Por Diogo Vargas (NSC, 21/02/2018)
Não é de hoje a sombra da comparação de Florianópolis com o Rio de Janeiro no quesito violência. Essa sensação talvez nunca tenha sido tão forte entre a população quanto agora. Principalmente aos habitantes de comunidades tomadas pelo tráfico, envoltas em tiroteios, assassinatos e ataques nas ruas.
Tentativas de arrastão na Via Expressa, na entrada e saída da Capital, incêndios contra veículos de passeio e ameaças da ação de criminosos em pontos movimentados agravaram o receio. Mas a comparação com a capital fluminense existe mesmo ou pode ser algo do imaginário diante da temerosa realidade nacional? Há divergências, assim como ocorre quanto à intervenção federal. Uma corrente de especialistas acredita que sim, e outra que não. Nos bastidores do meio policial, a vertente é grande sobre a preocupação da suposta perda de controle no futuro pelas polícias. O assunto foi tratado em conversas informais entre autoridades ou com jornalistas na própria posse do secretário de Segurança, Alceu de Oliveira Pinto Júnior, para quem as realidades das duas capitais são bem distintas.
– Florianópolis já é chamada entre a gente de Mini Rio faz tempo – diz um policial civil que investiga o tráfico de drogas há mais de 10 anos.
E não apenas pela semelhança geográfica, os morros próximos dos lugares de classe média e a evidente desigualdade social. Acima de tudo por fatores como o tráfico de drogas, o crime organizado em expansão, a banalização da violência e as políticas públicas por décadas deixadas de lado nas áreas economicamente menos favorecidas.
Florianópolis sofre com a ação de duas facções criminosas e uma legião de jovens e adolescentes dominados pelo mundo “vida loka” das drogas, armas e um falso glamour do crime. A rivalidade entre uma facção catarinense, criada no sistema prisional estadual no começo dos anos 2000, e outra paulista eclode com força no Continente e norte da Ilha.
No passado não foi assim. A história da crônica policial revela que até o final dos anos 1990 reinava certa tranquilidade no meio criminoso local. Havia um grande traficante, o carnavalesco João Vitório da Fonseca, o Baga. Ele foi assassinado em 16 de agosto de 2000 na Avenida Mauro Ramos e, desde então, a cidade passou a conviver com conflitos e a matança na guerra do comércio de entorpecentes.
Vários patrões da droga se mantiveram por anos como lideranças criminosas das comunidades até serem presos. Um deles, Sérgio de Souza, o Neném da Costeira, até hoje atrás das grades e apontado como pivô de série de assassinatos entre jovens nos anos 2000 em diante. De lá para cá, o pico da violência se deu entre 2012 e 2014, tendo como protagonista a facção catarinense. O bando se proliferou nas cadeias e passou a aterrorizar o Estado após queixas de abusos e tortura nas prisões e também como retaliação à forte ação policial feita nos últimos anos.
Houve importantes avanços nas estratégias e operações em conjunto das forças de segurança, as polícias e o sistema prisional. Só que ações sociais, políticas públicas, serviços básicos, educação, saúde, saneamento e urbanismo nas áreas carentes, como Monte Cristo, Chico Mendes, Morro da Caixa, Papaquara, Vila União, Siri, nunca aconteceram em níveis significativos. Faltou um plano macro de segurança que evitasse a ida de adolescentes para as facções, especialmente nas áreas periféricas e também nos morros do Maciço, na região central. Assim, sem o Estado e a lei de fato, entraram os criminosos para ditar suas normas e condutas.
Em 2017, Florianópolis alcançou a taxa de 30,7 homicídios por grupo de 100 mil habitantes, três vezes mais que o aceitável pela Organização Mundial da Saúde. Um recorde absurdamente alarmante. A taxa também está muito próxima à do Rio de Janeiro, que foi de 32,5 mortes por 100 mil habitantes no ano passado. Na Capital catarinense começam também a aparecer cada vez mais fuzis, a arma de guerra que se proliferou nos morros do Rio e apavora qualquer um. Houve chacinas, confrontos cada vez mais intensos entre polícia e bandidos, execuções em cartões postais como o Mercado Público e a Beira-Mar Norte.
Por outro lado, a questão das milícias, as mortes de policiais e a corrupção nas polícias deixam o Rio em uma situação bem mais catastrófica. Não que isso sirva para desacelerar medidas de impacto. É preciso agir rapidamente, pois famílias desestruturadas, crianças fora da escola e desempregabilidade podem ser inimigos curtos. À polícia, cabe mais uma vez identificar, prender e isolar os chefões que estão por trás dos mandos e desmandos e não trancafiar somente os pequenos envolvidos.
***
Profissionais opinam sobre a comparação entre a violência em SC e no RJ:
“Eu diria que a comparação é real, guardadas as devidas proporções. A intervenção federal gera preocupação, pois a criminalidade tende a se proliferar. Temos coisas boas, Florianópolis tem potencial fantástico de turismo, um povo cordial, as instituições privadas e entidades lutando por educação. Há esperança”. Padre Luiz Prim, atua há 30 anos com dependentes químicos na Grande Florianópolis.
“Nós não nos tornaremos um Rio de Janeiro. Nossa população é diferente, com índices médios de escolaridade superiores, presente religiosidade e marcantes tradições familiares de miscigenação de etnias europeias. Nossas polícias também são diferentes e o Rio de Janeiro sofre com a corrupção endêmica em sua estrutura estatal, do topo à base, o que piora muito sua condição. Dizer não às drogas é essencial para a redução do poder econômico do tráfico. Ou seja, a população também precisa fazer a parte dela”. Eugênio Moretzsohn, analista de segurança.
“Há que se contemplar a máxima de que todo grande problema começa com uma pequena causa. Aplicando ao caso da segurança, todas as comunidades que estão tomadas pela criminalidade tiveram pequenos delitos que foram negligenciados pela família ou por outra instituição interessada na paz social e que autorizou a evolução até o atual estágio. É necessária a repressão objetiva, inteligente, planejada, coordenada e controlada aos focos instalados de anomia, onde a ausência da supremacia da norma legal permite violências de todas as naturezas”. Coronel da reserva Nazareno Marcineiro, ex-comandante geral da Polícia Militar de SC.
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