Pelo segundo ano seguido, dezenas de famílias indígenas passam a temporada acampadas de forma improvisada no Terminal de Integração Saco dos Limões (Tisac), em Florianópolis. Só que, desta vez, as condições são piores. O terminal desativado está sem luz e tomado por goteiras, situação causada por um incêndio criminoso em novembro passado. Além disso, agora chegaram muito mais indígenas: são cerca de 300, segundo as lideranças, para as mesmas três barracas do Exército que abrigaram menos de 80 na temporada passada.
Todos são caingangues vindos dos três Estados do Sul e foram castigados pelas fortes chuvas da semana passada. As lonas pretas voam ou rasgam facilmente com o vento. E, entre os acampados, há muitas crianças que se assustam, conta Sueli da Silva, de 55 anos, que veio de uma aldeia de Erechim (RS).
— Aqueles “piás” ali, que estavam dormindo de manhã, tiveram que se levantar por causa da chuva, que estava molhando eles — disse a indígena, apontando para os indiozinhos enquanto confeccionava um balaio.
Sueli também reclamou que, no verão passado, foi providenciado passe gratuito de ônibus e cestas básicas para as famílias, mas neste ano não.
Luz para produzir artesanato
Não há luz na plataforma, nas cozinhas ou nos banheiros. No chuveiro, a água é fria. Só estão funcionando as lâmpadas do lado de fora do Tisac. E os índios precisam de claridade para produzir o artesanato.
— De dia a gente trabalha nas praias. Quando nós chegamos aqui queremos deixar todo o material pronto. Só que a gente chega e fica no escuro, e aí não dá pra trabalhar — reivindica Sadraque Lopes, representante dos índios no terminal.
O líder também diz que aguarda há dois meses a chegada de mais barracas militares para abrigar os caingangues.
Responsabilidade de quatro órgãos
Uma reunião em novembro definiu que a questão da migração dos indígenas para Florianópolis durante o verão é competência de quatro órgãos. A União cedeu o Tisac para acolhê-los, a prefeitura ficou responsável pela instalação das benfeitorias do local, o Governo do Estado pela segurança, e a Funai por transferi-los ao espaço e fornecer os materiais necessários para a manutenção do local, como pias, chuveiros, torneiras, fiação e luz, a serem instalados pelo município.
No entanto, conforme a secretária de Assistência Social de Florianópolis, Katherine Schreiner, esses itens nunca chegaram. E mesmo assim a prefeitura conseguiu resolver algumas necessidades emergenciais.
— A gente se organizou e fez a instalação dos chuveiros, vasos, pias e a iluminação no entorno, mas chegamos no limite do que podemos fazer, porque também não temos materiais no momento. Eu organizei com uma empresa que já presta serviço para a prefeitura e, dentro desse contrato, eles vão finalizar a instalação que é ligar a energia dos chuveiros, das lâmpadas nos banheiros e na parte onde estão as barracas — garante.
Com relação às barracas, a responsabilidade é da Defesa Civil do Estado. A coordenação da Funai em Florianópolis informou à reportagem que não recebeu novas barracas do órgão nem do Exército Brasileiro. Isso porque as Forças Armadas na Capital receberão um grupo de recrutas e vão precisar das barracas.
Sobre os demais problemas de estrutura, a Funai limitou-se a informar que não chegou ao conhecimento da fundação essas demandas, e que o órgão tomará as devidas providências quando notificado. As passagens e cestas básicas, que não estão sendo fornecidas neste ano, são parte do acordo firmado com o Ministério Público.
Já a questão da segurança, segundo os índios, não é problema: diariamente uma viatura da Polícia Militar passa em frente ao Tisac.
A novela da Casa de Passagem
Em setembro do ano passado, a Justiça Federal determinou que União, Funai, Estado e prefeitura criassem um grupo de trabalho para implementar a Casa de Passagem do indígena na Capital. No entanto, dois meses depois, uma liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), a favor da prefeitura, desobrigou a construção.
A prefeitura destaca que sugeriu à Funai, ainda em setembro, ceder um boxe do Mercado Público para o comércio do artesanato indígena. Assim, apenas os representantes viriam para realizar as vendas, sem necessidade de mais deslocamento. Porém, a ideia foi recusada pelos índios.
O líder Sadraque Lopes destaca que foi uma grande luta junto para que os caingangues ficassem no Tisac.
— Eu, como representante, não permito ficar um indígena pra sempre aqui porque se não vai começar a perder sua cultura. Depois que trabalhar tem que voltar pra sua aldeia. E também por causa das crianças que estudam. Os índios planejam para o dia 5 de fevereiro uma semana cultural no Tisac.
(Hora de Santa Catarina, 15/01/2018)
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