas.
– Foi decretada Reserva da Biosfera pela Unesco e Patrimônio Nacional, conforme a Constituição Federal de 1988.
*Fonte: SOS Mata Atlântica.
Como defender a natureza
– Evite a entrada do gado na mata, pois o pisoteio e o pastoreio prejudicam as plantas jovens.
– Evite o uso do fogo, porque incêndios florestais são difíceis de serem controlados e destroem as florestas.
– Solicite autorização do órgão estadual e/ou municipal competente para retirada de árvores vivas, evitando a abertura de clareiras na floresta, e para o aproveitamento de árvores mortas e caídas.
– Proteja árvores sadias, com bom formato de tronco e copa ampla, para servirem de fonte de sementes.
– Enriqueça as florestas plantando, sempre que possível, também espécies nativas, tanto frutíferas como aquelas para produção de madeira.
– Plante espécies exóticas em áreas já abertas, mas jamais em substituição às florestas nativas.
– Proteger a fauna e a flora silvestre, denunciando a caça, o roubo do palmito e a exploração e desmatamento ilegais aos órgãos competentes.
*Fonte: Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina (IFFSC).
(DC, 05/06/2018)
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