Há 11 anos, o jornalista André Trigueiro é o rosto mais conhecido na TV brasileira quando o assunto é sustentabilidade urbana. À frente do “Cidades e Soluções”, na GloboNews, Trigueiro percorreu o mundo buscando referências de projetos e ideias que reduzam efeitos nocivos de indústrias poluentes, da falta de infraestrutura urbana ou mesmo de hábitos da população (uso de plásticos e isopor, falta de reciclagem etc.).
Convidado para encerrar a programação do terceiro dia do Congresso Catarinense de Prefeitos, evento que a Federação Catarinense de Municípios (Fecam) organizou nesta semana em Florianópolis, Trigueiro levou um choque de realidade aos gestores públicos que participaram do encontro ao falar sobre a necessidade de repensar custos e buscar inovação nas cidades.
Antes da palestra, bati um papo com ele sobre como desenvolver uma mentalidade inovadora nos municípios sem necessariamente ter que torrar recursos com soluções tecnológicas caríssimas. Confiram:
Acontecendo Aqui – Na sua visão, o que é uma cidade inteligente?
André Trigueiro – A expressão em inglês smart city passou a ser o carro-chefe de negócios de empresas de software que informatizam dados para tornar a gestão urbana mais fluida em cidades que podem pagar por isso. Não sou contra, mas o conceito de cidade inteligente, pra mim, extrapola as ferramentas tecnológicas. Elas são bem vindas quando você consegue entender que isso vai transformar para melhor a gestão e você consegue justificar para o eleitor o uso do recurso público. Não dá pra fazer ostentação de tecnologia. Ela pode ser uma ferramenta importante do desenvolvimento da cidade se houver tiver uma leitura clara do custo-benefício. As cidades estão quebradas e o cobertor é curto: vou tirar dinheiro de onde? O deslumbramento com a tecnologia me preocupa.
Como o gestor público de uma cidade pode ajudar a torná-la mais inteligente sem precisar fazer necessariamente um grande investimento?
Me parece que a grande maioria dos municípios brasileiro é pobre, inadimplente e não dispõe de recursos humanos ou técnicos para formatar projetos ou descobrir linhas de financiamento que existem no governo federal ou estadual ou outros fundos para permitir a aplicação desses recursos. Este é um estado de indigência. A iniciativa do Congresso de Prefeitos de criar um Banco de Projetos me parece uma solução simples e adequada para, antes de contratar uma consultoria – e existem os espertalhões nesse mercado, conheço alguns casos horrorosos – ter uma base do que deu certo e pode ser ajustado. Conhecer o que outro município fez, buscar apoio, é o primeiro passo.
O Brasil desperdiça os saberes das universidades. Dentro de um campus você tem pessoas muito qualificadas, com conhecimento e que são desprezadas. Podem ajudar – e sem custo. Pode fazer uma parceria com uma universidade que pode usar o município como laboratório.
A UFSC, nas pesquisas sobre energia solar, é uma das protagonistas no Brasil. A Celesc tem projetos piloto bem ousados e arrojados. Nos últimos seis anos a tarifa média subiu 600%. Todo mundo paga conta de luz. Os prefeitos poderiam desenvolver uma curiosidade cidadã, conhecer melhor esse assunto. Fazer as perguntas certas, olhar pro lado. Quando se acerta a mão na gestão, você tem que reconhecer e pode se apropriar. Nada mais recompensador para um político do que eficiência, não dá pra inventar a roda.
Santa Catarina está desenvolvendo uma rede de inovação envolvendo setor público e privado, mas ao mesmo tempo tem um dos piores índices de saneamento básico do país. Essa não deveria ser a prioridade quando se fala em cidades inteligentes?
A falta de saneamento é o maior problema mental do Brasil. Aproximadamente 100 milhões de habitantes não estão bem servidos desse serviço e despejam por dia o equivalente a 6 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura nos corpos hídricos – é algo vexatório. Ninguém se desenvolveu sem resolver seus problemas de base como o saneamento. Você tem razão, essa deveria sim ser a prioridade.
O que te deixa mais pessimista e otimista quando se fala em soluções inovadoras para cidades no Brasil?
O que me deixa pessimista é que inovação existe no vocabulário, mas o Brasil pratica muito pouco. A indústria não inova, com raras exceções. As montadoras rejeitam o carro elétrico porque não querem fazer ajustes no mecanismo – lá fora está está aprovada por lei a suspensão de veículo automotor em alguns países importantes. A gente corre o risco de ser o paraíso do atraso, usando tecnologias do século XX em pleno século XXI. Mudança assusta e é um desafio cultural.
Mas sou otimista porque não temos opção. Temos novas gerações que não se sentem confortáveis no ambiente mórbido de perguntas sem resposta com relação a questões ambientais. Se eu tivesse 20 anos eu estaria num coworking buscando parcerias, novas ideias. É inacreditável a facilidade que essa garotada, do nada, cria patentes. Quem está chegando já vem encarando os desafios.
Fabrício Rodrigues, editor do portal SC Inova, é jornalista com especialização em Gestão Empresarial. Atuou durante 12 anos como coordenador em agências de assessoria de imprensa (Dialetto e PalavraCom), foi repórter em jornais como Gazeta Mercantil SC, A Notícia e Folha de S. Paulo e editor de sites de cultura desde os tempos da Internet discada. www.scinova.com.br / E-mail: scinova@scinova.com.br
(Acontecendo Aqui, 15/06/2018)
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