Pesquisa revela opinião de passageiros sobre escala teste de cruzeiros em Florianópolis
02/04/2018
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Assoreamento e pouca informação sobre o relevo marinho são ameaça ao turismo náutico

Vistas de cima, ou de algum ponto mais alto e privilegiado, as baías Norte e Sul, que separam a Ilha de Santa Catarina do Continente, são belos espelhos d’água que ora se pintam de azul, ora dão lugar a um tom barrento que decorre da movimentação violenta das ondas provocada pelos ventos e marés. Um observador menos avisado poderia supor que essa vastidão de água se deposita sobre um fundo homogêneo, porque isso é o que dá a entender o primeiro olhar. No entanto, como se viu na chegada recente de um navio de cruzeiro (e das discussões geradas pelo fato em relação ao calado das baías), a topografia no fundo do mar interior reserva uma surpresa atrás da outra.

A primeira disparidade está na comparação entre os pontos mais rasos, de menos de dois metros, e a porção mais profunda, que chega a 29 metros. A baía Norte, com nove quilômetros de largura quando se abre para o oceano, é mais rasa, em regra, que a Sul, onde a entrada para o mar aberto é de 1.715 metros. Na parte norte, o canal central tem entre quatro e cinco metros de profundidade média, mas há trechos com três metros, próximo às orlas da Ilha e do Continente. É aí que entra a questão dos navios – o local onde o MSC Preziosa parou tem 12 metros de fundura, mas ali perto há pontos com sete metros, o que poderia impedir o avanço em direção a um ponto mais próximo do trapiche de Canasvieiras.

No Sul, ao contrário, não é incomum o calado bater nos 22 metros. A falta de um levantamento náutico atualizado impede que se estabeleça com precisão o tamanho das embarcações que podem cruzar as duas baías, ou passar de uma para outra, por exemplo. A carta náutica existente é de 1957, ou seja, já tem mais de 60 anos e pode estar defasada. “Nossas baías estão muito assoreadas”, decreta o presidente da Acatmar (Associação Catarinense de Marinas e Garagens Náuticas), Leandro ‘Mané’ Ferrari. Ele navega e, como muitos outros do ramo, sabe como desviar dos bancos de areia onde a profundidade, excepcionalmente, não passa de 80 centímetros. A questão é a dos grandes navios e mesmo de embarcações médias, que podem ter problemas para manobrar nas baías.

Nas enseadas e reentrâncias, como na região do Saco dos Limões, o espelho d’água é extremamente fino. Publicado no ano passado, o Estudo Complementar para Implementação do Plano de Ordenamento Náutico do Município de Florianópolis mostra que cerca de 40% das baías têm profundidade inferior a dois metros – caso da orla na altura do CentroSul, onde se pretende implantar um atracadouro para o desembarque de passageiros. Funduras na faixa de oito a dez metros representam pouco mais de 10% do total.

Rios depositam muitos sedimentos nas baías

Só com um novo levantamento hidroviário será possível determinar a real situação dos canais de navegação nas baías. “A cidade poderia passar a receber superiates, um mercado em crescimento, e lucrar com a chamada economia do mar”, diz Mané Ferrari, cobrando mais rapidez no projeto que resultará na batimetria e em uma nova carta náutica. De sua parte, o oceanógrafo Alexandre Mazzer, responsável pelo estudo citado, encomendado em 2017 pela associação FloripAmanhã, informa que não há obstáculos para o transporte de passageiros, mas para navios de grande porte falta calado nas baías. “Há areia, argila, lama e cascalho que se depositam e criam elevações no fundo do mar”, afirma.

A dragagem de partes das baías é a alternativa caso Florianópolis – que já foi sede de um porto importante – deseje mesmo se tornar um destino do turismo náutico. Mané Ferrari calcula que será necessário despender R$ 1,2 milhão só para fazer o estudo que resultará na futura carta náutica. Porém, é preciso pensar nos investimentos em infraestrutura, como atracadouros, cais, fundeadouros, berços de atracação. As chuvas e enchentes, para não falar nos ventos e no próprio movimento das marés, trazem muitos sedimentos para as baías. Rios como o Biguaçu, o Cubatão, o Imaruí, o Aririú e, na Ilha, o Tavares e o Ratones, que nem sempre são filtrados por manguezais (caso do rio Itacorubi), carregam materiais que vão se depositando no fundo, interruptamente.

