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Guarda-vidas entregam lista de reivindicações ao Corpo de Bombeiros de Santa Catarina

Uma lista de reivindicações foi entregue pelos guarda-vidas voluntários que atuam nas praias de Santa Catarina durante a temporada de verão ao Corpo de Bombeiros Militar (CBM-SC) nesta semana. Entre as reclamações feitas pelos profissionais está o tipo de contrato – firmado através de termo de adesão –, a carga horária de 12 horas sem pausa para alimentação prevista e o valor da hora trabalhada – cuja ajuda de custo correspondia a R$ 125 por dia. Parte dos pedidos já foi atendida: está regulamentada a pausa para refeições e o valor diário reajustado para R$ 150. Mas ainda há questões em discussão, principalmente referentes à relação de trabalho.

— Não preenche as características de um serviço feito por convicção pessoal, com fim social ou educativo. Os guarda-vidas têm carga horária definida, são subordinados ao comando militar com regras rígidas, têm admissão, demissão e inclusive processo seletivo. A diária também não preenche a característica do voluntariado porque, embora digam que seja para necessidades de alimentação e transporte, ela tem um caráter de salário: eles pagam a cada 30 dias e não exigem prestação de contas. Na verdade, conclui-se que o Estado de Santa Catarina utiliza essa forma de contratação por ser a mais barata — critica a advogada da Associação dos Profissionais de Salvamento Aquático de Santa Catarina (Apsasc), Luciana Theis.

Na última terça-feira, representantes da Apsasc estiveram na sede do CBM-SC para entregar a carta de reivindicações ao comando operacional. Além do aumento da diária, que já foi sancionado pelo governador, os guarda-vidas cobram a melhoria de diversos postos, a entrega adequada de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), o pagamento da ajuda de custo em até 10 dias após o término da escala e a “implantação de benefícios básicos”, como horário de pausa para refeições.

O Corpo de Bombeiros afirma que irá atender a demanda na medida do possível, e que, além do aumento da diária, no primeiro momento está garantida a pausa para refeições. Porém, apesar de os voluntários também apontarem a caracterização de um possível vínculo empregatício, o que garantiria outros direitos trabalhistas, a corporação afirma que é inviável arcar com os custos de contratações efetivas. Por isso, a alternativa encontrada foi a atuação do modelo voluntário, em que pessoas da comunidade são treinadas para atuar na segurança dos balneários durante os meses de verão.

— Não é um emprego público, não temos essa possibilidade nem o interesse em fazer a contratação. É uma ocupação comunitária baseada em lei federal de serviço voluntário. Abrimos edital, recebemos e treinamos essas pessoas. Perguntamos quem quer aderir ao serviço, ninguém é obrigado — afirma o coronel Cesar Assumpção Nunes, comandante da 1ª Região do Corpo de Bombeiros Militar, que compreende todo o litoral catarinense.

Do orçamento de R$ 33 milhões que o governo estadual destina para a Operação Veraneio, cerca de R$ 16 milhões vão para a estrutura de prevenção e atuação direta nos balneários, incluindo a contratação dos guarda-vidas. A Apsasc reconhece que o orçamento é “apertado”, mas contesta o regime de trabalho nestas condições.

— Os guarda-vidas vivem um limbo jurídico. Não são CLT porque a lei não permite, mas existem outras formas de contratação que poderiam ser feitas, como os terceirizados ou a temporária. Da forma como está, eles não têm vínculo de previdência nenhum, nunca vão se aposentar. Santa Catarina tem um dos maiores orçamentos provenientes do Turismo e o Estado não se propõe a ter um efetivo mais concreto. Evidentemente não poderia contratar 1,4 mil salva-vidas de maneira fixa, mas o Estado também não pode lavar as mãos para a situação deles e deixá-los nesse limbo jurídico — comenta Luciana.

O governo do Estado, por sua vez, afirma que “o edital que permitiu a contratação destes profissionais teve seu trâmite normal, passando pela Consultoria Jurídica da Secretaria de Segurança Pública e do CBM até chegar ao gabinete do secretário para sua aprovação”. Acrescenta, ainda, que “qualquer alteração será bem vinda e objeto de análise para posterior encaminhamento ao Grupo Gestor do Estado”.

Rotina exaustiva e falta de materiais para trabalho

A sobrecarga de trabalho e a caracterização de vínculo empregatício foram dois dos principais problemas apontados por guarda-vidas que atuam na Grande Florianópolis e Litoral Norte. Voluntários relatam que assim que assumem o posto, às 8h, precisam mandar uma foto para o comandante. Às 20h, quando fecham o posto, mandam outra:

— É como bater ponto.

Em pesquisa acadêmica publicada em 2017 pelo educador físico Rafael Noronha Costa Valle, formado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 16 guarda-vidas da praia dos Ingleses, na Capital, responderam questões sobre as condições de trabalho. Apenas 37,5% disseram estar satisfeitos. Além disso, 62,5% dos entrevistados afirmam não dormir, no mínimo, oito horas por dia, 81% dizem não se alimentar bem durante a jornada e 68,7% não estar preparados para o nível de responsabilidade assumida.

Os voluntários também relataram a falta de EPIs, como óculos de sol e nadadeiras.

— Nos dias frios, não podemos usar casaco de fora, mas eles não fornecem. O apito e a nadadeira que uso aqui todos os dias fui eu mesmo que comprei — comenta um guarda-vida da praia do Moçambique, em Florianópolis.

Neste local, os voluntários cobrem uma faixa de areia de 13 quilômetros sem o auxílio de quadriciclo ou outro transporte.

— Por lei precisamos salvaguardar 200 metros para cada lado do posto, mas se tem ocorrência a 1,5 quilômetro, como a gente não vai? — questiona um guarda-vida, que afirma que muitas vezes contam com ajuda de populares para locomoção.

