De um lado, o morro de garapuvus e de mata secundária, regenerada após décadas e décadas de uso agrícola. De outro, o mar remansoso da baía Sul e, mais adiante, as vilas e morros do Continente, com o Cambirela reinando soberano. Entre os dois pontos, um espaço que nativos, turistas, estudantes e pesquisadores visitam para buscar informações e elementos sobre a memória de Florianópolis, por meio de velhos equipamentos de produção de bens de subsistência, como engenhos e instrumentos de pesca, e referências ao cotidiano dos colonizadores, incluindo vestimentas, louças, potes e balaios de tipiti utilizados no preparo da farinha de mandioca. Este é o Ecomuseu do Ribeirão da Ilha, criado em 1971 pelo professor e pesquisador Nereu do Vale Pereira numa propriedade cujas edificações pioneiras remontam ao ano de 1793.
Aberto de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, e com acervo de mais de três mil peças, o museu abriga um precioso presépio confeccionado por uma escrava em 1813 a partir do aproveitamento de objetos locais como ramos de algodão, conchas, insetos e escamas de peixe, além de referências ao sincretismo religioso que misturam um cavaleiro de São José e o Rei Preto do candomblé no mesmo cenário. “Nossa casa mostra o modo de vida dos imigrantes e o dia a dia das antigas famílias, através de um acervo de objetos da comunidade do Ribeirão”, diz a museóloga Cristina Maria Dalla Nora, responsável pelas visitas guiadas agendadas previamente. Ela é neta de Vale Pereira e conta que muitas peças foram doadas por famílias do lugar, como a de Alécio Heidenreich, o mais antigo componente da Banda da Lapa e que é uma referência da história do bairro.
Para dar mais verossimilhança aos relatos feitos pela museóloga a quem visita o ecomuseu, em especial os estudantes, a casa mantém em funcionamento, na época da colheita da mandioca (nos meses de inverno), um engenho com todos os apetrechos necessários para a produção da farinha. Ali se faz a ceva, a prensagem e o forneamento da pasta, num processo que os colonizadores açorianos herdaram dos indígenas, mecanizando com o engenho movido a bois uma prática que era inteiramente manual. “Para as crianças, é uma visita mais lúdica, porque mostramos coisas de outra época, uma atividade que não existe mais”, afirma Cristina.
Ao lado pode ser visto um engenho de cana que produzia açúcar para consumo das famílias e cachaça para vender na região. Um tear manual é outra peça de destaque e traz à memória o tempo em que as mulheres plantavam algodão perto de casa e utilizavam pequenas engenhocas para descaroçar a matéria prima, usar a roca para produzir o fio e levá-lo para o tear, numa espécie de manufatura que ajudava no sustento doméstico. Isso passou a ocorrer após a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, porque até então, assim como livros, era proibido produzir bens que tirassem mercado das unidades portuguesas de manufatura.
O quarto do imperador
Não menos interessantes no Ecomuseu são peças que o tempo tornou obsoletas, como uma caixinha de música de 1876 e um gramofone de 1900, o primeiro de que se teve registro no Ribeirão. Há ainda duas mós de moinho trazidas de uma casa na freguesia onde havia uma queda d’água. Bairro historicamente devotado à pesca, não poderiam faltar ali objetos relacionados à atividade, com a diferença de que remetem a práticas bem artesanais. Há pesos de rede em cerâmica, descobertos por acaso no amplo terreno onde hoje está o Instituto Estadual de Educação, no Centro de Florianópolis, e cortiças que funcionavam como boias de rede, além de uma âncora (então chamada de chacho) feita de madeira e pedra e amarrada com uma corda de cipó.
(Veja Matéria completa em ND, 03/02/2018)
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