O verão acabou, mas cerca de 20 famílias indígenas ainda permanecem de forma improvisada no terminal desativado do Saco dos Limões (Tisac), em Florianópolis. Elas têm até o dia 30 de maio para deixar o local, conforme determinação da Justiça Federal. No entanto, já vivem a agonia da incerteza com relação à próxima temporada. A prefeitura tem um projeto para aquele espaço que não contempla os índios: a construção de uma casa de acolhimento para idosos e crianças.
— Nós não vamos sair daqui enquanto não for definido um local certo e adequado para os índios. Se eles querem nos tirar, vão ter que ajeitar um bom local pra nós — sustenta Adecir Farias, de 45 anos, que veio da aldeia Votouro, em Benjamin Constant (RS).
— Se não tivermos onde ficar, eu volto pra de baixo do viaduto, como eu e nosso povo já fizemos tantas vezes — afirma a jovem índia Marizete Gaudino, de 23 anos, que veio de uma aldeia de Laranjal do Sul (PR) e já viveu sob o elevado Dias Velho com a filha de colo.
Resistem no Tisac pouco mais de cem índios caingangues vindos dos três estados do Sul do Brasil, sendo dezenas de crianças pequenas. Eles dormem em barracas de campanha da Defesa Civil e sofrem com falta de estrutura. Quando chove, alaga tudo. Não tem cozinha, o chuveiro é frio e o mato crescendo em volta traz animais como ratos e cobras. Resquícios do incêndio criminoso no local em 2017, como fuligem nas paredes, permanecem. O auxílio com cestas básicas e vale-transportes, que era providenciado pela Funai, foi suspenso.
Índios Caingangues não poderão se instalar no Tisac no próximo verão de FlorianópolisA prefeitura apresentou um projeto para o terminal desativado que não contempla a presença dos indígenas, que vivem uma agonia
Prefeitura X Funai
Em novembro de 2017, a Justiça Federal determinou que União, Funai, prefeitura e Estado criassem um grupo de trabalho para definir a construção de uma casa de passagem para os indígenas. A decisão também obrigou os órgãos a providenciarem um local adequado para acomodar os indígenas. A questão está judicializada: a prefeitura defende que essa é uma obrigação da Fundação Nacional do Índio. Já a Funai sustenta que é o Município que deveria fazer. A última reunião deles foi na sexta-feira passada (27/04), coordenada pela procuradora da República Analúcia Hartmann, do Ministério Público Federal.
— É fundamental que nós discutamos todas as possibilidades para solucionar esse problema, que se repete há anos na cidade, para não sermos mais uma vez obrigados a correr na última hora para conseguir um local viável, com condições mínimas de higiene e segurança, para hospedagem dos indígenas que vêm a Florianópolis todos os anos do interior catarinense vender seu artesanato durante a temporada de verão — disse Analúcia.
Para secretário, comunidade depredou o Tisac contra presença dos índios; prefeitura quer levá-los para o Rio Vermelho
O secretário municipal de Cultura, Esporte e Juventude, o coronel Márcio Alves, também esteve no encontro. Ele sugeriu hospedar os caingangues no camping do IMA/Fatma do Rio Vermelho na próxima temporada já que, segundo ele, a comunidade do Saco dos Limões estaria incomodada com a presença dos índios. Ele afirmou, inclusive, que teriam sido pessoas do bairro que invadiram e destruíram o Tisac, segundo ele, para que não voltassem. A prefeitura alegou à época que os danos foram causados por baderneiros e usuários de drogas.
A ideia inicial do Município era criar no Tisac uma incubadora de startups de tecnologia, projeto da Secretaria de Turismo, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. No entanto, o destino será mesmo uma casa de acolhimento. A verba já está garantida através de uma emenda parlamentar. Quanto aos índios, a secretária se Assistência Social, Katherine Schreiner, também concorda que a melhor opção é levá-los para o camping do Rio Vermelho.
— É um local que tem espaço para as crianças brincarem. E lá já tem cozinha e banheiros. O município poderia pagar as diárias dos índios para a Fatma. Além disso, é perto das praias, que é onde eles fazem a venda do artesanato.
Funai quer a casa de passagem no Tisac
A Fundação Nacional do Índio, por sua vez, defende que seja feita a casa de passagem no mesmo terreno onde fica o Tisac. A coordenadora regional da Funai em Santa Catarina, Marilinda Cuesta, sustenta que o terreno é suficiente para os dois projetos.
— O processo está parado porque o Município e o Estado não chegam a um consenso. Cada vez que a prefeitura participa tem um novo projeto. Mas aquela área é imensa. São 32 mil hectares ali, caberiam várias coisas.
Sobre a falta de cestas básicas e passe de ônibus, ela alegou que a Justiça não obrigou a entidade ao fornecimento desses itens.
No meio dessa celeuma, ficam os índios. O seu Adecir Farias adianta que, independentemente da decisão dos poderes, na próxima temporada eles virão para Florianópolis novamente.
— É tão simples. A gente só quer um espaço pra ficar e vender nosso artesanato. Nós vamos brigar na Justiça!
(Hora de Santa Catarina, 03/05/2018)
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