Por causa das correntes, parte dos sedimentos também vai para foras das baías, mas a principal tendência é acumular mais do que exportar esses materiais para o mar aberto. Ou seja, mesmo a prosaica ideia de dar um mergulho deve sempre ser bem medida, porque logo abaixo da superfície da água podem estar um banco de areia, pedras e sedimentos acumulados pela vazão dos rios da região.

Levantamento aponta diferenças no relevo marinho - Divulgação/ND

Onde as marés do Sul e do Norte se encontram

O oceanógrafo Alexandre Mazzer diz que na foz do rio Cubatão, em Palhoça, houve ao longo dos anos uma grande deposição de partículas, razão pela qual a profundidade, ali, não passa de cinco metros. Um fenômeno interessante é o chamado “tômbolo do Cubatão”, porque a desembocadura coincide com o ponto onde se encontram as marés que vêm do oceano, originando uma onda estacionária. Diz o documento produzido pela Magnitude Mare, empresa que Mazzer administra: “Na região, também conhecida como tombo da maré, as correntes são fracas, pois os gradientes de nível d’água, responsáveis por movimentar a água, são igualmente fracos nessa zona”.

Como o rio deságua numa área de poucas correntes, as substâncias que traz acabam não sendo transportadas para fora pelo efeito da maré. Estudos de hidrodinâmica da baía mostraram que após um mês de circulação da maré as partículas lançadas na baía não haviam chegado ao oceano, permanecendo nas proximidades da foz do rio. Também descobriu-se que as águas empurradas pela maré do sul chegam 50 minutos antes que as que vêm do norte. “Isso aumenta a sedimentação, por causa do pouco movimento de correntes”, ressalta Mazzer. “As correntes de maré são mais intensas na região do estreitamento central e nas proximidades da desembocadura sul da baía”, assinala o relatório feito pelo oceanógrafo. Na proximidade das pontes, a profundidade é de cerca de 21 metros.

A presença de sedimentos finos na baía Sul deve-se muito aos rios Tavares e Cubatão, enquanto o Saco dos Limões é uma reentrância com baixa energia aerodinâmica, o que favorece a deposição de materiais no fundo do mar. Além disso, até hoje não houve uma batimetria que levasse em conta a construção do aterro da Via Expressa Sul, que mudou a linha da costa e afetou a vida marinha na região. Por outro lado, o material que vem com os rios e a importação de sedimentos por meio das marés tornam a água do Sul boa para a maricultura.

Operadores esperam por estudos atualizados

As baías têm 420 quilômetros quadrados (240 quilômetros a Norte, 180 quilômetros a Sul) e potencial para a instalação de marinas, mas também aí há óbices, como as zonas classificadas como “sensíveis”, as unidades de conservação e as APPS (áreas de preservação permanente). A unidade de Carijós inviabiliza qualquer projeto numa ampla parte da baía Norte, que inclui o entorno e onde a proteção é integral. A Ilha de Santa Catarina conta hoje com 312 estruturas de apoio náuticas, como rampas de acesso, trapiches e plataformas de embarque/desembarque, mas mais da metade está na Lagoa da Conceição.

O Estudo Complementar para Implementação do Plano de Ordenamento Náutico do Município de Florianópolis aponta cinco áreas situadas em ambientes litorâneos com alto potencial para projetos náuticos: a embocadura da baía Sul, a costa da Caieira do Ribeirão da Ilha, a ponta da Caiacanga e adjacências, o canal de conexão entre as baías, incluindo a porção adjacente às avenidas Beira-mar Norte e Beira-mar Continental, e setores da costa Noroeste da Ilha, entre o pontal da Daniela e o Sambaqui.

Leandro ‘Mané’ Ferrari, que também responde pela gerência aquaviária da Secretaria de Estado de Infraestrutura, diz que desde 2013 vem pleiteando financiamento para atualizar os dados de batimetria e fazer uma carta náutica fiel ao cenário do momento. “Isso permitirá saber onde se pode chegar, o tamanho das embarcações que podem entrar nas baías e onde situar os projetos de marinas, além de sinalizar o canal”, afirma. Nesses cinco anos, o país teve quatro ministros do Turismo, que receberam as reivindicações dos operadores e autoridades, porém nenhum deles conseguiu atender aos pleitos catarinenses.

(ND, 31/03/2018)

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