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As cidades devem ter visão integrada, afirma especialista portuguesa

Da Coluna de Fabio Gadotti (ND, 11/06/2018)

A bióloga Sofia Cordeiro, do Gabinete Municipal de Meio Ambiente de Lisboa, falou na semana passada, em Florianópolis, sobre a experiência da capital portuguesa na gestão consciente da água e compartilhou políticas públicas que buscam sustentabilidade e qualidade de vida. Dois eixos são importantes no discurso de Sofia: a necessidade de integração entre diversas áreas e a importância do cidadão na mudança de comportamento no dia-a-dia. “A participação das pessoas é até mais importante do que o compromisso do poder público, porque se estiver envolvido, preocupado, ele exige dos governantes”, afirma Sofia, 41 anos, uma das palestrantes do Concasan (Congresso Catarinense de Saneamento). Nesta entrevista, ela fala ainda sobre o conceito de “infraestrutura verde” e sobre a implantação de hortas públicas..

O que você considera mais importante quando se fala em gestão consciente da água?
É não pensar que a gestão consciente da água é apenas “água”. É saber que tudo na cidade, todas as nossas escolhas, tem reflexos. Pensar na água nesse aspecto mais restrito, na distribuição ou mesmo no esgoto, é ter uma visão muito reducionista. Quando pensamos em água, temos que pensar em energia, porque sempre que abrimos a torneira, gastamos eletricidade no processo de distribuição e tratamento. Temos que pensar também, necessariamente, no lixo, porque cada vez que produzimos lixo vamos poluir nosso sistema hídrico. É fundamental que as cidades tenham essa visão integrada. Quando construímos um edifício, a escolha do material interfere no recurso “água” e as pessoas, às vezes, pensam que é só uma questão estética. Não é!

E o comportamento do cidadão, como se encaixa nesse processo?
Creio que esse é um grande desafio. Numa escala, diria que é até mais importante do que o compromisso do poder político. Porque se o cidadão estiver envolvido, preocupado, ele exige. Se não estiver alerta para os problemas, também não vai cobrar e poderá ter governante que faz e o que não faz. Essa consciência dos cidadãos é fundamental. Nos últimos anos, por exemplo, as alterações climáticas deixaram de ser coisa de congresso de cientistas porque as pessoas começaram a sentir alterações no dia-a-dia.

Você coloca que o conceito “infraestrutura verde” como ferramenta para solução dos problemas dos espaços urbanos. Pode explicar?
As Nações Unidas preveem que 70% da população mundial vai viver em cidades até 2050. Para garantirmos que todas essas pessoas consigam ter qualidade de vida temos que ter uma cidade capaz de responder aos problemas climáticos. E achamos que a infraestrutura verde é ferramenta para fazer isso. E chamamos de infraestrutura porque, para nós, o verde é tão importante como a rede de distribuição da água, o esgoto e a energia. O verde é uma rede que nos presta um serviço. Qual? Para resistirmos às ondas de calor, a única forma é criarmos sombra e, para isso, a maneira mais eficiente é plantando árvores. Num bairro sem árvores a diferença pode ser de quase 10 graus num dia de verão. Em determinados locais as pessoas não conseguem andar a pé no verão e acabam indo de carro, com ar-condicionado. São pequenas coisas que têm que mudar. Quando plantamos uma árvore, garantimos que o edifício perto fica com sombra, portanto também consome menos energia. Torna-se mais sustentável.

A partir da mudança do Plano Diretor de Lisboa, qual foi o índice de aumento da área verde na cidade?
Nos últimos 10 anos, conseguimos aumentar 200 hectares para áreas verdes. Tínhamos 2 mil hectares, crescemos 10%. Nos próximos quatro anos, pretendemos duplicar essa meta. Portanto, no total, teremos o crescimento, em 14 anos, de 20% na área verdade em Lisboa.

O projeto de hortas urbanas é capitaneado pelo poder público?
Existiam muitas hortas ilegais, que geravam lixo, usavam fertilizantes e pesticidas, e tínhamos conhecimento disso. Eram áreas desagradáveis, muitas vezes sujas. Desenvolvemos projetos para os mesmos locais, criando novos espaços, com hortas legalizadas, com pequenos abrigos para que eles guardem as ferramentas e damos formação aos produtores. Para ter uma horta urbana em Lisboa é preciso ter formação em agricultura biológica, garantindo uma produção orgânica e compostagem dos resíduos. E custa zero euros para o município manter esses espaços. Fizemos o projeto, a construção dos abrigos e o produtor assume o espaço. Temos um contrato e as pessoas responsabilizam-se pelo espaço, pagam um valor bem simbólico, um valor de compromisso. Esse contrato prevê que se a pessoa não garantir uma boa manutenção do espaço perde o direito, porque temos uma fila de espera enorme. Muitas famílias querem espaço para poder cultivar seus alimentos.

Atitudes conscientes do cidadão, no dia-a-dia, podem evitar gastos públicos no futuro?
Em algumas áreas, sim. Um exemplo é o lixo. Se fôssemos cidadãos conscientes, não compraríamos frutas em embalagens individuais. E não usaríamos copos descartáveis. Portanto, não precisaríamos de investimentos em estações de triagem, recolhimento e separação do lixo. Fundamental é o cidadão seguir o princípio “sempre que possível, não use”. Quando for obrigatório usar, então recicle. Ou reutilize. Importante que o cidadão faça esse movimento. Que ele faça perguntas: “Preciso mesmo desse plástico?”, “preciso mesmo em lata?”. Pequenas mudanças no comportamento reduzem muito os resíduos produzidos.

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