As cidades enfrentam continuamente a necessidade de se reinventar para responder às necessidades estruturais e às mudanças no contexto econômico. O conhecimento é um fator crucial para assegurar o crescimento sustentável de uma região, apresentando-se como um insumo que pode ser compartilhado, reutilizado e acumulado de forma ilimitada. Desse modo, uma vantagem competitiva para as cidades é atrair e reter talentos que produzam conhecimento e inovação por meio de sua criatividade, aspectos essenciais na economia contemporânea.
Assim, explorar as questões que determinam a distribuição geográfica do talento tornou-se inevitável nas duas últimas décadas, tendo sido pioneiro nessa área o pesquisador americano Richard Florida, autor da teoria da classe criativa. A classe criativa é formada por pessoas que agregam valor econômico por meio de sua criatividade. Enquanto a medida convencional do capital humano é baseada em níveis de escolaridade ou grau de formação, a teoria da classe criativa utiliza medidas baseadas em ocupações e habilidades efetivas dos indivíduos.
As cidades e a distribuição geográfica do talento
– Martin-Brelot et al (2010) dividiram a tese da classe criativa em seis afirmações básicas:
– Há um conjunto de profissões que desenvolvem tarefas criativas;
– Seus membros partilham características relativas às suas atividades e estilo de vida, formando uma classe;
– Esta classe é o principal motor do desenvolvimento econômico na atualidade;
– Ela tende a se concentrar em certas cidades, fazendo com que estas apresentem melhor desempenho econômico;
– Membros dessa classe são altamente móveis geograficamente;
– Seus membros são atraídos por fatores soft e, por isso, as cidades devem focar nestes fatores.
A classe criativa é composta por dois grupos de trabalhadores: um que compõe o núcleo hipercriativo e outro formado por um círculo mais amplo de talentos ou profissionais criativos. O primeiro grupo é representado por pessoas que trabalham em atividades essencialmente criativas, geralmente no campo científico ou na área de computação, matemática, arquitetura, engenharia, educação, artes, design, entretenimento e mídia. Essas pessoas são diretamente responsáveis pela geração de novos conteúdos, formas, projetos e produtos. O segundo grupo é representado por profissionais criativos que se dedicam a resolver problemas específicos ou complexos que exigem formação de alto nível. São profissionais que atuam em indústrias intensivas em conhecimento ou em finanças, saúde, gestão e direito, por exemplo. Eles podem criar e propor novos produtos ou métodos, mas essa não é uma atividade inerente à sua função.
A mobilidade geográfica da classe criativa e a escolha de seu lugar
Os integrantes da classe criativa são altamente móveis e por isso as cidades têm de se concentrar em desenvolver um clima para atrair e reter esse profissionais. Atrair os membros da classe criativa às regiões tem impacto na inovação e no desenvolvimento e atração de novos negócios. Sua mobilidade está ligada à busca por novas experiências, poucos vínculos afetivos e maior poder na escolha de moradia e trabalho devido à renda e qualificação mais altas. O quadro abaixo sintetiza quais são os principais fatores valorizados pela classe criativa na escolha de um lugar para viver e trabalhar:
Quadro 1 – Fatores de escolha da classe criativa por uma cidade ou região.
Mercado de trabalho amplo
Mercado condizente com o plano de carreira horizontal, pois os profissionais tendem a ficar pouco tempo no mesmo emprego.
Estilo de vida
Devido ao horário de trabalho flexível e imprevisível, é importante o acesso imediato ao lazer: cena musical, artística, tecnológica, esportiva e vida noturna.
Interação social
Espaço para interação em que possam preencher a lacuna de contato com outras pessoas, considerando sua propensão a viver sozinhos, postergar a formação de uma família e mudar de emprego com frequência.
Diversidade
Característica cosmopolita, onde qualquer indivíduo possa encontrar grupos de pessoas afins com quem se sinta à vontade, bem como grupos diferentes que lhe sirvam de estímulo.
Autenticidade
Proporcionar experiências singulares e originais, apresentando-se por meio de suas construções históricas, bairros de renome, figuras excêntricas e atributos culturais.
Identidade
O lugar transmite um status e por isso as pessoas querem se envolver na comunidade em que vivem e contribuir para que este reflita e legitime a sua própria identidade.
Qualidade do lugar
Características que definem um lugar e o tornam atraente à classe criativa:
– O que está lá: combinação entre ambiente construído e ambiente natural;
– Quem está lá: diversidade de pessoas e interação;
– O que está acontecendo: vitalidade das ruas, cultura dos cafés e artes, participação de atividades ao ar livre e empreendimentos criativos.
Fonte: elaborado por Depiné (2016) com base em Florida (2011).
O modelo convencional de desenvolvimento econômico se concentra na atração de empresas e investimentos, com políticas de abatimentos fiscais, terrenos, mínimo de regulamentação, entre outros; já o modelo de desenvolvimento econômico de cidades criativas, onde o ingrediente chave para o desempenho econômico é a inovação, se concentra na atração de talentos criativos e utiliza políticas de aumento da qualidade do lugar e amenidades como artes e cultura.
Classe criativa e as cidades criativas
Característica central da teoria da classe criativa é que os trabalhadores altamente qualificados com ocupações criativas ou intensivas em conhecimento são atraídos por comodidades como: denso mercado de trabalho, sociedade ativa, ambiente acolhedor e amigável, comunidade com mente aberta, recursos naturais e espaços verdes, serviços públicos de qualidade, cenário cultural e entretenimento em um contexto de tolerância que possibilita a diversidade.
Pesquisas têm demonstrado o forte impacto econômico da classe criativa no desenvolvimento urbano em diversos países e continentes, o que por si só demonstra a importância de atraí-la, mas elas também destacam o modo como a atuação dessa classe têm impacto nas mais diversas esferas da vida em sociedade. Quando uma cidade toma todo o potencial e capital humano disponível a seu favor e cria um ecossistema de inovação com uma dinâmica saudável de criação de empregos e novas formas de participação ou governança, ela então se torna uma cidade criativa.
Se interessa pelo assunto? Saiba mais em nossos atalhos do conhecimento.
*Esse post sintetiza o trabalho: DEPINÉ, Á. C.; ELEUTHERIOU, V. C. S. ; VANZIN, T. . Creative Class: how and why to attract it to the city?. In: V Congresso Internacional de Cidades Criativas, 2017, Porto. ACTAS ICONO14. V Congresso Internacional Cidades Criativas. Madrid: ASOCIACIÓN DE COMUNICACIÓN Y NUEVAS TECNOLOGÍAS, 2017. v. 2. p. 1162-1173.
Para acessá-lo em sua versão completa clique aqui.
Ágatha Depiné
Advogada dissidente e apaixonada pelo conhecimento. Dedica-se a pesquisar o direito à cidade, a participação cidadã, o conhecimento político e sua relação com o desenvolvimento urbano inteligente. Cidadã engajada em movimentos sociais para transformação urbana. Doutoranda e Mestra em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela UFSC. agathadepine@gmail.com
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