Quando instalou-se na Servidão Laurindo Silva, no distrito de Ingleses do Rio Vermelho, em Florianópolis, há 20 anos, a moradora Claudete Pagno, 46 anos, não teve problema para fazer as instalações de água e luz na casa dela. Dez anos depois, a irmã, que construiu no terreno ao lado, não conseguiu fazer a ligação de energia, uma vez que houve mudança no Plano Diretor (que organiza a ocupação do território).
A servidão onde a Claudete mora é reconhecida oficialmente até a metade. A área onde ela vive e há novas construções em andamento não faz parte do mapeamento municipal. Só que a oficialização do trecho, que não tem pavimentação e rede de esgoto e termina numa área verde, está em trâmite na Câmara de Vereadores com outras 54 ruas, cuja aprovação é feita por meio de projeto de lei. Parte das propostas é para oficializar extensões de ruas como a Laurindo Silva, outra, inclui ruas inteiras.
“Eu não sabia que estava tramitando na Câmara, mas vai ser bom (se for aprovada), assim podemos conquistar melhorias”, acredita a moradora.
Além dos projetos de lei que estão tramitando, a reportagem do OCP News apurou que há quase 400 propostas semelhantes arquivadas na Casa. O que freou a oficialização de ruas foi um parecer do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) encaminhado à Câmara em 2007, assinado à época pelo promotor Rui Arno Richter.
O ofício pediu abstenção das propostas que pretendiam deliberar sobre o “uso e ocupação do solo sem prévia informação documental da empresa responsável pelo saneamento do município sobre a viabilidade de adequada disposição dos esgotos decorrentes de novas ocupações”. Na ocasião, a Procuradoria-Geral da Câmara orientou os parlamentares de que o parecer do MP estava de acordo com a legislação.
Hoje, quem acompanha o caso é o promotor do Meio Ambiente, Alceu Rocha. Um inquérito civil foi aberto em 2015 para apurar irregularidades nas esferas ambiental e de moralidade. Rocha explicou, por meio da assessoria de imprensa, que a preocupação do MP é com as ruas que são abertas em áreas de preservação permanente (APP) e áreas de preservação com uso limitado (APL).
“Se as ruas são irregulares, não podem ser erigidas edificações nelas (as construções precisam estar em uma “via oficial” para serem autorizadas pela Prefeitura). O problema é que a Câmara cria e aprova projetos de criação oficial dessas ruas, as tornando oficiais, sem essa observação se a rua está em APP ou APL”, defendeu Rocha, via assessoria.
De acordo com o procurador-geral da Casa, Antonio Chraim, a maioria dos projetos está arquivada em razão da legislação. Porém, o representante jurídico lembra que a questão das ruas é delicada, pois lida com a proteção do meio ambiente e com a vida das pessoas que já estão consolidadas em determinadas áreas, mas vivem sem os equipamentos públicos básicos.
“Existe a compreensão da Comissão de Justiça sobre o tema, se o projeto de lei não vier dentro da aceitação da Procuradoria e do setor de engenharia, o processo é arquivado ou suspenso. Está agindo com legalidade, mas tem o aspecto humano dessas pessoas”, destacou Chraim.
Uma reunião está prevista para ocorrer nesta semana entre o MP e a Câmara. Apuração interna da Casa sobre a legalidade das nomeações deve ser apresentada. Parlamentares ouvidos pela reportagem também afirmaram que os tramites de ruas em áreas irregulares estão parados em função da recomendação.
(OCP News, 21/03/2018)
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