O coronel Nunes justifica:

— São equipamentos de elevado custo e que estão sendo gradativamente adquiridos.

Em Jurerê, também na Capital, há outros relatos:

— Outro dia um banhista teve uma luxação no joelho. A gente precisava fazer a remoção, mas não tinha maca para transportá-lo. Também não temos equipamento pra medir a pressão, e olha que tem muita gente de idade que sofre com o calor. Não é só salvamento aquático, também lidamos com insolação, desidratação, acidentes com bolas, cacos de vidro, hipertensão. As pessoas veem a gente como autoridade, como a pessoa que vai cuidar delas em qualquer situação — relata um voluntário.

O Corpo de Bombeiros reconhece a precariedade de parte dos postos, principalmente dos 38 posicionados entre Itapoá e a Baía da Babitonga, no Litoral Norte, assim como em parte das praias de Florianópolis.

— Em muitos casos, não temos aporte financeiro e as características da cidade e do meio ambiente não permitem uma melhor estruturação dos postos. Tem lugares que não conseguimos puxar água ou energia. Sabemos da importância disso, a prioridade número um deles é a satisfação com o ambiente de trabalho, mas nem sempre é possível — afirma o coronel Nunes.

Postos precários

Os postos das praias de São Francisco do Sul têm banheiro e água, mas as condições de uso são ruins, de acordo com um guarda-vida que trabalha na região há seis temporadas.

— O CBM-SC já não dá água potável para tomar, só da ducha mesmo, quando tem. Tem banheiro, mas está todo arrebentado. Se entupir a privada, demoram no mínimo 10 dias para arrumar. Eles arrumaram os postos em outubro, mas na verdade a melhoria é só a pintura por fora.

Na Praia do Forte, em Florianópolis, a corporação até tentou construir um novo posto com acesso à energia elétrica e água encanada, mas a estrutura está prestes a cair. Com isso, os guarda-vidas trabalham sentados na areia, embaixo de um guarda-sol, com o material de primeiros socorros, roupas e alimentos.

— Só pelo desenho da praia já dá para ver que o posto está no lugar errado, porque tem ponto cego. Além disso, está em um alagadiço, por isso começou a ceder. Não tem condições de ficar lá, o risco é grande. Ficamos 12 horas embaixo do guarda-sol, o almoço é aqui mesmo. Pego a marmita torcendo pra não ter ocorrência — denuncia um guarda-vida.

Sobre este posto, o tenente coronel Helton de Souza Zeferino, comandante do 1° Batalhão de Bombeiros, que abrange as praias de Florianópolis, explica que no inverno foi desmontado e reconstruído com estacas mais profundas devido à ressaca que atingiu várias praias. Porém, com a amplitude de maré, o posto ficou com toda a base dentro da água. A estrutura está interditada e a empresa que construiu está avaliando a solução.

Lista de reivindicações — O que pedem os voluntários e quais as respostas do Corpo de Bombeiros:

Vínculo empregatício: Ao serem aceitos para a função, os profissionais precisam assinar um termo de adesão que indica que a atuação é voluntária. Além da função de guarda-vidas, os voluntários são incumbidos de outras quatro atividades, como auxiliar na manutenção e limpeza de viaturas e equipamentos. Há, ainda, a indicação de que o voluntário está ciente da exposição à insalubridade, periculosidade e ao risco de morte. Também não há menção à carga horária ou à pausa para refeições. Os únicos direitos previstos no contrato, além do “ressarcimento das despesas efetuadas com alimentação e transporte”, são a cobertura de despesas em caso de acidentes e a pensão em caso de invalidez.
O que diz o Corpo de Bombeiros: Como se trata de uma atividade voluntária, não há regras trabalhistas a serem cumpridas. Toda a atuação dos guarda-vidas civis é feita mediante livre adesão. Quando aceitam cumprir a demanda das praias, estes o fazem de livre vontade, mediante assinatura de um termo de compromisso.

Escala de 12 horas sem pausa para refeições
O que diz o Corpo de Bombeiros: As escalas são optativas para algumas praias de 12 ou de seis horas. No caso de 12, foi acatado o pedido para 1h30min de almoço e 30 minutos de lanche à tarde. A atividade é amparada pela lei do voluntariado e pela lei estadual 13.880/2014 e regulamentada pelo decreto 1.333 de 2017.

Falta de água, energia, banheiro e equipamentos nos postos
O que diz o Corpo de Bombeiros: “Tenho 34 temporadas no litoral catarinense e vi que houve muita evolução nesses anos. Estamos planejando 2019 já com medidas de reestruturação do que estamos fazendo hoje. Em Governador Celso Ramos, por exemplo, temos uma enorme base, com banheiro, cozinha, garagem para jet ski e quadriciclo. Tem postos mais deficitários, como os 38 postos que ficam entre Itapoá e a Baía da Babitonga. Em muitos casos, não temos como providenciar isso (água, energia e banheiro), porque não temos aporte financeiro e as características de algumas cidades e do meio ambiente não permitem. Não é uma coisa fácil, em muitos lugares não conseguimos puxar água. Estamos trabalhando em uma nova modalidade de posto baseado em contêiner, como em Itajaí. A falta eventual de equipamentos para alguns postos pode acontecer. São mais de 400 postos espalhados pelo estado e, em virtude do uso diário, alguns equipamentos podem ser perdidos ou ficam desgastados. Apesar de toda logística empenhada pelo CBM-SC para abastecimento dos postos, pode levar alguns dias para a reposição. Além disso, alguns materiais exigem compra. Nesse caso, a burocracia faz com que a espera possa ser ainda maior”, afirma o coronel Cesar Assumpção Nunes.

(DC, 02/02/2018)

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