As fotos mostram trechos de mata e campo aberto, pequenos rios, trilhas, cânions, paredões de pedra, vales profundos e cercas que separam propriedades, tudo ornado pela neblina típica da Serra catarinense. Em outras imagens aparecem uma equipe filmando a paisagem agreste, um grupo caminhando próximo a um despenhadeiro, pessoas admirando cachoeiras do tipo “véu de noiva”, gado pastando em cenários de grama e araucárias. É gente de distintas origens e idades que está ali para mostrar onde nascem os rios Pelotas e Canoas, que muitos quilômetros adiante vão formar o Uruguai e correr em direção ao Prata, banhando vilas, cidades e florestas em suas margens.
O grupo forma uma expedição que juntou equipes institucionais da cidade argentina de Concordia, da Rede Guarani/Serra Geral e da TV UFSC para registrar aspectos das regiões catarinenses onde se situam os dois principais aquíferos da América do Sul. Se os profissionais do país vizinho vieram para documentar as nascentes, em Uubici, e a área do entorno, para os brasileiros o material ajudará a aumentar o já vasto acervo sobre as águas que brotam do solo e formam bacias, irrigam as matas e plantações e servem para atender ao consumo humano.
A TV UFSC já produziu 90 interprogramas sobre o assunto, inseridos nos intervalos das atrações da emissora, e planeja finalizar este ano um documentário que tem o objetivo de mostrar os problemas que ameaçam as reservas hídricas superficiais e subterrâneas no Estado. A parceria entre a TV e a Rede Guarani/Serra Geral leva o nome de Corredor das Nascentes e tem a coordenação do cineasta Zeca Pires e do geógrafo e professor aposentado Luiz Fernando Scheibe, respectivamente. Depois, a intenção é produzir um seriado, também focado nos aquíferos, em seu papel de proteção e preservação e nos impactos da poluição, das monoculturas, no risco de escassez e na ameaça de privatização de reservas hídricas.
Falta controle sobre as águas subterrâneas
“A crise da água é uma crise civilizatória, porque hoje se pensa apenas no consumo imediato”, diz o professor Scheibe. Só o aquífero Guarani tem 1,1 milhão de quilômetros quadrados (70,2% no Brasil, abrangendo os Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), mas a gestão da água deixa a desejar e a pressão sobre os recursos hídricos aumenta a cada dia, especialmente em vista do consumo agrícola. E Santa Catarina, muito rica em rios e nascentes, “é um dos Estados com menor controle das águas subterrâneas”, denuncia Scheibe.
Aquíferos é que garantem a perenidade dos rios
Aquíferos são formações geológicas de origem vulcânica que funcionam como reservatórios de água. Luiz Fernando Scheibe explica que o líquido fica retido nos poros das rochas subterrâneas, alimentadas pela água das chuvas que se infiltram no subsolo. Acima do Guarani fica o aquífero Serra Geral, uma espécie de capa protetora do primeiro, de incidência mais profunda. Em Santa Catarina, os afloramentos mais perceptíveis situam-se numa faixa que vai de Norte e Sul, às vezes de poucos metros, outras de um a dois quilômetros, acompanhando os contornos da Serra Geral.
“A rocha é porosa ou tem fraturas, que é onde fica o líquido, numa espécie de esponja”, informa ele. Nascentes de rios como o Canoas, Pelotas, do Peixe, Irani, Jacutinga, Chapecó e das Antas, que formam a grande bacia do Uruguai, vêm dos aquíferos. Correndo para Oeste, o rio Negro, afluente do Iguaçu, vai formar a bacia do rio Paraná, que também deságua no Prata, próximo a Buenos Aires. Já os rios Itajaí, formado por quatro braços, Itapocu, Tijucas, Tubarão e Araranguá compõem a vertente do Atlântico. “Os aquíferos garantem a perenidade desses rios”, reforça o professor.
Esse corredor tem nascedouros de águas que dão origem a 23 bacias hidrográficas. Além da contaminação provocada pela poluição dos defensivos agrícolas, pela extração descontrolada via poços artesianos, pelos impactos da monocultura e por outros problemas de ordem ambiental, também a multiplicação de usinas de geração de energia elétrica afeta a distribuição das águas no Sul do país. “As hidrelétricas construídas no Pelotas e Uruguai mexeram num rio de corredeiras, que renovam a água”, denuncia Scheibe. “Hoje, o rio é uma sucessão de lagoas que parecem uma escada descendo rumo ao Prata”.
Vinhetas dentro da programação
Para mostrar a riqueza dos ecossistemas nos quais se inserem os aquíferos, e também para denunciar os riscos que eles correm, a TV UFSC e a Rede Guarani/Serra Geral desenvolvem desde 2013 uma parceria que resultou num projeto chamado Corredor das Nascentes. O primeiro efeito foram as 90 vinhetas (denominadas Corredor das Águas) veiculadas a partir do ano seguinte com depoimentos de pesquisadores, agricultores e ativistas do Brasil e exterior. Os temas vão do ciclo da água às ameaças de privatização de áreas com nascentes, passando pela gestão dos recursos hídricos, crises de abastecimento, incidências de águas subterrâneas e a pressão da agroindústria e da produção de alimentos sobre as fontes de água doce. Os interprogramas têm três minutos, em média.
Outro passo foi a produção do documentário “Água_Vida”, com direção de Zeca Pires, que a partir de saídas de campo revela “os problemas ambientais e civilizatórios que ameaçam as reservas hídricas superficiais e subterrâneas”, além de mostrar ações e boas práticas que ajudam a preservar esses recursos naturais. Com 26 minutos, o documentário tem roteiro escrito pelo professor Luiz Fernando Scheibe e a participação dos pesquisadores Arthur Nanni e Luciano Augusto Henning.
O “Água_Vida” também foi exibido pela TV Brasil, que em março deste deverá mostrar outras imagens coletadas pela TV UFSC nas expedições pelo interior catarinense, aproveitando o Dia
Zeca Pires faz tomadas em pontos da Serra catarinense para o acervo da TV UFSC – Cris Melo/Divulgação/ND
Mundial da Água (22/03), o Fórum Mundial da Água (18 a 23/03) e o Fórum Alternativo Mundial da Água (17 a 22/03), ambos em Brasília.
Documentário aproveita riqueza do material
Dentro do mesmo conceito, a TV UFSC está recolhendo material para um especial de 120 minutos que deve ficar pronto até o final de 2018, usando a grande quantidade de material recolhido em mais de três anos de andanças pelo Estado. “O tema é muito importante, e nosso desafio é ser didático e crítico ao mesmo tempo”, diz Zeca Pires, que desde 1983, quando filmou o curta “Manhã” nas cidades de Anitápolis e Rancho Queimado, tem fortes vínculos com a Serra catarinense. Produzir um seriado é o passo seguinte, ainda em nível de projeto.
(UFSC, 20/02/2018)
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